O argumento da vertente entreguista do Banco Central é
grotesco: a transferência de recursos não altera a posição fiscal brasileira.
J. Carlos de Assis* - http://cartamaior.com.br/
Em mais uma ação de cabal subordinação à finança
anglo-americana, o Banco Central do Brasil está dificultando, com evidente
intenção de sabotar a capitalização da parte brasileira no Banco dos BRICS sob
o pretexto imbecil de proteger as reservas internacionais. O Banco dos BRICS é,
de longe, o principal legado do primeiro mandato de Dilma no plano
internacional. Deverá ser o grande instrumento de financiamento da
infraestrutura no bloco, independente da interferência, das taxas de juros e
das condicionalidades norte-americanas e europeias.
O argumento da vertente entreguista do Banco Central é
grotesco, já que a transferência de recursos das reservas para a capitalização
do banco não altera a posição fiscal brasileira. Afinal, é muito mais
interessante ter dinheiro rendendo juros no banco do que rendendo os pífios
juros dos títulos públicos dos Estados Unidos, nos quais as reservas são
aplicadas. No Banco dos BRICS o dinheiro vai gerar investimentos reais, e não
apenas um fluxograma de recursos totalmente desvinculado da economia real.
Já é tempo de nacionalizarmos o Banco Central do Brasil. É
curioso que ele tenha sido criado pelos militares, num primeiro momento sem
oposição americana, como um banco desenvolvimentista, grande financiador da
agricultura brasileira. Foi nossa titubeante democracia, no Governo Sarney, e
pelas mãos de economistas ditos progressistas, que o Banco Central virou-se
para o lado da ortodoxia anglo-americana, tornando-se, pela política monetária,
um dos principais obstáculos ao nosso desenvolvimento econômico.
Outra curiosidade é que não foram os americanos, mas os
ingleses e franceses, que espalharam pelo mundo a concepção de bancos centrais
ortodoxos. Descrevi isso na minha tese de doutorado na Coppe, convertida em
livro, “Moeda, Soberania e Trabalho”, ed. Europa. O que então se entendia como
ortodoxia monetária era uma extensão direta do colonialismo, via os chamados
currency boards (total vinculação da moeda local à moeda da matriz, com toda a
receita de senhoriagem apropriada por ela). A total conversão à ortodoxia se
deu via influência posterior dos Estados Unidos no FMI, revelando outra
tremenda contradição: os americanos exigem que todo mundo tenha banco central
ortodoxo, mas eles próprios tem um banco desenvolvimentista, organizado de
forma tão cínica que é capaz de despejar trilhões de dólares em moeda
fiduciária no mundo sem qualquer tipo de controle.
O Banco dos BRICS, que o Banco Central tenta boicotar, será
a primeira fissura na arquitetura financeira internacional erigida pelos
anglo-americanos no pós-guerra. Será um banco ligado à produção, à economia
real. Não essa fábrica de papel sórdida operada nos EUA e agora também no BCE,
oferecendo a seus nacionais dinheiro de graça para que adquiram patrimônios
reais mundo afora, praticamente sem custos. Com a próxima vinda ao Brasil do
Primeiro Ministro chinês, a Presidenta Dilma poderia aproveitar a oportunidade
para dar uma ordem seca ao Banco Central para deixar de criar obstáculos para o
Banco dos BRICS e disponibilizar imediatamente as reservas a fim de que isso
seja feito.
Será que, nesse contexto, podemos ter um banco central
desenvolvimentista? A condição para isso é imitar a China e outros países
asiáticos: construir um grande colchão de reservas internacionais para evitar
ou derrotar eventuais corridas contra o real em situação de déficit em conta
corrente. O Banco dos BRICS poderá ajudar decisivamente nesse programa junto
com alguma articulação produtiva com a China. É dessa articulação que poderemos
tirar grandes saldos comerciais também no campo dos manufaturados, além das
commodities. Com uma posição forte em reservas, teremos política cambial e
política monetária soberanas, tal como acontece na órbita chinesa.
*Economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de
mais de 20 livros sobre economia política brasileira, estando dois novos no
prelo.
Créditos da foto: Roberto Stuckert Filho/PR
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