segunda-feira, 7 de abril de 2025

A esquerda brasileira ainda não encontrou um sucessor para Lula.

Em 3 de abril de 2025, no Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala em reciprocidade em relação aos novos impostos impostos aos produtos brasileiros pelo presidente dos EUA, Donald Trump. (NurPhoto via Getty Images)


Jair Bolsonaro agora aguarda julgamento sob a acusação de planejar um golpe, privando o bloco de extrema direita do Brasil de seu líder visível. No entanto, com eleições presidenciais marcadas para o ano que vem, a esquerda brasileira ainda não encontrou um candidato que possa igualar o apelo popular de Lula.

Com o terceiro mandato do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva já passando da metade, o maior país da América do Sul está passando por uma nova crise de liderança. O índice de aprovação do outrora querido líder político atingiu seu ponto mais baixo em seus muitos anos no cargo.

De acordo com uma pesquisa realizada em fevereiro pelo Datafolha, um dos serviços de pesquisa mais confiáveis ​​do Brasil, 24% aprovavam o governo, 41% desaprovavam e 32% o consideravam "justo". Com outras pesquisas mostrando resultados semelhantes, o quadro emergente é de um declínio constante, mas pronunciado, do titã da esquerda latino-americana.

Depois de esgotar sua lua de mel com relativamente poucas conquistas políticas de destaque para aproveitar, Lula agora enfrenta a mesma crescente insatisfação que atormentou todos os presidentes brasileiros que o sucederam desde sua saída em 2010.

A crescente polarização política entre a esquerda e a extrema direita, um Congresso historicamente poderoso e conservador e a incapacidade de atrair uma nova geração de trabalhadores são apenas algumas das principais razões pelas quais muitos brasileiros acreditam que Lula e seu governo do Partido dos Trabalhadores (PT) estão vacilando.

Pior ainda, Lula e (em maior medida) o PT devem aceitar o que até agora tem sido um fracasso na construção de um sucessor para a esquerda brasileira. Com as eleições de 2026 se aproximando e um desejo popular crescente por mudança, as perspectivas de um presidente de esquerda ser eleito para um novo mandato parecem pequenas.

Do consenso à crise

Os últimos três presidentes brasileiros deixaram o cargo com altos índices de desaprovação. Por outro lado, a centro-esquerdista Dilma Rousseff, o neoliberal Michel Temer e o extrema-direita Jair Bolsonaro tinham muito pouco em comum, e havia muitos fatores específicos que explicavam o fracasso de suas respectivas presidências. No entanto, em conjunto, suas trajetórias são representativas da instabilidade da década de 2010, continuação de um período político mais calmo durante o qual Lula cumpriu seus dois primeiros mandatos.

Quando Lula deixou o poder em 2010, depois de governar por oito anos, ele deixou um legado incrivelmente popular. Uma pesquisa registrou um índice de aprovação de seu governo de 87%. Ao que tudo indica, Lula era um dos políticos mais populares do planeta (título que Barack Obama usaria para se referir a ele durante uma reunião do G20).

Isso não significa que Lula governou sem oposição ou críticas. A abordagem esquerdista do PT, focada principalmente no combate à pobreza e no desenvolvimento de programas sociais, irritou a elite tradicional e muitos membros da classe média.

Esses setores não se sentiam representados por Lula, um ex-trabalhador de uma região pobre do Brasil que nunca frequentou uma universidade e que falava em termos simples e coloquiais. Lula simplesmente não era o tipo de figura tradicionalmente associada à presidência brasileira, que até então havia sido reservada aos descendentes de dinastias políticas, a membros de longa data da política ou (por um tempo) a alguns generais presunçosos.

O escândalo do "Mensalão" de 2005 foi um choque para o governo Lula e o PT, e trouxe a corrupção para o primeiro plano do discurso político. Isso se deveu em grande parte aos esforços da poderosa empresa de notícias Globo, cuja agenda neoliberal e anti-Lula inspirou a cobertura negativa desse período no poder.

Apesar dessa oposição, o raro talento de Lula para construção de coalizões e negociação lhe permitiu construir uma ampla base de apoio no Congresso. Isso possibilitou a aprovação de leis históricas como o Bolsa Família e o Fome Zero, que tiraram milhões de pessoas da pobreza e expandiram significativamente os setores de educação e saúde. Lula conseguiu tudo isso enquanto liderava um crescimento econômico histórico e impulsionava a posição internacional do Brasil por meio de acordos diplomáticos e econômicos.

Lula também governou numa época em que o cenário político brasileiro era caracterizado pela civilidade e estabilidade, um forte contraste com os anos recentes. Os dois principais partidos políticos disputando a presidência eram o PT, de centro-esquerda, e o Partido Social Democrata, de centro-direita e neoliberal. Embora esses partidos se opusessem às políticas uns dos outros em muitas frentes, ambos concordavam amplamente que o Brasil deveria estar no caminho para se tornar uma república mais igualitária e economicamente robusta, com fortes instituições democráticas.

A ascensão de Bolsonaro

Esse consenso foi quebrado após a saída de Lula. Dilma Rousseff, uma aliada de longa data do ex-presidente e seu sucessor escolhido a dedo, assumiu o cargo durante um período de crescentes escândalos de corrupção e desaceleração econômica, coincidindo com a ascensão das mídias sociais como uma ferramenta de mobilização política.

Isso coincidiu com as Jornadas de Junho, uma onda sem precedentes de protestos em larga escala exigindo reformas políticas e fiscais, mas representando acima de tudo o desejo de mudanças mais rápidas na sociedade brasileira. Embora Dilma tenha tentado responder aos protestos prometendo uma nova maneira de fazer política, seu difícil relacionamento com o Congresso atrapalhou qualquer mudança real no sistema político arraigado do Brasil.

Sem a capacidade de Lula de formar alianças e tendo que apaziguar demandas crescentes por reformas e repressão à corrupção, Dilma frequentemente entrava em conflito com o Congresso. Após uma reeleição apertada em 2014, os líderes do Congresso moveram-se para removê-la do cargo em 2016. A direita saudou isso como uma grande vitória, enquanto a esquerda viu isso como um golpe suave.

O sucessor de Dilma, o vice-presidente Michel Temer, era um conservador que imediatamente começou a implementar medidas de austeridade. A esquerda desprezava Temer como um usurpador antidemocrático, enquanto a direita o via apenas como mais um político do establishment. Seu índice de aprovação pública chegou a 7% em algumas pesquisas. No entanto, apesar dos pedidos generalizados por sua renúncia, o bom relacionamento de Temer com o Congresso permitiu que ele se mantivesse no poder até o próximo ciclo eleitoral.

Em 2018, o cenário político estava muito longe da década próspera e estável dos anos 2000. A direita brasileira vinha minando a popularidade do Partido dos Trabalhadores (PT) há anos, enquanto suas próprias forças estavam se tornando cada vez mais radicalizadas. A instrumentalização do combate à corrupção para atacar a esquerda, como na agora infame Operação Lava Jato, ajudou a prender Lula sob acusações que foram posteriormente anuladas pelo Supremo Tribunal Federal.

No entanto, o dano já estava feito. A popularidade do PT despencou, e Lula não pôde concorrer nas eleições de 2018. As eleições presidenciais daquele ano resultaram em uma vitória decisiva para o candidato de extrema direita, Jair Bolsonaro, que antes era marginal.

Bolsonaro já era impopular no início de sua presidência, um problema que ele agravou ao tentar desmantelar instituições governamentais, realizar uma resposta negligente à pandemia de COVID-19 e liderar uma administração geralmente caótica. Grandes protestos públicos, raros nos anos 2000, agora eram comuns nas grandes cidades.

Lula voltou ao poder e derrotou Bolsonaro por uma pequena margem nas eleições de 2022. Paradoxalmente, Lula continuou sendo o político mais popular do Brasil e, ao mesmo tempo, a figura de proa de um partido que agora se tornou amplamente impopular. Mas seu retorno ao poder não trouxe consigo o renascimento do consenso dos anos 2000.

Embora Lula tenha desfrutado de um longo período de lua de mel, durante o qual suas promessas de retornar à normalidade dos anos 2000 e defender a democracia lhe renderam muita boa vontade, a incapacidade do presidente de curar o mal-estar geral da última década prejudicou seriamente sua popularidade. Ele não tem um novo programa Bolsa Família ou Fome Zero para mostrar seus esforços. Em uma era de notícias e distrações constantes, uma lei teria que ser tão monumental quanto essas reformas para ter impacto na percepção do eleitor.

Uma sociedade diferente

Um dos maiores desafios que Lula enfrentou foi encontrar maneiras de atrair a nova geração de trabalhadores brasileiros, o que difere da base que ele cultivou como um importante líder sindical durante as décadas de 1970 e 1980. Durante anos, Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) apelaram à classe trabalhadora com promessas de reformas, incluindo programas sociais e maiores direitos para os trabalhadores. Isso funcionou bem como uma mensagem para trabalhadores de fábrica e empregados domésticos com um senso desenvolvido de consciência de classe.

No entanto, eles agora enfrentam um cenário social transformado, repleto de autoproclamados "empreendedores" da economia de plataforma que consideram "classe trabalhadora" um termo pejorativo. Para esse setor, as ideias promovidas pela direita brasileira sobre homens que se fizeram sozinhos e a redução do tamanho do Estado — com "mais liberdade e menos impostos" — são mais atraentes do que o discurso tradicional do Partido dos Trabalhadores (PT).

Promessas de melhores condições de trabalho têm apelo limitado para pessoas que gostam de se considerar seus próprios chefes, migrando de empregos de entrega para aplicativos de compartilhamento de caronas. Uma cultura individualista de "coach de vida" se espalhou como fogo pela sociedade brasileira, alimentada em grande parte por uma vasta rede de influenciadores de mídia social de direita, sites de notícias conservadores e políticos de extrema direita que criam uma imagem distorcida da situação atual do país.

Como os links compartilhados nas mídias sociais são a principal fonte de notícias para grande parte da população, esse fenômeno de visão de túnel está se tornando generalizado. Se olharmos para a economia como exemplo, vemos que o Brasil teve uma taxa de crescimento maior que a esperada durante o governo Lula. No entanto, a maioria dos brasileiros simplesmente não percebe. Há uma percepção generalizada de que a economia sob o governo Lula está em más condições ou até mesmo entrou em colapso, essencialmente devido à corrupção catastrófica — algo que muitas pessoas associam a Lula, ao PT e à esquerda em geral.

As consequências dessa abordagem tendenciosa foram sentidas recentemente quando o governo tentou implementar regulamentações padrão para o Sistema de Pagamento Instantâneo Brasileiro (Pix), um método de pagamento digital extremamente popular para pequenas e microtransações que se tornou parte da vida cotidiana no Brasil desde sua introdução em 2020. Quando rumores começaram a circular nas redes sociais de que o governo Lula iria taxar pesadamente as transações do Pix ou até mesmo proibir o sistema por completo, houve uma grande reação pública.

Na realidade, tais planos nunca existiram, pois o governo queria apenas identificar transações de alto valor para evitar abusos criminosos do sistema. Mas a onda de notícias falsas prejudicou severamente a imagem do governo, que não conseguiu dissipar os rumores a tempo. No final das contas, o Tesouro voltou atrás na regulamentação, dando a impressão de que a reação pública infundada havia salvado o Pix, jogando assim lenha na fogueira da desinformação.

Em suma, não é só a falta de grandes leis ou reformas que prejudica Lula e o PT. É também a incapacidade de comunicar suas vitórias à população e se defender de uma oposição implacável que não tem compromisso com a verdade e sequestrou os interesses de tantos trabalhadores da economia de plataforma.

A busca por um sucessor

O PT começou sua jornada como uma ampla coalizão de movimentos de esquerda, desde marxistas revolucionários até cristãos progressistas e social-democratas, cujo objetivo era estabelecer a esquerda como uma força poderosa para a mudança institucional. Com o passar dos anos, o partido perdeu diversidade, e o papel de Lula foi fortalecido em detrimento de figuras alternativas.

Quando Lula deixou o poder em 2010, sua sucessora, Dilma Rousseff, confiou na popularidade herdada e nas reformas implementadas pelo governo anterior. Mas sua campanha de reeleição em 2014 foi muito mais difícil. Em 2018, a opinião generalizada era de que o retorno de Lula era a única maneira de alcançar mais uma vitória para a esquerda. Quando sua prisão tornou isso impossível, outro antigo aliado de Lula, Fernando Haddad, basicamente fez campanha como seu representante, apenas para ser derrotado por Bolsonaro.

Em 2022, Lula voltou mais uma vez como o único político que poderia derrotar Bolsonaro. Sua vitória apertada trouxe mais quatro anos de um poder executivo de centro-esquerda. Mas com as eleições de 2026 se aproximando rapidamente, nenhum dos atuais políticos do PT conseguiu escapar da sombra de Lula e desenvolver seu próprio apelo popular.

Outros partidos de esquerda desempenharam um papel na política nacional. O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) cresceu consideravelmente na última década, oferecendo uma alternativa mais radical ao PT e competindo regularmente por governos estaduais e cadeiras no Senado. Também apresentou seus próprios candidatos presidenciais nas quatro eleições que antecederam a eleição de 2022, nas quais apoiou Lula. O PSOL criticou o PT por se recusar a apoiar qualquer candidato fora de suas fileiras, mesmo quando outro candidato de esquerda poderia estar melhor posicionado para vencer.

Nas eleições de 2022, foi sugerido que Lula poderia escolher Ciro Gomes como seu companheiro de chapa, um ex-ministro de um dos governos de Lula que se tornou um crítico severo do PT e acabou concorrendo contra Lula em uma plataforma centrista. Outro possível candidato à vice-presidência poderia ter sido Guilherme Boulos, do PSOL, candidato presidencial do partido em 2018, que foi eleito deputado por São Paulo em 2022. Qualquer um dos dois teria permitido que a chapa do PT projetasse uma imagem de unidade de esquerda (ou pelo menos de centro-esquerda).

Em vez disso, Lula escolheu Geraldo Alckmin, seu antigo oponente nas eleições de 2006, do Partido Social Democrata, de centro-direita. Isso enviou uma mensagem clara de que representantes do antigo consenso político estavam contra-atacando o bolsonarismo. No entanto, ninguém poderia realisticamente ver Alckmin como uma figura de esquerda ou como alguém que poderia concorrer à presidência mais tarde e atrair votos do lado esquerdo do espectro político. A escolha do companheiro de chapa de Lula impediu que um potencial rival do PT na esquerda ganhasse destaque nacional e talvez ascendesse ao status de sucessor.

Flávio Dino também poderia ter sido uma alternativa viável a Lula como figura de proa da esquerda, como um excelente comunicador com um longo histórico de vitórias políticas. Eleito pela primeira vez para o Congresso pelo Partido Comunista em 2006, ele concorreu com sucesso ao governo do estado do Maranhão em 2014 e foi reeleito para o cargo quatro anos depois, antes de entrar para o Senado em 2022.

Dino então se tornou Ministro da Justiça de Lula, colocando-se sob os holofotes nacionais após o ataque de 8 de janeiro por apoiadores de Bolsonaro, ao qual ele respondeu rapidamente. No entanto, quando surgiu uma nova vaga no Supremo Tribunal Federal no início de 2024, Lula optou por nomear Dino para preenchê-la. Foi uma grande honra e mais uma vitória para a esquerda, mas também o tirou da disputa como candidato político.

2026

Afalta de alternativas a Lula é uma situação que surgiu, pelo menos em parte, deliberadamente. Em 2026, Lula terá oitenta anos e já disse que não concorrerá mais à presidência. O PT deveria ter tido tempo suficiente para desenvolver um sucessor, mas isso não aconteceu até agora. Fernando Haddad, atual ministro da Economia, ainda não tem o apelo popular necessário, e suas conquistas na área econômica lhe deram pouca visibilidade.

Gleisi Hoffmann, presidente do PT e figura mais à esquerda, não é mais popular que Haddad e, de qualquer forma, não está interessada no cargo. Rui Costa, ex-governador da Bahia, que ocupa uma posição mais centrista dentro do PT, tem um perfil mais forte, mas sua popularidade ainda é pequena em comparação à de Lula. Fora das fileiras do PT, a lista de possíveis nomes é cada vez mais escassa e vaga. É provável que haja forte pressão para que Lula concorra novamente, o que consolidaria ainda mais sua posição dominante na esquerda brasileira.

Por outro lado, a oposição de direita a Lula e ao PT tem seus próprios problemas. Em 26 de março, o Supremo Tribunal Federal aceitou por unanimidade a acusação de Bolsonaro por planejar um golpe de Estado para anular os resultados das eleições de 2022. Isso significa que o ex-presidente agora é réu aguardando julgamento, junto com sete aliados próximos.

Com Bolsonaro já impedido de exercer cargos públicos por má conduta no passado e agora potencialmente enfrentando décadas de prisão, a direita não tem uma figura representativa. Do governador politicamente competente de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ao filho de Bolsonaro, Eduardo, os potenciais candidatos seriam efetivamente representantes do ex-presidente, em uma versão sombria da situação com Lula e a esquerda em 2018.

Pesquisas mostram que Lula precisa retomar o controle da narrativa política. Se as eleições fossem realizadas amanhã, suas perspectivas de reeleição seriam pequenas, mas ainda assim seriam melhores do que as de qualquer figura alternativa da esquerda. Seu governo tem até outubro de 2026 para recuperar o terreno perdido, diminuindo a distância entre política e percepção e criando uma atmosfera de crescimento, o que é muito mais difícil do que evocar sentimentos de caos e negatividade.

Se Lula concorrer novamente, terá que fazê-lo com uma argumentação que vá além da ideia de ser a única opção para aqueles que se opõem à extrema direita. Se, por outro lado, ele decidir apoiar outro candidato — provavelmente um sucessor de seu próprio partido — então esse candidato terá que desenvolver uma persona pública que possa se destacar da sombra de Lula, ou enfrentará uma derrota certa.


OLAVO PASSOS DE SOUZA
Doutorando em História pela Universidade Stanford.



 

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