Teria o HSBC se considerado acima da lei? Os repetidos
desvios do HSBC demonstram que as regras e leis existentes necessitam de
reforço constante.
Anne Michel
- Le Monde / http://cartamaior.com.br/
Num dia de julho de 2013, a senadora por Massachussets Elizabeth
Warren, nova queridinha do Partido Democrata americano, mostrou indignação
dando um soco na mesa ao comentar a sanção então aplicada ao banco britânico
HSBC: “Quantos bilhões de dólares será preciso lavar, quantos embargos será
preciso violar para que se considere finalmente a possibilidade de fechar um
banco como esse?”, reagiu a senadora ao saber da simples multa de 1,9 bilhão de
dólares aplicada à filial americana do HSBC. O banco acabava de ser considerado
culpado num processo por lavagem de dinheiro de cartéis de drogas do México e
da Colômbia e de organizações com laços com o terrorismo.
O banco confessou tudo. Guichês haviam sido abertos para
lavar malas de notas de narcotraficantes. Em seguida, o dinheiro era
transferido em aviões e veículos blindados até os Estados Unidos. A troca durou
sete anos, entre 2003 e 2010, e era permitida ou, pelo menos, tolerada pelos
dirigentes. Assim como foram tolerados os laços de negócios com organizações
suspeitas de apoio ao terrorismo, como o banco saudita Al Rajhi, próximo à
Al-Qaeda.
O caso é muito grave. E foi resolvido com uma multa. Uma
sanção tão rapidamente paga quanto esquecida, mesmo que tenha sido seguida de
um período de avaliação de cinco anos, até 2018. Na comissão do Senado dedicada
ao escândalo, as palavras diretas de Elizabeth Warren deixaram o representante
do Tesouro americano, David Cohen, sem voz.
A impotência dos políticos
O caso HSBC não é apenas um símbolo dos desvios do mercado
financeiro. Ele revela a impotência dos políticos diante destes mastodontes
financeiros, que saem sempre ilesos dos piores escândalos, em nome de seu papel
central no financiamento da economia.
Com 270 mil empregados em mais de 80 países, o HSBC é um
pulmão da economia mundial. Quem ousaria comprometer seu futuro privando-o de
uma licença para exercer a atividade bancária? No entanto, as infrações
cometidas pelo gigante financeiro na América Central e do Sul estão longe de
serem fatos isolados. Da lavagem de dinheiro sujo aos casos de manipulação das
taxas de referência de transações financeiras (Libor, Euribor...), passando
pela venda de produtos financeiros tóxicos, já se perdeu a conta dos processos
legais nos quais o grupo está implicado ou citado.
Eis que, com este escândalo de sonegação, surge uma nova
série de acusações, que parece incriminar o HSBC em grande escala, agindo em
nome de fraudadores do fisco mas também, e o que talvez seja mais preocupante,
de grupos criminosos notórios, muitos já processados e condenados. Criminosos
ajudados pelo banco a esconder seu dinheiro nos mais opacos paraísos fiscais.
Como estes indivíduos conseguiram passar pelo filtro que
obriga os bancos de todo o mundo conhecer seus clientes e monitorar suas
contas? Como estas práticas podiam existir dentro de um grupo submetido a um
duplo monitoramento, interno e externo, de boa reputação até então – pelo menos
na Europa – no que diz respeito ao controle de lavagem de dinheiro?
Será preciso incriminar o banco? Sua cultura? Seu tamanho? A
regulação? Mesmo em um mundo em que os escândalos financeiros se multiplicam –
tendo explodido desde a crise de 2009, que revelou os “excessos” do mercado – o
caso HSBC impressiona. Primeiramente pela história singular desta instituição
criada em condições nefastas, na Hong Kong do fim da década de 1860. O Império
britânico acabava de ganhar a Guerra do Ópio, que durara 20 anos, contra a
China. Os ingleses obrigam os portos chineses a participar de seu lucrativo
tráfico de ópio. A ideia de criar um banco para financiar este comércio sai da
cabeça de um escocês especializado na importação desta droga produzida nas
Índias. Nasce aí o HKSC, o ancestral do HSBC.
Para Thomas Sutherland, o fundador do estabelecimento, foi o
bilhete premiado. Para o banco, o começo de uma odisseia financeira. Depois de
se emancipar da região do Pacífico asiático, nos anos 1970, impõe-se como um
dos maiores conglomerados financeiros mundiais, graças à compra de concorrentes
nos EUA e no Reino Unido. A sede do HSBC e transferida de Hong Kong para
Londres em 1993, antes da devolução da cidade-estado para a China.
Teria sido este gigantismo prejudicial ao controle? Em off,
alguns dos melhores reguladores do mundo dizem que sim. Citam o próprio perfil
do gigante sino-britânico, dotado do mais intercontinental dos bancos de gestão
de fortunas presente em todos os países. Inclusive aqueles de risco, por onde
circula dinheiro proveniente do crime, e onde a luta contra a lavagem constitui
o maior desafio, subestimado pelos órgãos reguladores locais, inclusive, até
recentemente, pelas autoridades de Hong Kong. Na prática, uma parte do business
do HSBC está no “risco”.
Muitos lembram as próprias condições em que ocorreu a
expansão do grupo. Um dos pontos cruciais do crescimento por aquisição é o
controle das empresas-alvo, a qualidade da sua carteira de clientes, a
probidade de seus dirigentes. Sobretudo se as leis e autoridades locais são frouxas.
As infrações do HSBC no México não viriam, em grande parte, desde as práticas
do Grupo Financiero Bital, adquirido em 2002? Nenhum controle específico contra
a lavagem foi posto em prática. Também é “pesada” a herança do banqueiro
bilionário Edmond Safra, brasileiro de origem libanesa, e de seu banco de
investimentos Republic New York Corporation, comprado em 1999 pelo HSBC. Foi
este estabelecimento de métodos pouco escrupulosos que trouxe a clientela de
comerciantes de diamantes e a cultura do offshore.
"Too big to manage"
“A grande escala induz a comportamentos perigosos”, aponta o
economista Gabriel Zucman, que dá aulas na London School of Economics. É o
famoso risco moral pelo qual todo banco “too big to fail” (grande demais para
falir) sabe que será protegido pelo Estado... Até começar a se considerar “too
big to jail” (grande demais para ser condenado). “Invulnerável”, resume Zucman.
A história recente mostra que os banqueiros parecem contar a certeza da
impunidade.
“Alguns bancos se tornaram tão grandes que a gerência não
consegue mais gerenciá-lo, é o ‘too big to manage’”, acrescenta Thierry
Philipponat, membro do colegiado da Autoridade dos mercados financeiros da
França (equivalente à CVM no Brasil, N. da T.). “Em um grupo de 300 mil empregados,
4% a 5% de pessoas desonestas bastam para causar grandes transtornos”.
Teria o HSBC se considerado acima da lei? Sua identidade
complexa, quase apátrida, dividido entre a Ásia, onde nasceu, e a Europa, pode
ter dado aos dirigentes a impressão de se perder entre os sistemas
regulatórios. E até de poder circular livremente entre as leis. Afinal, não foi
o mesmo HSBC que, no ano passado, logo após a votação da diretriz europeia que
limitava os bônus dos bancos, revelou impassível seu método para contornar a
recém-votada diretriz?
No fim das contas, os repetidos desvios do HSBC demonstram
que as regras e leis existentes necessitam de reforço constante. Como o banco é
controlado a partir de Londres, a implementação da 4ª diretriz anti-lavagem de
dinheiro, em 2016, irá contribuir a preencher as lacunas da regulação. Esta
diretriz pretende melhorar a cooperação entre os países e irá obrigar aos
bancos pesquisar a identidade dos reais beneficiários de empresas fantasmas.
Mais um passo em direção à transparência.
Melhor ainda, a instalação de um sistema mundial de troca
automática dos dados fiscais dos contribuintes, em negociações no G-20, deve
representar um freio à sonegação. Este sistema é previsto para entrar em vigor
entre 2017 e 2019.
Finalmente, será preciso difundir a cultura da regulação.
Peter Hahn aponta este como seu principal desafio enquanto professor na
renomada Cass Business School de Londres: “O fascínio pelo dinheiro e o
imediatismo são os traços do mercado desde os anos 1990. Se quisermos transformar
as instituições, será preciso formar melhor as próximas gerações”, aponta este
ex-conselheiro do Banco da Inglaterra. “Minha prioridade é preparar os
estudantes para os conflitos de interesse e éticos com que serão confrontados”.
Tradução de Clarisse Meireles
Créditos da foto: Noodlect / Flickr
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