segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A ELITE BRASILEIRA E SEUS DILEMAS


Omar dos Santos / Nonato Menezes - As elites brasileiras sempre tiveram vergonha de se identificarem politicamente como de direita. Também sempre demonstraram dificuldades em se assumirem como brasileiras.

 No Período Colonial, a influência portuguesa pesou muito sobre seus ombros e sobre sua consciência, determinando sua maneira de pensar. A distância não lhes permitia viver na Europa, mas Lisboa, Coimbra e Paris palpitavam em seu coração. De desejos e convicções, ela foi, por muito tempo, mais “europeizada” do que brasileira.

No Império, os valores vividos e defendidos por nossas elites foram inspirados e movidos pela influência europeia, sobretudo, pelas culturas portuguesa, francesa e inglesa. Para as nossas nascentes aristocracia e burguesia, o modelo perfeito de sociedade eram essas culturas. Assim, nada mais natural que seguir o modelo do colonizador e copiar seus hábitos, gostos, crenças.

A história da humanidade está repleta de exemplos que demonstram que o colonizado tende a cultuar o seu colonizador, imitando em tudo seu modelo de vida. Com a elite brasileira não foi diferente, arremedamos os nossos opressores.

Em seu início, ela aceitou, e de bom grado, um Cristo loiro e de olhos azuis e aderiu, incondicionalmente, a um Deus ranheta e vingativo, acatando a caracterização incoerente que os europeus fizeram do Cristianismo. Para suportar os rigores do clima tropical, essa elite importou a casimira e trouxe para suas filhas uma moda que as cobria dos pés à cabeça. Para ela, não poderia haver elegância sem o casaco de peles.

Nas artes, a imitação foi muito mais notória. Admirava-se tudo que fosse estrangeiro. À época, nossa produção artística nada mais era que verdadeiro decalque de obras europeias. A nascente elite brasileira consumia a pintura e a escultura produzidas nos grandes centros europeus. Ouvia, com deleite, as óperas dos grandes mestres de além-mar, só não sabia a língua em que era cantada e falada.

Na arquitetura, nossos novos ricos pegaram um atalho. Na construção civil, as grandes obras eram cópias idênticas de obras europeias, sendo importados não só o projeto, mas também os materiais, a mão de obra e até a decoração e a ornamentação.

Os ricos e os nobres brasileiros sempre foram festeiros. Vestiam, dançavam e comiam como um autêntico europeu. Em pleno verão, as damas frequentavam saraus e dançavam à moda renascentista e barroca, vestidas com corpetes e inúmeras anáguas sob vestidos longos e pesados. Para agradar seu refinado paladar, nossa elite degustava as maravilhas importadas: escargot, caviar, castanhas etc. Afinal, nosso verão se parece muito com o inverno europeu.

Os valores culturais e as crenças políticas e filosóficas de acima da linha do equador vincaram os costumes, os hábitos e os gostos da nossa nascente classe endinheirada. Desse tempo, carregamos, até hoje, um grande legado nos mais variados aspectos da vida nacional. Tal legado, mais que influenciar, moldou nossa forma de ser e de pensar, determinando desde nossos hábitos alimentares, nossa forma de vestir e de falar, nosso Direito, nosso pensamento político e filosófico e nossa forma de relacionar conosco mesmo e com a própria nação.

Como a França, vivemos a Belle Époque com todo o ardor e nos apaixonamos, perdidamente, pelo modus vivendi da gente de Napoleão.

Dos ingleses recebemos o peso de sua revolução industrial. Servimos àquela nação com parte de nossas riquezas, compramos serviços, equipamentos, máquinas e supérfluos diversos. Chegamos, por mais disparatado que possa parecer, a comprar patins para esquiar no gelo.

Da “Pátria Mãe” ganhamos esta fé irracional que tanto nos atrapalhou e nos atrapalha até hoje. Por sua influência e ação, construímos um modelo de ensino tão atrasado e excludente, que até hoje não conseguimos sequer reformar, apesar das tantas tentativas. Pelos rincões deste Brasil, cultivamos, ainda, danças e cantos que herdamos dos patrícios de Camões.

E a história não para por aí. Até aqui, contados quase quatrocentos anos da existência, a elite brasileira, que tem a caturrice e o pensamento retrógrado em seu DNA, sofreu e continua a sofrer influências as mais diversas. Vê-se em sua formação, embora que em proporções diferentes, as marcas e os valores herdados dos povos nativos, da forte presença africana e das culturas europeias colonizadoras ou não.

Passou o tempo, mas pouca coisa mudou. Parece que nestas terras tupiniquins prevalecerá sempre o provérbio popular, que diz que quem nasce para ser conduzido, jamais será condutor. Modernamente, isto a partir da primeira metade do século XX, nossa elite, induzindo a banda da sociedade direitista como ela, estabeleceu um verdadeiro “caso de paixão” pela cultura ianque. Na medida em que nos libertamos, um pouquinho só, das velhas culturas europeias, passamos a ser influenciados pelos americanos do norte, cuja proximidade geográfica conosco possibilitou uma influência, que embora se dê em tempo histórico menor, é bem mais contundente e mais nociva do que as anteriores.

Após a Segunda Guerra Mundial, os americanos despontaram como liderança bélica e econômica mundial. O mundo ocidental se curva ao “vencedor”. Programas e projetos tomam conta da Europa e do Japão. Foi a recuperação necessária. A mensagem dos Estados Unidos da América, o way of life, sopra sobre o mundo ocidental.

O Império se impõe. Seu avassalador poder econômico toma conta de toda a América. De certa maneira, corações e mentes se entregam à maneira de viver dos filhos da potência do consumo. A direita brasileira se entrega ao status quo do modelo Tio Sam de pensar e agir. Salve a América, mas a do Norte!

Esse ordenamento histórico de valores dificulta a formação de uma identidade cultural, do caráter moral e da consciência política genuína do povo brasileiro, notadamente de nossas elites, haja vista ser esta a classe que têm mais condições de suscitar os rumos do desenvolvimento sociocultural, político e econômico da Nação. Como nos ensina Marx, “As ideias dominantes de uma época, são as ideias das classes dominantes”.

Nesta perspectiva, não se comete injustiça alguma creditar dois “Pecados Capitais” à conta dessa elite. De um lado, ela se entregou ao fulgor de modelos de sociedade estranhos à natureza dos brasileiros e às suas peculiaridades. De outro, com essa forma de pensar inconveniente, pra dizer o mínimo, contaminou parte significativa das classes sociais brasileiras mais subalternas. Com tal conduta, ela foi e é a responsável pela formação de uma sociedade majoritariamente composta por indivíduos conservadores, autoritários e antinacionalistas. Sem nenhuma dúvida, nossa elite é a responsável exclusiva por este verdadeiro embevecimento que parte de nosso povo tem pelo que é estrangeiro.

É nessa trilha da História que peregrina uma sociedade com traços dos nativos, dos africanos, dos europeus e, mais tarde, dos norte-americanos, amálgama que ao longo do tempo tem dificultado uma formação singular, com marcas intrínsecas, e que contribui, até hoje, para alimentar o desinteresse de nossas elites pelo Brasil. Tal formação fez e faz desenvolver um sentimento entreguista, antidemocrático e antinacional, que tem retardado, ou mesmo impedido, o processo de desenvolvimento do país. Encontramos marcas desse retardamento na organização do Estado brasileiro, em seus processos de industrialização e educativo, em sua distribuição da renda, entre outros.

Há que se considerar, portanto, e a nossa História revela isso com clareza, que foram essas circunstâncias, ao mesmo tempo possibilidades não aproveitadas, que nossas elites tiveram para formação de uma identidade nacional.

No primeiro instante, a aura portuguesa se fez mais forte e mais influente em nossa formação, até porque, determinar um caráter baseado nas influências nativa e africana, seria impensável, pouco provável. Contudo, no decorrer do tempo, o domínio lusitano se tornou insuficiente, talvez pela distância geográfica e pelos frágeis laços políticos dos dois povos, os quais foram sempre baseados na imposição de comportamentos pela matriz, que embora não exclusivos, foram determinantes na formação das elites brasileiras.

As influências francesas e inglesas também não foram suficientemente fortes e eficazes para causar determinações na formação do caráter das nossas elites, talvez não tenham sequer alcançado a mesma dimensão da influência lusitana.

Os holandeses, pela pouca permanência no Brasil, muito pouco influenciaram a formação dessas elites. As poucas marcas de sua cultura se restringem à região Nordeste, sobretudo ao Pernambuco.
Dos franceses, incorporamos valores políticos e jurídicos importantes, verificados, inclusive, na elaboração e na definição dos nossos textos jurídicos e constitucionais.

Da nação saxônica, herdamos o embrião de nosso modelo industrial e comercial, sentido, sobretudo, na construção de ferrovias e na exportação de máquinas e equipamentos para o Brasil. Do ponto de vista político, a influência foi de pequena monta, restringindo-se à formação do pensamento do sistema de propriedade brasileiro.

Nem tão próximo dos Estados Unidos da América quanto o México, mas perto o suficientemente para sofrer os dissabores de seu poder, ao Brasil restou se submeter à redefinição de seu modelo socioeconômico, assim como capitular-se diante de interesses. Em quase um século de subordinação, nos sujeitamos de tal maneira àquela nação, cujas circunstâncias forjaram uma corrente de pensamento pela qual nosso desenvolvimento e o de outros países em semelhante estágio só seriam possíveis numa relação profunda de dependência. Verdade que foi reconhecida e defendida até por um certo presidente da república brasileira.

Sobre o alcance das influências dos ianques na formação das elites brasileiras, ainda precisamos de elementos teóricos que sustentem pontos de vista mais rigorosos e aceitáveis. Contudo, é impossível negar o servilismo com que a sociedade brasileira se entregou aos americanos, sobretudo os endinheirados e boa parte da classe média. Servilismo que na maioria das vezes leva à violação de nossa soberania pela aceitação pura de gestos canhestros de sujeição e tudo que tem sido observado em nossas relações com aquela nação do norte.

Entre tantos exemplos, citamos o processo de profunda desfiguração porque passa a língua Portuguesa do Brasil. Hoje, o simples ato de andar pelo comércio, conversar, assistir televisão ou pedir uma comida exige que tenhamos tradutor em mãos. Isto para não falar dos absurdos linguísticos, que para ser “chique”, os “macaqueadores” cometem.

Em resumo podemos afirmar que a pluralidade de influências e de inculcações de valores de vários povos e em graus variados, foram determinantes na formação do que é e como pensam nossas elites e, de maneira geral, nossa direita conservadora.

A elite brasileira é marcada por um nível de ressentimento e de mágoa contra o Brasil e contra o seu povo, que só pode ser o resultado da formação histórica sob a qual foi forjada. Só esta formação pode explicar a existência de classes sociais tão bolorentas, atrasadas e caducas, as quais expressam, despudoradamente, sentimentos de ódio e de desprezo para com os que lhes são diferentes. Só o fenômeno da construção sociocultural, política e econômica de nosso povo pode justificar a arrogância e pusilanimidade da direita brasileira. A matriz formadora dessa direita, que aprendeu a aviltar e a odiar a outra parte do povo é, sem nenhuma dúvida, nossa elite, cujo padrão de conduta se marca pela vocação entreguista, pelo sentimento antidemocrático e antinacionalista e pela natureza golpista.


Para reforçar este ponto de vista, embora que dito em outro conceito, o de classe média, acrescentamos o que ensina Marilena Chauí: “A classe média é uma abominação política, porque é fascista; é uma abominação ética porque é violenta; e é uma abominação cognitiva porque é ignorante.”

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