4
ministros do TST receberam pagamentos do Bradesco para proferir palestras, mas
não se declaram impedidos de julgar processos que têm o banco como parte.
Jacques
Távora Alfonsin / www.cartamaior.com.br
Já
entrou para a história do direito, com influência direta no imaginário cultural
do povo, a associação da autoridade judicial com o gesto de alguém bater o
martelo, um símbolo não despido de violência, para se considerar como decidido
um determinado conflito submetido ao seu julgamento.
A
arte, especialmente a do teatro, do cinema e das novelas, explora muito
julgamentos dramáticos, antecedidos e sucedidos por dúvidas sobre se houve ou
não justiça em cada martelada, as vezes deixando espectadoras/es ansiosamente
inseguros e com juízos próprios sobre se, afinal, a inocência foi reconhecida
ou a culpa premiada. O “Mercador de
Veneza”, de william Shakespeare, é um dos melhores exemplos dessa arte.
Num
processo judicial não fictício, onde está em causa a cobrança de uma
determinada dívida não paga, por exemplo, como acontecia no Mercador de Veneza,
um leiloeiro, nomeado por um/a juiz/a, também usa um martelo para, depois de um
pregão onde são analisados os melhores valores a serem pagos por bens
penhorados de algum/a devedor/a inadimplente, ser escolhido o de lance maior,
durante um leilão convocado publicamente para isso. Aí o bater do martelo serve
de sinal, também, para todas/os conhecerem o resultado final desse ato.
Garante-se
dessa forma a entrega desses bens a quem se habilitou à arrematação deles e
ofereceu o melhor lanço, para o produto em dinheiro, recebido no leilão, passar
depois às mãos do/a credor/a, com direito ao pagamento da dívida não quitada
pelo/a devedor/a, em tempo fixado para isso.
A
diferença de finalidades entre esses dois martelos é evidente. Uma sentença
jamais pode ser arrematada, como se pudesse ser posta em leilão, oferecida à
oferta de pagamento do seu preço em dinheiro, às pessoas participantes de um
processo, para ela decidir em favor de quem pague mais à/ao juiz/a signatária/o
do julgamento, haja ou não prejuízo do direito ameaçado, violado ou até já
perdido, exigindo reparação no processo em que vai exercer a sua autoridade.
A
lei prevê uma hipótese dessas como crime.
Uma
notícia da Folha de São Paulo de 6 deste setembro coloca seriamente em dúvida a
diferença entre esses dois martelos:
Quatro
ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) receberam pagamentos do
Bradesco para proferir palestras no banco desde 2013, mas não se declaram
impedidos de julgar processos que têm o banco como parte. O mais frequente é o
atual corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro João Batista Brito
Pereira, que, em dois anos e meio, recebeu R$ 161,8 mil do banco por uma
sequência de 12 palestras.
Inquirido
a respeito, pelo mesmo jornal, o referido juiz não negou ter sido pago pelas
tais palestras, mas explicou sua atitude com a seguinte resposta, conforme a
mesma notícia:
As
palestras não retiram minha isenção [...] Foram de temas genéricos e não
ensejaram discussão sobre caso específico", disse João Batista Brito
Pereira. A remuneração, afirmou, foi definida pelo banco sem sua interferência.
As/os
nossas/os leitoras/es conseguem atribuir completa isenção de consciência e
imparcialidade num/a juiz/a que aceita ser pago por um Banco, para fazer
palestras, se esse Banco for parte num processo sob seu julgamento? Essa é uma
pergunta que, diante da resposta oferecida pelo juiz, qualquer brasileira/o tem
o direito de, não só fazer, como também de, a seguir, julgar, e julgar
moralmente.
O
Poder Judiciário brasileiro já foi considerado exemplo de honestidade,
idoneidade e amor à justiça. Essa honrosa e bela imagem vem se deteriorando
progressivamente de uns anos para cá. Não só no Poder Legislativo e no
Executivo, não só na direção das grandes empresas privadas anda se
flexibilizando uma concepção de ética, incompatível com as responsabilidades
próprias de quem exerce poderes capazes de ameaçar ou até ferir gravemente
direitos alheios.
O
Estadão do dia 9, logo depois da Folha, colocou a questão nos seus devidos
termos. Nem todo o ato considerado legal por um/a juiz/a, especialmente aquele
relativo ao exercício da sua autoridade, é, também, ético.
Daqui
a pouco não vai faltar até deboche do povo para acentuar e ridicularizar essa
moral corrente e muita injusta com a maioria dos/as juízes honestas/os do
Brasil, como aqueles/as que renunciaram ao auxílio moradia: “Compre uma
palestra de juiz/a e leve de brinde uma sentença a seu favor”.
Créditos
da foto: succo / pixabay
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12