“Aparecida Queiroz”
“Não é preciso grande esforço para observar que a
Educação, em geral, e a Escola, em particular, não avançaram , não evoluíram
tanto em comparação a outras áreas da atividade humana.
Assim considerado e pouco
modificado, o conservador cotidiano da escola ainda é o mesmo que há anos: a
lousa, o giz, o professor falando (digamos, hoje, “tentando” falar), o aluno
escutando, as classes, em dia de prova, divididas em turmas A e B, as notas, a
caderneta, etc.
Inserida neste monótono processo, a
prova é, sem dúvida, um dos exemplos que temos. Ainda insistentemente vista
como cobrança, ela passa a ser ocasião em que o professor, exercendo o papel de
“dono” de determinado conteúdo dado, vai simplesmente verificar o quê o aluno
aprendeu. Tal processo corre assim: o professor, dono da matéria (até existe a
expressão “dono da cadeira”, lembra-se?) dá o conteúdo durante o mês... o aluno
recebe... e na hora da prova o “devolve” ao professor. Pronto, ponto final! Um fragmentado
momento, sempre isolado e, principalmente, indicador do final de um processo.
A prova é o centro da vida na
comunidade escolar, espécie de vedete acadêmica, ao redor da qual gira um
arsenal de preparativos, pessoas e coisas. É um ritual que afeta departamento
de impressão, xerox ou mimeógrafo, pais, professores, bedéis, professores
particulares, funcionários e, por fim, os alunos. É um momento repleto de
expectativas, que modifica o cotidiano da escola, impondo-lhe um ritmo
diferente e alterando até o espaço da sala de aula.
Elaboradas sob o obsessivo estilo de
perguntas e respostas, elas assemelham-se a longos e aborrecidos questionários,
exigindo sempre respostas que evidenciem a simplista ação da memorização de
fatos, idéias, datas ou fórmulas. Há muitos livros, inclusive, que no final dos
capítulos, apresentam tais questionários. Já que muitas perguntas destas são
sempre nelas reprisadas, os alunos ficam restritos unicamente à decoração de
tais respostas.
Estudar, para muitos alunos,
significa responder e decorar respostas destes questionários.
Entre muitas outras, essa pode ser
uma das causas profundas que explicam por que a maioria de alunos costuma
colar. Assim, há alunos que vão para as provas sabedores das perguntas que
poderão cair e, não encontrando as respostas na memória, vão procurá-las, com
certeza, num papelzinho, na própria coxa, no braço, na prova do colega da
frente. Da memória ou da cola, o único trabalho exigido é a transcrição.
A prova passa a ser, então, o centro
da vida do estudante.
Só
se estuda se tiver prova.
Só
se estuda para a prova.
Só
se estuda se cair na prova.
Só
se estuda o que cair na prova.
Aluno do tipo “overnight”, ele
estuda só quando tem prova, nas vésperas, toda a matéria, decorando-a. Há
muitas escolas que, seguindo por esta trilha, acumulam todas em uma única
semana. Pronto! Acostumados e se acostumando a estudar com pressão, os alunos
passam a fazê-lo só nesta semana. Neste esquema só se “estuda” uma única semana
por bimestre...
Exemplo disto é o que sugere aquela
tão comum expressão dita pelos alunos, entre o alívio e a fadiga: - acabaram-se
as provas, já não tenho nada o que estudar!
Em nada estimuladora, não criando a
disciplina e a organização intelectual ou acadêmica, este tipo de avaliação
subsiste em clima de pressões, de ameaças. Na verdade, sem saber como estimular
o estudar, o professor confia e espera que os alunos o façam pelo menos nas
vésperas. Sendo assim, passam a viver a vida escolar em função da prova. Uma
verdadeira obsessão!
A prova é, sem dúvida, mas
infelizmente, o único recurso que a escola tem para estimular (digamos,
obrigar) os alunos a estudar.
Imagine se reunirmos uma dezena de
professores e alunos, e a eles fizermos esta proposição: “Durante 4 meses, não
haverá provas nesta classe!”. A resposta, sem dúvida, seria a perplexidade e o
embaraço.
Denunciando toda a dimensão
compulsiva existente nesta relação, observamos que professores não saberiam
trabalhar sem aplicar provas. E os alunos sem as fazerem. Para aqueles o verbo
avaliar, de conotação espaçosa e extensa, fica reduzido a “dar provas”. Para
estes, o verbo estudar, de conotação ampla e majestosa, reduz-se a “decorar
para as provas”.
Como a prova, a nota passa também a
ser meta obsessiva de professores e alunos, símbolo concreto que traduz
possível estudo ou esforço. Na escola, na casa, deseja-se saber se as notas
vieram azuis ou vermelhas, privilegiando-se, desta forma, o resultado final em
detrimento ao processo para alcançá-lo. – “Isto é para nota?”, costumam
perguntar os alunos. E como ficam bravos quando vêem que o que fizeram não
contou pontos par a média final!
Outro fato importante é verificarmos
como muitos alunos realmente ficam agressivos quando se dão conta de que os
estudado não caiu na prova. Parece-lhes perda de tempo e de esforço.
“...Estudei tanto, para nada! Não caiu nada do que eu estudei... que perda de
tempo...”, costumam dizer eles entre tristes e decepcionados.
Este processo de valorização de
notas é tão verdadeiro, que também vale para alunos com dificuldades de
aprendizagem. Em muitos casos, vê-se alunos reprovados só porque não atingiram
as notas prescritas pelo regimento interno, embora professores e orientadores
testemunhem esforços e empenhos reais. No que se refere a alunos com problemas
de aprendizagem, caberia outro capítulo, à parte, neste trabalho. Vale dizer,
por ora, que a escola, na grande maioria destes casos, oscila, hesita,
evidenciando a falta de recursos para uma avaliação mais científica.
Nota e prova, prova e nota.
Tal binômio, emergindo como
expressões de avaliação, é descrito em muitos regimentos internos de escolas
com severa obrigatoriedade. Assim sendo, há que se efetuar uma avaliação por
escrito para ser guardada muito mais como documento oficial do que elemento de
registro, observação e estudo cumulativo do crescimento do aluno durante sua
vida acadêmica.
Diante de possíveis razões que
justificariam tais desvios, uma delas é triste: em meio à tempestade da
sobrevalorização do Ter e da
subvalorização do Ser, uma parte da sociedade provoca a desvalorização da
cultura e das ciências, desprestigiando econômica e socialmente o estudo, a
escola e o professor. Por esta ribanceira, infelizmente, descemos todos.
Então, assim desconsiderada, a prova
passa a ser vista também como “prova material”; elemento testemunhal para
professores e direção poderem “defender-se” de possíveis inquirições de pais.
Não custa recordar, em
contrapartida, que houve época em que a PALAVRA do mestre era tão valorizada,
que uma expressão latina denunciava, até, um caráter certamente dogmático:
“Magister dixit!” (O Mestre disse!). Lembremo-nos igualmente de que, nesta
mesma época, havia exames orais e o professor dava nota simplesmente pelo que
acabara de ouvir!
Sem saber se causa ou conseqüência
deste fenômeno descrito acima, vale aprofundarmos um pouco esta reflexão,
citando apenas o fato de que, naquela sociedade, a PALAVRA esvaziou-se de
significado. Enfraqueceu-se quanto a sentido e valor. Sem saudosismo, lembramos
que vi longe o tempo em que expressões tais como “Palavra de Honra e Palavra de
Homem” valiam muito mais do que a assinatura que o advento da burocracia chegou
a divinizar.
Cabe analisar, finalmente, que a
própria reprovação escolar se tornou, em alguns aspectos, comprometida em sua
validade. Muitos jovens, para não passarem pela
experiência da reprovação, procuram ostensivamente escolas mais
“fracas”. Aí, as provas ainda são feitas só em forma de teste objetivo e os
alunos vêem literalmente perdida nas perguntas, a mesma matéria dada em classe,
dias antes. “Ipsis litteris”! Além disto, em tais escolas, as oportunidades
para a aprovação são tantas que, conta com picardia a piada, “quem conseguir
ser reprovado, ganha um Volkswagen!”.
Já dissemos que em outras escolas as
provas são apresentadas como longos questionários, baseados só em perguntas e
respostas, em papel sulfite, mimeografadas ou xerocopiadas.
As perguntas, pequenas e curtas, são
acompanhadas de cinco a sete linhas batidas logo abaixo, no repique da máquina
de escrever. Este conjunto de linhas, estreito, apertado, não atravessa a
página de ponta a ponta, diminuindo sensivelmente a área de escrita. Seguindo o
estilo gráfico sugerido, provavelmente a resposta também será escrita, apertada
e curta.
Reduz-se a possibilidade de
escrever.
Diminui-se a possibilidade da
criatividade.
Instala-se a verdadeira camisa de
força para o pensamento ou, como diria o saudável Machado de Assis, “rédeas
curtas para a pena!”.
Em algumas escolas, os professores
têm o dever de entregar as provas com 15 a 20 dias de antecedência ao departamento de
impressão. Desconsidera-se, por exemplo, se naquele mês, por alguma
circunstância, ele se atrasou ou se adiantou a matéria correspondente.
Vê-se que as provas não emergem naturalmente da seqüência
dinâmica da matéria vista nas aulas e/ou como conseqüência de um compromisso
interpessoal entre a classe e o professor. Pelo contrário, é o calendário,
rígido e pré-fixado, que obriga e determina a sua execução. Decorrente disto,
vem o fato de, muitas vezes, os professores serem obrigados a interromper a
seqüência da matéria, em função da “semana de provas”!
Tal semana, se de um lado resolve a
questão administrativo-funcional, fazendo convergir toda a “energia” da escola
para este evento, por outro pode comprometer uma proposta pedagógica preocupada
com a formação do pensamento e da personalidade do educando.
A pouco e pouco e assim concebida, a
prova passou a ser vivida como elemento disciplinador, traduzindo modelo social
conservador, autoritário e paternalista.
Cúmplices talvez, espectadores
certamente, todos nós participamos das contradições sobreditas. Agora, a nossa
proposta é repensá-las, buscando possíveis superações.”
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