
O choro de Neymar e a capacidade da mídia nacional falar mais dela mesma do que dele
por Eduardo Borges
O choro de Neymar, tal qual o choro de Tiago Silva em 2014, vem provocando reações e monopolizando a mídia e as redes sociais no Brasil e no mundo. Identifico três segmentos diferentes que vêm opinando sobre não só o choro pós jogo com a Costa Rica, como também, o comportamento “desonesto” de Neymar diante das faltas que recebe durante os jogos. Esses três segmentos são formados pela mídia nacional, pelos brasileiros nas redes sociais e pela mídia internacional.
Da mídia internacional entendo que estão fazendo o jogo deles, afinal, é interessante desestabilizar emocionalmente o melhor jogador de uma seleção com fortes possibilidades de se chegar à final da Copa do Mundo. Além disso, por que teriam eles alguma preocupação em entender ou proteger Neymar na medida em que cada um deles têm seus próprios craques e ídolos correndo riscos de serem eclipsados pela genialidade de Neymar?
Um dos que fizeram comentário sobre Neymar foi o craque argentino Diego Maradona, tem alguém mais controverso do que Maradona no mundo do futebol? Admiro Maradona tanto dentro de campo quanto fora, acho que ele balança algumas estruturas podres do mundo do futebol, portanto, até por ter essa característica controversa, seria muito mais coerente por parte de Maradona tentar analisar e entender o comportamento de Neymar de uma perspectiva menos simplista e debochada. Mas o gênio argentino se enquadra nessa categoria dos estrangeiros que nada perdem em criticar o craque brasileiro, pelo contrário, sua seleção teve uma participação melancólica na Copa e seu principal jogador pouco brilhou, qualquer possibilidade de mudar o foco será sempre bem vinda.
Quanto à parcela de brasileiros que vêm criticando Neymar fortemente em suas redes sociais, só posso atribuir ao famoso “complexo de vira-latas” que tanto nos persegue. Parece ser algo quase estrutural do brasileiro a capacidade de se auto sabotar. Uma parcela dos brasileiros sofrem de uma estranha incapacidade de lidar com o outro quando esse outro é também um brasileiro. Neymar é apenas isso, um brasileiro. Com destaque, rico, com fama, mas apenas um brasileiro. Mas em tempos de globalização, em que torcer pelo Barcelona e pelo Arsenal, em detrimento de nossos clubes, tem se constituído em orgulho identitário, a tendência é que aprofundemos essa dificuldade de valorizar o que é nosso. Poderíamos aprender um pouco com nossos Hermanos argentinos para quem o controverso Maradona, não só é melhor do que Pelé, como é quase um Deus. É a velha história da grama do quintal do vizinho.
Quanto ao primeiro segmento, aqui representado pela mídia nacional, desde o choro de Neymar após o jogo contra a Costa Rica até o grito de dor resultado da agressão do jogador mexicano no jogo desta segunda feira, o comportamento do camisa 10 da seleção vem pautando a imprensa esportiva brasileira. Com honrosas exceções, a mídia esportiva brasileira foi mordida pela mosca azul da crítica sensacionalista. Algumas falas me fizeram lembrar os famosos tabloides ingleses sempre prontos a escolher o lado obscuro da história. A acusação de alguns jornalistas sobre o comportamento de Neymar diante do choro e da dor, me faz lembrar uma frase de Freud: “ Quando Pedro me fala de Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo”. Quando alguns jornalistas falam de Neymar, sei mais deles do que de Neymar.
Os argumentos de alguns membros da mídia esportiva sobre o caso Neymar beiram ao simplismo extremo, e falam muito sobre eles mesmos, vejamos: “ele deveria se segurar e ir chorar no vestiário”, “veja como ele escolheu estrategicamente o centro do campo para chorar”, “ não passou de um choro midiático”, “é o choro de um menino mimado”, “Neymar desde os 12 anos de idade já é um milionário, que dificuldade ele passou na vida?” (esse para criticar a justificativa de Neymar sobre o choro). O que posso dizer? Esperava mais de vocês.
Escrever bem sobre esporte e, de maneira específica, sobre o futebol é uma arte das mais sublimes. O universo do futebol nos possibilita ir além do próprio esporte e entender as nuances que envolvem o jogo e seus sujeitos. Armando Nogueira, João Saldanha, Nelson Rodrigues, Juca Kfoury, Tostão e vários outros, são exemplos do que estou dizendo. Contudo, no caso Neymar, está faltando a uma parcela da mídia esportiva a capacidade de analisá-lo sob uma perspectiva mais complexa e menos simplista e moralista.
Para aqueles que identificaram como midiática o choro e como exagerada a dor resultante da pisada do mexicano, pergunto: são por acaso vocês analistas de sentimentos subjetivos? Em tempos em que basta termos convicção para condenarmos alguém, a condenação pública de Neymar tem apenas isso como prova, a própria convicção subjetiva de alguns eminentes cronistas esportivos. Definitivamente vocês não foram formados para serem analistas da dor alheia. Qualquer crítica baseado nesse grau de abstração, não é jornalismo, é apenas leviandade. Que provas tenho eu para afirmar que o choro e a dor de Neymar não foram genuínos? Nenhuma. Entretanto, no caso neymar, também em sintonia com o momento atual da justiça brasileira, o ônus da prova passa a ser do acusado, ele é que tem que nos convencer de que seu choro e sua dor são verdadeiros. Mas todos sabemos que quem acusa é quem deve provar, logo, até que provem em contrário, qualquer duvida sobre o sentimento de Neymar nos episódios, repito, é conjectura e leviandade, não é jornalismo.
O que está faltando à nossa imprensa esportiva na análise do caso Neymar? A capacidade de analisar o fato sob uma perspectiva mais complexa. Defender Neymar não se trata de esconder seus defeitos, mas entendê-los não como uma falha de caráter de alguém que deveria ser “programado” para ser um ídolo perfeito. Entender o comportamento de Neymar demanda entender sua vida desde a mais tenra idade. Quando ficamos sabendo que desde muito cedo Neymar já tinha patrocinador, devemos entender que desde muito cedo uma criança já havia se transformado no objeto de cobiça e de lucro de muitas pessoas. Se isso não é suficiente para nos sensibilizarmos e olharmos seu comportamento sob uma perspectiva mais sensível, o que será?
Neymar é uma pessoa jurídica desde muito cedo. Quando ele diz que “só ele sabe o que passou para chegar aonde chegou”, quem somos nós para colocar em dúvida suas palavras. Trajetórias de pessoas como Neymar não podem ser observadas de maneira simplista e muito menos sensacionalista. Por trás de toda a simbologia triunfalista que sua historia de vida representa existe um ser humano falível e incompleto.
Não peço nada, além disso, apenas que enxerguem Neymar como um ser humano cuja trajetória de vida está longe de ser simplista e cotidiana como a da maioria das pessoas. Antes que alguém venha levianamente dizer que estou defendendo o indefensável, não objetivo com esse texto encobrir os erros certamente cometidos por Neymar. Entretanto, lembra daquela história do “atire a primeira pedra”? O que pretendo com esse texto, é me posicionar frontalmente contrário à mediocridade de parcela da imprensa que optou pelo sensacionalismo mais simplista abrindo mão da capacidade de debater de maneira mais complexa a figura humana de Neymar. Se um filho erra o que fazemos com ele? O entregamos aos leões, certamente que não, o acolhemos e o aconselhamos. Desejar que o Brasil proteja Neymar, ao invés de entregá-lo aos leões é, mais do que preservar, em plena Copa do Mundo, nosso mais importante jogador, é entender a figura humana que existe por trás do craque. Tite parece ter entendido bem esse papel que parte da imprensa não entendeu, se identificamos alguém com problema, não apontamos o dedo, trazemos para perto e o mudamos para melhor.
Eduardo Borges - Historiador
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