Kamala Harris e Donald Trump (Foto: Reuters)
“A eleição americana reforça o retrato do homem atormentado e fragilizado que pede socorro”, escreve o colunista Moisés Mendes
Moisés Mendes
Não há surpresa nenhuma na constatação de que o perfil dominante do ativista de extrema direita é o do homem branco de classe média e de meia idade. No Brasil, na Hungria, nos Estados Unidos.
Esse é também o perfil da maior faixa do eleitorado de direita. O macho branco é o militante e o eleitor típicos do reacionarismo e do extremismo. Mas essa eleição americana acrescenta informações ao que já se sabia.
O macho branco que dá base, faz ativismo e lidera a extrema direita não é mais só o cara com idades entre 45 e 60 anos. Evaporou-se aqui e lá a certeza de que o fascismo era uma ideia velha compartilhada pelos quase velhos do bolsonarismo e do trumpismo.
Javier Milei sustentou a ascensão do fascismo na Argentina graças ao apoio da juventude. Pablo Marçal renovou a militância bolsonarista aqui. E a ressurreição de Trump rejuvenesceu sua base nos Estados Unidos.
Nessa eleição nos EUA, haverá a maior diferença nas preferências de mulheres e de homens entre republicanos e democratas também por causa dessa renovação.
O quadro médio é esse: 53% dos homens que fazem escolhas estão com Trump e 37% estão com Kamala. E, com pequenas variações, é esse o quadro inverso para Kamala em relação ao voto feminino: ela tem 53% das mulheres e ele tem 36%.
Kamala tem apoio ainda maior entre mulheres jovens, mobilizadas pela defesa de direitos, principalmente ao aborto. Entre mulheres de até 30 anos, ela tem 67%, contra apenas 28% do apoio a Trump.
Mas Nicole Russell, colunista do USA Today, revela o seguinte: pela primeira vez os pesquisadores constataram que Trump tem muito apoio dos homens jovens e até da Geração Z, dos nascidos entre o final dos anos 90 e primeira década dos anos 2000. O apoio entre os jovens machos cresceu de 37% para 58%.
Os homens jovens, que até a eleição de Joe Biden estavam com os democratas, correram em direção a Trump. Porque também eles, por desalento e muitos outros fatores, sentem-se depreciados enquanto machos em formação num mundo de mulheres atrevidas.
É o que as pesquisas revelam e Nicole Russell aborda no artigo. O macho americano está carente. Não só o tio do zap, mas agora até o guri com idades ao redor dos 20 anos.
Esse eleitor que pode estar votando pela primeira vez também é trumpista. Como são os jovens que elegeram Milei na Argentina e quase levaram Marçal ao segundo turno em São Paulo.
A equipe de Trump tem mensagens específicas para esses jovens, nessa linha: Kamala trata vocês como se fossem homens dispensáveis, mas nós os valorizamos. Kamala assusta os homens por ser democrata e por ser mulher e negra.
Na abordagem da jornalista texana, sempre sob o ponto de vista conservador, “os homens estão mudando para a direita porque a esquerda os tornou desnecessários”. Kamala e a hegemonia feminista democrata teriam abandonado os coitados.
O que importa aqui não é o choro da moça que também se alia aos homens desprezados. Mas a certeza de que eles sofrem porque têm mesmo a sensação de que foram abandonados e são esnobados pelas mulheres não conservadoras.
É o que precisaremos examinar melhor também no Brasil, para que se tenha alguma medida do drama do macho atormentado que Bolsonaro tirou do armário e Pablo Marçal colocou aos berros no meio da rua.
Não só o macho assumidamente inseguro red pill das redes sociais. Não só o macho espalhafatoso que chama pela mãe. Mas o homem silencioso, que sofre e só na hora do voto explicita seus tormentos diante de mulheres indiferentes aos seus dramas.
O eleitor de extrema direita, num resumo que a política nos oferece, é o macho que se agarra a Trump, Bolsonaro, Marçal, Elon Musk e Milei para tentar voltar a ser o que nunca mais será.
E como ficam na cabeça dele a economia, a inflação, o emprego, os imigrantes? São bons pretextos do século 20 que eles usam como escudos. O macho que se protege na extrema direita teme mesmo as mulheres.
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