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Enquanto os golpistas distraem o Brasil com privataria, desmonte de programas sociais e direitos trabalhistas, um outro golpe, ainda mais danoso, está em curso: o golpe contra a capacidade do Estado brasileiro de investir, ou seja, um golpe contra o BNDES. É o golpe dentro do golpe.
Para denunciar essa ameaça ainda maior ao desenvolvimento do Brasil hoje e amanhã, o Blog foi buscar apoio de um acadêmico brilhante, João Ricardo Dornelles, professor da PUC-Rio; coordenador-geral do núcleo de direitos humanos da PUC-Rio; ex-membro da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro.
Juntos, eu e João Ricardo oferecemos ao leitor, abaixo, informações preocupantes sobre essa verdadeira emasculação do Estado da qual o Brasil tem que tomar ciência antes que seja tarde, pois a reconstrução do que estão destruindo iria demorar mais tempo do que este escriba deve ter de vida.
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O BNDES sob a doutrina do fazer menos
João Ricardo W. Dornelles
Eduardo Guimarães
Ao anunciar a suspensão de operações e a revisão da política de apoio às exportações, o BNDES mostrou a empresários e trabalhadores que o novo governo não pretendia apoiar as exportações brasileiras de serviços de engenharia e construção. Agora, a alardeada retomada de operações, em meio a crescentes críticas à letargia do Banco, não esconde o fato de que a atual administração do BNDES demonstra querer distância dos exportadores de serviços de engenharia.
O financiamento público à exportação é ferramenta usada mundialmente para transformar moeda nacional em divisas. Divisas são necessárias para o crescimento, pois permitem importar bens e serviços necessários para o desenvolvimento. Difamado por órgãos de imprensa e oportunistas de ocasião, o apoio a exportações de alto valor nos últimos 25 anos, em vez dos prejuízos alegados, gerou ganhos substanciais na forma de renda, empregos de qualidade, divisas e lucros e impostos revertidos para o erário.
Somente entre 2007 e 2014, essas exportações geraram encomendas para mais 3700 fornecedores consorciados ou subcontratados em todo país, incluindo quase 2800 empresas médias ou pequenas que de outro modo jamais teriam acesso ao mercado estrangeiro. A expansão das exportações de bens e serviços de engenharia brasileiros para a América Latina e a África foi notável e contou com apoio do BNDES, garantindo competitividade a fornecedores nacionais.
Na África, a presença de governos demonstra a solidez do compromisso das empresas que se instalam, sinalizando interesse estrutural e não apenas uma ação comercial ocasional. Por isso, o BNDES abriu escritório em Joanesburgo, para apoiar empresas brasileiras num continente com desafios semelhantes àqueles enfrentados no Brasil.
Na fronteira das captações de recursos no mercado de capitais internacional, o BNDES abriu subsidiária em Londres após criterioso estudo, como posto avançado para iniciativas financeiras e de intercâmbio técnico com contrapartes estrangeiras para viabilizar novas operações financeiras e captações de menor custo.
Rapidamente, a nova administração do BNDES decidiu fechar a subsidiária em Londres e os escritórios em Montevidéu e Joanesburgo.
Essas decisões desconstroem o mito de que economistas neoliberais teriam visão ampla das relações internacionais. Na verdade, seguem roteiro simplório: aumentar o espaço para o capital estrangeiro e privatizar tudo que for do interesse deste capital, uma forma rudimentar de lidar com a economia crescentemente integrada, que demanda atuação dos Estados em cooperação técnica e na montagem de soluções financeiras complexas para o financiamento da infraestrutura, do comércio internacional e da inovação tecnológica. As principais instituições públicas que financiam o desenvolvimento têm presença internacional, pela necessidade de aprimoramento constante dos instrumentos que garantem oportunidades para as empresas de seus países.
É simplesmente falso argumentar que o Estado é incapaz de promover o desenvolvimento num momento da história que evidenciou que decisões políticas produzem crescimento com redistribuição de renda. Também é um desafio convencer que o BNDES não é mais capaz de financiar o desenvolvimento mesmo tendo capacidade técnica e recursos para apoiar projetos que gerem emprego, enquanto antecipa 100 bilhões ao Tesouro sob aplausos do lobby financeiro que trabalha para desvincular o FAT das políticas de geração de emprego.
Usualmente, apela-se à suspeição, e o udenismo despeja leviandades contra o BNDES, ignorando que o Banco tem regras rígidas de crédito, é supervisionado, compete com agências estrangeiras e é reconhecido internacionalmente como exemplo de análise técnica, tendo inadimplência sempre abaixo da média do SFN.
Colaboram economistas ortodoxos para quem crises econômicas sempre têm origem fiscal. Alegam que a atividade recente do Banco teria gerado uma dívida pública excessivamente elevada. Os fatos contradizem esta interpretação. A dívida pública brasileira, seja qual for o conceito adotado, está longe de ser excessiva. Ademais da incompreensível confusão que muitos economistas fazem entre moeda nacional e estrangeira, a crítica ao endividamento é exótica, já que o país apresenta números que o fazem parecer exemplo de administração “saudável” entre as principais economias do planeta.
Soa cínico defender encolhimento do BNDES e desconsiderar que suas operações anticíclicas com o Tesouro deram contribuição menor para a dívida pública do que leilões de swaps cambiais do BC, em que se oferta proteção contra perdas pela variação cambial. É bem-vinda a crítica sobre políticas, mas cabe reconhecer que enquanto aquelas adotadas pelo BNDES visaram manter o investimento e preservar empregos, outra de maior impacto sobre a dívida nem mirava a sustentação do investimento produtivo.
O fato é que a combinação adotada pelo governo deposto, de expandir créditos ao investimento mas voluntariamente frear investimentos públicos, gerou sinais contraditórios para o investimento produtivo. O erro de frear o gasto público levou bancos a financiarem capacidade para uma demanda esperada que gradativamente foi sendo frustrada, em diversos setores.
Afora interesses inconfessáveis, encolher o BNDES quando é urgente recuperar o investimento tem fundamento num liberalismo criacionista, que ignora a realidade e a ciência econômica e acredita que o melhor para as empresas não é apenas que o Estado não as atrapalhe, mas que também não as ajude, seja no mercado nacional, seja no internacional. E isso num momento em que políticas neoliberais sofrem duras críticas no mundo, tanto à esquerda quanto à direita.
Enquanto isso, países se dotam de mais mecanismos públicos de promoção das exportações. Um exemplo é a Coreia do Sul, país que mantém rede oficial de apoio a negócios no exterior e via Korea-Exim, KOTRA e K-sure oferece crescente gama de produtos financeiros que dão atratividade econômica para bens e serviços sul-coreanos, e que, aqui, levariam a uma síncope ideólogos de direita. O país é caso de sucesso da política de formação de conglomerados que deram potência empresarial, financeira e tecnológica para que grupos nacionais (Chaebol) se tornassem competidores globais. Nos anos 90, sob o signo da Segyehwa, de Kim Young-sam, a internacionalização sul-coreana se consolidou. Superando crises e lidando de modo inteligente com escândalos de corrupção envolvendo empresas, tornou-se país de renda média com projeção global.
A publicidade oficial atacando as operações feitas pelo BNDES e estimulando uma caça às bruxas em prejuízo da economia brasileira revela que o governo trabalha para tornar o país uma espécie de Coreia do Norte de direita, arcaica em suas ferramentas de relacionamento internacional e um paraíso na terra para um pedaço da burocracia e para quem enriquece às custas da dívida pública sem produzir e sem gerar emprego.
A postura adotada pela atual presidente do BNDES é reveladora. Como uma comissária de bordo, representando o comandante e sua tripulação, avisa aos passageiros que é necessário apertar os cintos, pois o voo tomará cursos temerários. Serve um cardápio dos anos 90: medidas de aperto fiscal para a maioria e bonança de juros para poucos, câmbio em valorização, redução do investimento público, arrocho salarial, desmonte de serviços públicos, privatizações e redução de políticas de crescimento e inclusão social.
Enquanto diz ter a missão de dar credibilidade ao Banco, tentando parecer uma Thatcher do Largo da Carioca, ávida por encontrar alguma calamidade, restringe e encarece financiamentos durante a mais grave recessão da história brasileira.
A classe econômica está atordoada. A rota agora leva a um país com mobilidade social descendente. Os passageiros da classe executiva se perguntam se foi mesmo isso o contratado quando escolheram este voo, pois a decisão de reduzir a participação do banco público em projetos de infraestrutura e na indústria rasga compromissos sinalizados aos investidores e demanda deles uma maior participação nos riscos em setores estratégicos assolados por insegurança jurídica. Da primeira classe, é possível ouvir brindes e gargalhadas de satisfação com a nova rota.
Para somar credibilidade à instituição, caberia defendê-la no debate público soterrado pela desinformação, mostrando a correção da atuação de seu corpo funcional, e enfrentando que numa economia em que a taxa livre de risco, fixada pelo BC, desconsidera a economia real, a atuação de bancos públicos estará sujeita à armadilha de parecer ser subsidiadora e expulsar financiadores privados, pois a eles não é lucrativo financiar o desenvolvimento.
Culpar os bancos públicos pelos empresários buscarem recursos mais baratos, já que aos bancos privados não vale a pena correr riscos se o BC os irriga com os juros reais mais altos do planeta, é como culpar o oásis pela existência do deserto.
Porém, a Diretoria corroborou a iniciativa do governo de ir aos jornais difamar o Banco, alimentando suspeições que sirvam para criminalizar a atuação do BNDES. Ao misturá-la com ilícitos cometidos por terceiros, alimentou nova onda de inverdades produzidas em redações e gabinetes, que debilitam o debate público, interditando um projeto nacional que atenda a maioria da população.
Em triste demonstração de não entender a importância do BNDES, faz perorações em redações, como a buscar porta-vozes da verdadeira chefia de Estado. Em lugar de ouvir a opinião pública de empresários e trabalhadores empregados e desempregados, prefere publicadores de opinião e seus interesses reprovados nas urnas, medindo seu sucesso pelo número de elogios que recolhe dos colunistas de estimação.
Nesse cenário, redes sociais vociferam que a insuficiência de infraestrutura no Brasil seria culpa de exportações para obras no exterior. Sem essas operações, modestas em comparação ao desembolsado pelo BNDES para a infraestrutura no país, a situação da infraestrutura nacional seria pior, já que mesmo projetos simples demandam inovação tecnológica e importações relevantes de bens e serviços.
Nas operações do BNDES, não houve doação. Houve empréstimos internacionais remunerados a juros compatíveis com o risco, beneficiando empresas e trabalhadores brasileiros, remunerando recursos públicos e trazendo bilhões de dólares ao país – entre 2003 e 2014, as exportações desse setor ultrapassaram os US$ 55 bilhões, com seu valor anual mais do que quadruplicando. Não exportar para projetos de infraestrutura no exterior por haver déficit de infraestrutura no país é como um marceneiro pedir demissão de um excelente emprego por precisar de móveis novos em casa.
A comunidade internacional observa espantada como o Brasil decidiu deixar sua engenharia à própria sorte. Empresas precisam de apoios públicos eficazes. Como disse Jürgen Hambrecht, presidente da Basf, “A indústria alemã precisa de um banco alemão que nos acompanhe mundo afora”. Ou como escreveu o colunista Jonathan Bell ao presidente Trump, alertando que os exportadores americanos só competirão no mercado mundial se o US-Exim tiver orçamento e autorização para apoiar os produtores americanos “com ferramentas e produtos que sejam os mais eficazes”.
No reino das oportunidades perdidas, da terra arrasada, da destruição das heranças que se quer amaldiçoar, esta administração não será capaz de entender essas afirmações, sofisticadas demais para quem acha que bancos públicos servem apenas para cobrir falhas de mercado e financiar privatizações.
Para quem logo na entrada anunciou que desalojaria o Centro Celso Furtado, o futuro pode ser projetado pela lente dos anos 90. Se a história se repetir, depois de produzir estragos na capacidade estatal de alavancar o desenvolvimento, a senhora dirigente e sua equipe terão pilotado condenáveis privatizações do patrimônio do povo brasileiro.
Após poucos meses de nova administração do BNDES, já é possível concluir que impera a doutrina do fazer menos. O plano é reduzir a capacidade do BNDES financiar o desenvolvimento.
Essa decisão menospreza o fato de que interromper o desenvolvimento impõe grave fardo econômico e civilizatório às gerações futuras. Como escreveu Furtado, “A experiência da América Latina serviu para mostrar de forma cabal que o desenvolvimento é menos um problema de investimentos que de criação de um sistema econômico articulado e capacitado para autodirigir-se”. Vê-se que Furtado não ficaria confortável em dividir o mesmo teto com a atual administração do país e do BNDES.
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