quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Governo britânico tenta lavar as mãos no caso do brasileiro detido

O gabinete do primeiro ministro David Cameron (foto) tentou lavar as mãos no caso da detenção do brasileiro David Miranda durante nove horas no aeroporto de Heathrow, sob a lei antiterrorista de 2000. Fontes de 10 Downing Street (a sede do governo britânico), citadas pela imprensa britânica, confirmaram que o governo estava ciente da detenção, mas negaram que a ordem tenha partido do gabinete. Por Marcelo Justo, de Londres



Londres - Com o clássico “no comment” o gabinete do primeiro ministro David Cameron tentou lavar as mãos no caso da detenção do brasileiro David Miranda durante nove horas no aeroporto de Heathrow, sob a lei antiterrorista de 2000. O principal pecado de Miranda não é sua adesão a alguma misteriosa Jihad islâmica carioca, mas sim ser companheiro de Glenn Greenwald, o jornalista do Guardian que revelou a informação de Edward Snowden sobre as atividades “não muito santas” da espionagem estadunidense e britânica. Fontes de 10 Downing Street (a sede do governo britânico), citadas pela imprensa britânica, confirmaram que o governo estava ciente da detenção, mas negaram que a ordem tenha partido do gabinete.

Consultada pela Carta Maior, a assessoria de imprensa da embaixada do Brasil em Londres reiterou a posição oficial do Itamaraty no domingo passado, na qual o governo brasileiro qualificou a detenção como “injustificável” e disse esperar que um fato desta natureza “não se repita”. Quanto á suposta conivência do governo britânico com a detenção, a embaixada assinalou que não faria mais comentários enquanto não houvesse novos desenvolvimentos sobre o tema.

Seja como for, o desmentido do governo britânico soou débil depois que o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, reconheceu em uma coletiva de imprensa que a polícia havia informado de antemão aos Estados Unidos que Miranda estava na lista de passageiros em trânsito em Londres no voo Berlim-Rio de Janeiro. “Nos informaram. Não foi algo que nós pedimos. A decisão de detê-lo foi da polícia britânica”, disse Earnest, como que também querendo lavar as mãos no caso.

A aplicação da lei antiterrorista a Miranda mostrou todas as arestas arbitrárias que geraram tanto debate no parlamento e na sociedade quando o então governo trabalhista propôs a medida em 2000. Segundo o próprio governo, a lei se aplica a uns três casos em cada dez mil passageiros que passam pelo Reino Unido e, em 97% dos casos, a detenção “dura menos de uma hora”. Miranda ficou detido nove horas, o máximo permitido pela lei, sem que houvesse suspeita alguma que se tratava de um terrorista.

Segundo as declarações que deu quando finalmente chegou ao Rio de Janeiro, os seis oficiais encarregados de interrogá-lo perguntaram sobre toda sua vida com contínuas ameaças para que revelasse as senhas de seus aparelhos eletrônicos. “Diziam-me que se eu não cooperasse terminaria na prisão. Trataram-me como se fosse um criminoso ou alguém que estava a ponto de atacar o Reino Unido”, assinalou. A polícia confiscou seu laptop, seu celular, vários jogos de vídeos, seus DVDs e suas memórias USB.

Em um comunicado, o Ministério do Interior britânico defendeu a ação policial. “O governo e a polícia têm a obrigação de proteger nosso povo e a segurança nacional. Se a polícia acredita que um indivíduo tem informação considerada roubada que pode ajudar o terrorismo, tem que agir sempre no marco previsto pela lei”, disse o comunicado.

O obscuro objeto da detenção de Miranda, seu companheiro, o jornalista Gleen Greenwald, equiparou a ação policial a um ataque deliberado e uma tentativa de intimidação contra a imprensa por revelar informação sobre o funcionamento dos serviços secretos dos Estados Unidos e do Reino Unido. “Isso não vai nos acovardar. Toda vez que os Estados Unidos e o Reino Unido revelam o que são – seja quando tentam impedir o voo do presidente da Bolívia ou quando ameaçam os jornalistas com processos – não fazem mais do que realçar porque é necessário freá-los e evitar que exerçam o poder que exercem nas sombras”, afirmou Greenwald.

Desde que começou a saga Edward Snowden, em junho, o pânicos de Estados Unidos e Reino Unido só tem aumentado. O papelão europeu com o avião presidencial de Evo Morales e a igualmente insólita detenção de Miranda são mostras disso. Em um artigo publicado nesta terça-feira no Guardian, o editor do jornal Alan Rusbridger revelou que há dois meses dois agentes do GCHQ, a unidade de espionagem eletrônica britânica, exigiram um material que Snowden havia passado ao jornal. “Há uns dois meses, alguns agentes que disseram agir em consonância com as ideias do primeiro ministro entraram em contato comigo. Nos dois encontros seguintes me pediram que lhes desse ou destruísse o material”, assinalou Rudsbridger.

A explicação oficial de que se trata de um tema “puramente policial” não convenceu nem aos deputados conservadores. Um ex-aspirante à liderança do Partido Conservador, o deputado David Davis disse que a ministra do Interior Theresa May, o chanceler William Hague e, “com toda segurança”, o primeiro ministro David Cameron deviam saber do ocorrido. “É totalmente improvável que a polícia tivesse realizado essa ação, notificado a Casa Branca e não tivesse dito nada ao governo. O governo tem que decidir o que está ocorrendo. Neste país temos liberdade de expressão e de movimento que são particularmente importantes quando se trata de jornalistas que revelam o que os governos estão fazendo em segredo”, disse Davis.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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