Omar dos Santos
/ Nonato Menezes - As
elites brasileiras sempre tiveram vergonha de se identificarem politicamente como
de direita. Também sempre demonstraram dificuldades em se assumirem como
brasileiras.
No Período Colonial, a
influência portuguesa pesou muito sobre seus ombros e sobre sua consciência,
determinando sua maneira de pensar. A distância não lhes permitia viver na
Europa, mas Lisboa, Coimbra e Paris palpitavam em seu coração. De desejos e
convicções, ela foi, por muito tempo, mais “europeizada” do que brasileira.
No Império, os valores
vividos e defendidos por nossas elites foram inspirados e movidos pela
influência europeia, sobretudo, pelas culturas portuguesa, francesa e inglesa.
Para as nossas nascentes aristocracia e burguesia, o modelo perfeito de
sociedade eram essas culturas. Assim, nada mais natural que seguir o modelo do
colonizador e copiar seus hábitos, gostos, crenças.
A história da
humanidade está repleta de exemplos que demonstram que o colonizado tende a
cultuar o seu colonizador, imitando em tudo seu modelo de vida. Com a elite
brasileira não foi diferente, arremedamos os nossos opressores.
Em seu início, ela
aceitou, e de bom grado, um Cristo loiro e de olhos azuis e aderiu,
incondicionalmente, a um Deus ranheta e vingativo, acatando a caracterização
incoerente que os europeus fizeram do Cristianismo. Para suportar os rigores do
clima tropical, essa elite importou a casimira e trouxe para suas filhas uma
moda que as cobria dos pés à cabeça. Para ela, não poderia haver elegância sem
o casaco de peles.
Nas artes, a imitação
foi muito mais notória. Admirava-se tudo que fosse estrangeiro. À época, nossa
produção artística nada mais era que verdadeiro decalque de obras europeias. A
nascente elite brasileira consumia a pintura e a escultura produzidas nos
grandes centros europeus. Ouvia, com deleite, as óperas dos grandes mestres de
além-mar, só não sabia a língua em que era cantada e falada.
Na arquitetura, nossos
novos ricos pegaram um atalho. Na construção civil, as grandes obras eram
cópias idênticas de obras europeias, sendo importados não só o projeto, mas também
os materiais, a mão de obra e até a decoração e a ornamentação.
Os ricos e os nobres
brasileiros sempre foram festeiros. Vestiam, dançavam e comiam como um autêntico
europeu. Em pleno verão, as damas frequentavam saraus e dançavam à moda
renascentista e barroca, vestidas com corpetes e inúmeras anáguas sob vestidos
longos e pesados. Para agradar seu refinado paladar, nossa elite degustava as
maravilhas importadas: escargot,
caviar, castanhas etc. Afinal, nosso verão se parece muito com o inverno
europeu.
Os valores culturais e
as crenças políticas e filosóficas de acima da linha do equador vincaram os
costumes, os hábitos e os gostos da nossa nascente classe endinheirada. Desse
tempo, carregamos, até hoje, um grande legado nos mais variados aspectos da
vida nacional. Tal legado, mais que influenciar, moldou nossa forma de ser e de
pensar, determinando desde nossos hábitos alimentares, nossa forma de vestir e
de falar, nosso Direito, nosso pensamento político e filosófico e nossa forma
de relacionar conosco mesmo e com a própria nação.
Como a França, vivemos
a Belle Époque com todo o ardor e nos
apaixonamos, perdidamente, pelo modus
vivendi da gente de Napoleão.
Dos ingleses recebemos
o peso de sua revolução industrial. Servimos àquela nação com parte de nossas
riquezas, compramos serviços, equipamentos, máquinas e supérfluos diversos.
Chegamos, por mais disparatado que possa parecer, a comprar patins para esquiar
no gelo.
Da “Pátria Mãe”
ganhamos esta fé irracional que tanto nos atrapalhou e nos atrapalha até hoje.
Por sua influência e ação, construímos um modelo de ensino tão atrasado e
excludente, que até hoje não conseguimos sequer reformar, apesar das tantas
tentativas. Pelos rincões deste Brasil, cultivamos, ainda, danças e cantos que
herdamos dos patrícios de Camões.
E a história não para
por aí. Até aqui, contados quase quatrocentos anos da existência, a elite brasileira,
que tem a caturrice e o pensamento retrógrado em seu DNA, sofreu e continua a
sofrer influências as mais diversas. Vê-se em sua formação, embora que em
proporções diferentes, as marcas e os valores herdados dos povos nativos, da
forte presença africana e das culturas europeias colonizadoras ou não.
Passou o tempo, mas
pouca coisa mudou. Parece que nestas terras tupiniquins prevalecerá sempre o provérbio
popular, que diz que quem nasce para ser conduzido, jamais será condutor.
Modernamente, isto a partir da primeira metade do século XX, nossa elite, induzindo
a banda da sociedade direitista como ela, estabeleceu um verdadeiro “caso de
paixão” pela cultura ianque. Na medida em que nos libertamos, um pouquinho só,
das velhas culturas europeias, passamos a ser influenciados pelos americanos do
norte, cuja proximidade geográfica conosco possibilitou uma influência, que
embora se dê em tempo histórico menor, é bem mais contundente e mais nociva do
que as anteriores.
Após a Segunda Guerra
Mundial, os americanos despontaram como liderança bélica e econômica mundial. O
mundo ocidental se curva ao “vencedor”. Programas e projetos tomam conta da
Europa e do Japão. Foi a recuperação necessária. A mensagem dos Estados Unidos
da América, o way of life, sopra
sobre o mundo ocidental.
O Império se impõe. Seu
avassalador poder econômico toma conta de toda a América. De certa maneira, corações
e mentes se entregam à maneira de viver dos filhos da potência do consumo. A
direita brasileira se entrega ao status
quo do modelo Tio Sam de pensar e agir. Salve a América, mas a do Norte!
Esse ordenamento
histórico de valores dificulta a formação de uma identidade cultural, do
caráter moral e da consciência política genuína do povo brasileiro, notadamente
de nossas elites, haja vista ser esta a classe que têm mais condições de
suscitar os rumos do desenvolvimento sociocultural, político e econômico da
Nação. Como nos ensina Marx, “As ideias dominantes de uma época, são as ideias
das classes dominantes”.
Nesta perspectiva, não
se comete injustiça alguma creditar dois “Pecados Capitais” à conta dessa
elite. De um lado, ela se entregou ao fulgor de modelos de sociedade estranhos
à natureza dos brasileiros e às suas peculiaridades. De outro, com essa forma
de pensar inconveniente, pra dizer o mínimo, contaminou parte significativa das
classes sociais brasileiras mais subalternas. Com tal conduta, ela foi e é a responsável
pela formação de uma sociedade majoritariamente composta por indivíduos
conservadores, autoritários e antinacionalistas. Sem nenhuma dúvida, nossa
elite é a responsável exclusiva por este verdadeiro embevecimento que parte de
nosso povo tem pelo que é estrangeiro.
É nessa trilha da
História que peregrina uma sociedade com traços dos nativos, dos africanos, dos
europeus e, mais tarde, dos norte-americanos, amálgama que ao longo do tempo tem
dificultado uma formação singular, com marcas intrínsecas, e que contribui, até
hoje, para alimentar o desinteresse de nossas elites pelo Brasil. Tal formação
fez e faz desenvolver um sentimento entreguista, antidemocrático e
antinacional, que tem retardado, ou mesmo impedido, o processo de
desenvolvimento do país. Encontramos marcas desse retardamento na organização
do Estado brasileiro, em seus processos de industrialização e educativo, em sua
distribuição da renda, entre outros.
Há que se considerar,
portanto, e a nossa História revela isso com clareza, que foram essas
circunstâncias, ao mesmo tempo possibilidades não aproveitadas, que nossas
elites tiveram para formação de uma identidade nacional.
No primeiro instante, a
aura portuguesa se fez mais forte e mais influente em nossa formação, até
porque, determinar um caráter baseado nas influências nativa e africana, seria
impensável, pouco provável. Contudo, no decorrer do tempo, o domínio lusitano
se tornou insuficiente, talvez pela distância geográfica e pelos frágeis laços
políticos dos dois povos, os quais foram sempre baseados na imposição de
comportamentos pela matriz, que embora não exclusivos, foram determinantes na
formação das elites brasileiras.
As influências
francesas e inglesas também não foram suficientemente fortes e eficazes para
causar determinações na formação do caráter das nossas elites, talvez não tenham
sequer alcançado a mesma dimensão da influência lusitana.
Os holandeses, pela
pouca permanência no Brasil, muito pouco influenciaram a formação dessas elites.
As poucas marcas de sua cultura se restringem à região Nordeste, sobretudo ao
Pernambuco.
Dos franceses,
incorporamos valores políticos e jurídicos importantes, verificados, inclusive,
na elaboração e na definição dos nossos textos jurídicos e constitucionais.
Da nação saxônica, herdamos
o embrião de nosso modelo industrial e comercial, sentido, sobretudo, na
construção de ferrovias e na exportação de máquinas e equipamentos para o
Brasil. Do ponto de vista político, a influência foi de pequena monta,
restringindo-se à formação do pensamento do sistema de propriedade brasileiro.
Nem tão próximo dos
Estados Unidos da América quanto o México, mas perto o suficientemente para
sofrer os dissabores de seu poder, ao Brasil restou se submeter à redefinição
de seu modelo socioeconômico, assim como capitular-se diante de interesses. Em quase
um século de subordinação, nos sujeitamos de tal maneira àquela nação, cujas
circunstâncias forjaram uma corrente de pensamento pela qual nosso
desenvolvimento e o de outros países em semelhante estágio só seriam possíveis
numa relação profunda de dependência. Verdade que foi reconhecida e defendida
até por um certo presidente da república brasileira.
Sobre o alcance das
influências dos ianques na formação das elites brasileiras, ainda precisamos de
elementos teóricos que sustentem pontos de vista mais rigorosos e aceitáveis. Contudo,
é impossível negar o servilismo com que a sociedade brasileira se entregou aos
americanos, sobretudo os endinheirados e boa parte da classe média. Servilismo
que na maioria das vezes leva à violação de nossa soberania pela aceitação pura
de gestos canhestros de sujeição e tudo que tem sido observado em nossas
relações com aquela nação do norte.
Entre tantos exemplos,
citamos o processo de profunda desfiguração porque passa a língua Portuguesa do
Brasil. Hoje, o simples ato de andar pelo comércio, conversar, assistir
televisão ou pedir uma comida exige que tenhamos tradutor em mãos. Isto para
não falar dos absurdos linguísticos, que para ser “chique”, os “macaqueadores”
cometem.
Em resumo podemos
afirmar que a pluralidade de influências e de inculcações de valores de vários
povos e em graus variados, foram determinantes na formação do que é e como pensam
nossas elites e, de maneira geral, nossa direita conservadora.
A elite brasileira é
marcada por um nível de ressentimento e de mágoa contra o Brasil e contra o seu
povo, que só pode ser o resultado da formação histórica sob a qual foi forjada.
Só esta formação pode explicar a existência de classes sociais tão bolorentas,
atrasadas e caducas, as quais expressam, despudoradamente, sentimentos de ódio
e de desprezo para com os que lhes são diferentes. Só o fenômeno da construção
sociocultural, política e econômica de nosso povo pode justificar a arrogância
e pusilanimidade da direita brasileira. A matriz formadora dessa direita, que
aprendeu a aviltar e a odiar a outra parte do povo é, sem nenhuma dúvida, nossa
elite, cujo padrão de conduta se marca pela vocação entreguista, pelo
sentimento antidemocrático e antinacionalista e pela natureza golpista.
Para reforçar este
ponto de vista, embora que dito em outro conceito, o de classe média,
acrescentamos o que ensina Marilena Chauí: “A classe média é uma abominação
política, porque é fascista; é uma abominação ética porque é violenta; e é uma
abominação cognitiva porque é ignorante.”
Atentem.
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