quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Não é Trump, idiota, é um projeto

Fontes: The Economist Gadfly


Facas estão em busca de herança

Em 20 de Janeiro, com a tomada de posse de Donald Trump no poder, será lançada a recalibração das prioridades da política externa dos EUA e a execução de objetivos estratégicos nacionais e internacionais mais amplos. Esta transição não se trata de lideranças excêntricas ou de decisões erráticas, mas sim da execução de um projeto político de longo alcance.

Para alguns defensores do realismo político, a ascensão de Trump ao poder é uma mudança bem-vinda, pois dá prioridade a uma política externa pragmática onde a máxima da “paz através da força” predomina sobre o moralismo ideológico. No entanto, para os internacionalistas liberais, a agenda “Tornar a América Grande Novamente” levanta receios legítimos de que as alianças multilaterais, o comércio global e os compromissos climáticos sejam marginalizados ou completamente desmantelados.

Neste contexto, surge um plano chave que configura o trumpismo como um fenômeno mais amplo do que a figura do ex-presidente: o Projeto 2025, promovido pela Heritage Foundation, um dos think tanks mais influentes do movimento conservador. Este projeto é muito mais do que um conjunto de recomendações políticas. Este é um roteiro ambicioso e radical para reconfigurar o governo federal dos Estados Unidos sob uma agenda conservadora, nacionalista e desregulamentadora.

Embora não haja nenhuma evidência pública de uma ligação explícita entre o Projeto 2025 e o que alguns chamam de "Estado Profundo", é evidente que as grandes empresas e os atores econômicos estratégicos estão alinhados com esta agenda, promovendo políticas que priorizam os seus interesses financeiros e econômicos. Estas organizações operam nos bastidores, influenciando decisões políticas através do financiamento de campanhas, lobby legislativo e divulgação de ideias nos meios de comunicação social.

O Projeto 2025 é uma abordagem estruturada para redesenhar o governo federal dos EUA e garantir que qualquer nova administração republicana possa implementar reformas rápidas e profundas desde o primeiro dia no poder. Não se trata de uma simples transição de governo, mas de um plano estratégico para transformar permanentemente a burocracia federal, garantindo que as instituições do Estado funcionem como ferramentas eficientes para a agenda conservadora.

Este plano é inspirado em precedentes históricos, como as reformas implementadas por Ronald Reagan na década de 1980, quando se promoveu a desregulamentação da economia e se promoveram os valores tradicionais. Contudo, o Projeto 2025 vai muito mais longe: amplifica essas reformas para enfrentar os desafios contemporâneos e reconfigurar o papel dos Estados Unidos num mundo multipolar.

Os elementos fundamentais do Projeto 2025 são: reorganização do governo federal através da redução do tamanho do Estado e da delegação de poderes ao setor privado, desregulamentação massiva, ou seja, revogação de regulamentações em setores-chave como meio ambiente, energia, educação e tecnologia, sob o argumento da promoção da “liberdade econômica”. Controle ideológico através das redes sociais, às quais já aderiram X, Facebook, Instagram, eliminando o sistema de verificação de dados. Reforma energética e climática, políticas sociais que transformam a educação, entre outras. Parar o progresso em questões como o aborto, a igualdade de género e os direitos LGBTQ+, regressando a uma abordagem baseada em “valores familiares tradicionais”. No que diz respeito à imigração, endurecer as políticas fronteiriças e reforçar a deportação de imigrantes indocumentados, priorizando a construção de infraestruturas fronteiriças, como o muro com o México.

A política externa promoverá uma política externa “América em Primeiro Lugar”, focada na redução do envolvimento dos EUA em conflitos internacionais, na renegociação de acordos comerciais e na priorização dos interesses nacionais. Limitar o financiamento a alianças multilaterais como a NATO e compromissos climáticos internacionais.

Para isso existe um plano de transição governamental com um manual operacional detalhado com passos práticos para implementar essas mudanças desde o primeiro dia de uma Administração Republicana, acelerando a substituição de funcionários-chave no governo federal. O manual não contempla apenas os primeiros dias de governo, mas também uma estratégia sustentada para consolidar as reformas ao longo do mandato presidencial.

Esta abordagem daria prioridade a uma redefinição do papel dos Estados Unidos no mundo, com base numa combinação de pragmatismo econômico, isolacionismo seletivo e uma tentativa de reposicionar estrategicamente o poder americano em regiões-chave. Ainda assim, o Projeto 2025 não seria possível sem o apoio e financiamento de empresas influentes que procuram beneficiar diretamente destas políticas. Estas empresas, que operam em setores-chave como energia, tecnologia e finanças, são as grandes vencedoras deste projeto.

Entre os atores corporativos mais relevantes estão:

Koch Industries, uma das maiores empresas privadas do mundo, controlada pela família Koch, que tem sido um pilar fundamental na promoção de políticas de desregulamentação energética e ambiental.

ExxonMobil e Chevron, que beneficiam da eliminação de restrições ambientais e da exploração de recursos em regiões estratégicas como o Ártico (Groenlândia) e a Venezuela.

Rio Tinto e Freeport-McMoRan, empresas mineiras interessadas em terras raras e minerais estratégicos, especialmente na Gronelândia e no Canadá, duas regiões ricas nestes recursos.

Amazon Web Services (AWS) e Microsoft, que controlam grande parte da infraestrutura de armazenamento de dados do Governo dos EUA e beneficiam da digitalização e modernização dos sistemas estatais.

Além disso, grupos de reflexão como a Heritage Foundation, que lidera o Projeto 2025, e outras organizações como a Sociedade Federalista, desempenham um papel fundamental na concepção e promoção destas políticas.

Um dos aspectos mais preocupantes do Projeto 2025 é o seu impacto geoestratégico nas principais regiões do mundo. As políticas promovidas por esta agenda conservadora não só procuram reforçar o poder econômico e militar dos Estados Unidos, mas também reposicionar estrategicamente a sua influência em regiões com elevada importância geopolítica e econômica.

As quatro regiões mencionadas no plano – Gronelândia, Panamá, Canadá e Taiwan – têm algo em comum: o desafio da China como rival estratégico dos Estados Unidos.

A Gronelândia representa um interesse geopolítico devido aos seus vastos recursos minerais e à sua posição estratégica no Árctico.

O Canal do Panamá continua a ser um ponto-chave no comércio global e o seu controlo é essencial para a segurança marítima americana.

O Canadá, apesar de ser um aliado tradicional, gerou tensões comerciais que seriam exacerbadas sob uma política protecionista como a proposta pelo Projeto 2025.

Taiwan, devido ao seu papel na disputa de poder com a China, é um eixo fundamental da política externa dos EUA.

O Projeto 2025 propõe uma estratégia para consolidar a hegemonia dos EUA nestas regiões através de alianças seletivas, protecionismo econômico e uma abordagem militarista, tudo sob uma agenda nacionalista e conservadora.

Pensar que o fenômeno Trump é um acidente ou produto da sua personalidade excêntrica é um erro de análise. O que está em jogo é um projeto político e econômico bem estruturado que procura redefinir o papel dos Estados Unidos no mundo e consolidar o poder de certas elites econômicas.

O Projeto 2025 não é um simples manual governamental, é um roteiro para uma transformação radical e permanente das instituições americanas. O verdadeiro poder por trás deste projeto não reside em Trump como indivíduo, mas nas empresas, nos grupos de reflexão e nos atores econômicos que o promovem. Os benefícios diretos das políticas conservadoras do Projeto 2025 são: desregulamentação ambiental e energética; reforma fiscal e redução do imposto sobre as sociedades; apoio ao desenvolvimento de combustíveis fósseis; política comercial favorável; Renegociações de acordos como o T-MEC (Tratado entre México, Estados Unidos e Canadá) garantem condições mais favoráveis ​​para exportações de energia e produtos manufaturados.

Você realmente acha que isso é apenas Trump?



 

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