Para o ex-presidente do Boca, a
desclassificação não foi só um fracasso esportivo. Foi um balde de água fria
sobre suas ambições de ser presidente do país.
Dario Pignotti / http://cartamaior.com.br/
O líquido tóxico jogado contra os
jogadores do River Plate que entravam para jogar o segundo tempo no estádio La
Bombonera, em jogo da Copa Libertadores, se transformou num escândalo de
conotações políticas que salpica Mauricio Macri, homem forte do Boca Juniors e
candidato presidencial mais importante da direita, além de arqui-inimigo da
presidenta Cristina Fernández de Kirchner.
Descendente de italianos, assim
como o seu amigo José Serra, Macri é conhecido por comentaristas amigos como “o
Silvio Berlusconi argentino”, entre outras coisas, porque o ex-premiê italiano
mesclava sua atividade política com a de presidente do Milan – e que às vezes
deixava a direção do clube nas mãos de homens de sua confiança, assim como
Macri.
Nesta quinta-feira (14/5), um
grupo de torcedores do Boca jogou um líquido tóxico contra jogadores do River,
seu maior rival, com quem decidia a classificação numa chave das oitavas de
final da Copa Libertadores. Os jogadores rivais voltavam do intervalo quando
foram surpreendidos pelo ataque. A partida se disputava no estádio La
Bombonera, o mítico e temido caldeirão localizado num dos bairros mais populares
da zona sul de Buenos Aires.
Versões publicadas nesta segunda
pela imprensa argentina afirmam que o composto atirado pelos torcedores, que
num princípio pensavam que se trataria de gás pimenta, era na verdade um
líquido muito mais agressivo, pois se trataria de um produto elaborado a partir
de um tipo de ácido e pimenta chili, que pode causar sérias lesões na pele
A partida foi suspensa. O
incidente foi considerado um vexame gigantesco por toda a imprensa argentina.
Em decisão anunciada no sábado (16/5), a Conmebol (Confederação Sul-americana
de Futebol) confirmou a eliminação do Boca Juniors da competição, a aplicação
de uma multa de 200 mil dólares e a suspensão do estádio La Bombonera por
quatro jogos internacionais.
Para Macri, esta foi mais que uma
péssima notícia esportiva. Também foi um balde de água fria sobre suas ambições
eleitorais.
O empresário e prefeito de Buenos
Aires confiava no simbolismo de conquistar a Copa Libertadores poucos meses
antes das eleições de outubro (a final do torneio está marcada para agosto),
nas que será eleito o sucesso da presidenta Cristina Fernández de Kirchner.
Considerado o homem preferido da
imprensa conservadora e da Embaixada dos Estados Unidos, Macri possivelmente
sentiu um frio na espinha quando viu que as imagens da agressão contra os
jogadores do River davam a volta ao mundo.
Horas depois do ataque químico
dos torcedores do Boca contra os jogadores do River – alguns deles, os mais
atingidos, tiveram que ser hospitalizados – Macri começou a usar seu poder
dentro do obscuro mundo do futebol para impedir que o clube recebesse um
castigo severo.
A defesa do Boca Juniors ainda
tentará apelar da decisão da Conmebol – sua proposta é a de jogar o segundo
tempo daquela partida em estádio neutro e sem torcida –, mas a instituição já
anunciou a próxima rodada de quartas de final, onde o classificado River Plate enfrentará
o Cruzeiro de Belo Horizonte, atual campeão brasileiro.
Segundo publicaram alguns meios
argentinos, o líder conservador ligou diretamente para o presidente da
Conmebol, Juan Angel Napout para atenuar a sanção contra o Boca. Paralelamente,
enviou a Assunção (cidade onde fica a sede da Conmebol), seu afilhado político,
Daniel Angelici, atual presidente do Boca.
Angelici é o presidente, mas
Macri é quem realmente tem o poder no Boca.
RELAÇÕES COM A MÁFIA
Apesar do vexame causado pela
agressão dos torcedores boquenses, Angelici, o testa-de-ferro de Macri,
declarou no dia seguinte que estava satisfeito com o comportamento da torcida
organizada, conhecida como La 12 – décimo segundo jogador do time, como ela se
considera.
A influência da torcida
organizada foi vista claramente na noite da quinta-feira, no final do jogo,
quando os jogadores do Boca Juniors foram ao vestiário aplaudindo a torcida, um
gesto com enorme simbolismo, tendo em vista o ocorrido minutos antes.
Essa situação acontece porque nem
os jogadores nem a dirigência do clube são capazes de ocultar a relação dessa
mesma dirigência com as máfias que controlam a torcida organizada.
Claro que essa declaração de
Angelici, elogiando os vândalos da La 12 complica ainda mais a imagem do seu
padrinhopolítico, Mauricio Macri, que gosta de utilizar o discurso eleitoral de
defesa verborrágica da ética e da transparência, tal qual os dirigentes neocons
da moda na América Latina.
Apesar das palavras e do
marketing de Macri, todo mundo sabe que nem a ética nem a transparência
funcionam no submundo do futebol, menos ainda no submundo do Boca Juniors, cuja
torcida é responsável pela morte de várias pessoas nas últimas décadas.
Desde sua época como presidente
do clube (entre 1996 e 2007), Macri mantém relação com as torcidas organizadas,
segundo conta o livro do jornalista Gustavo Grabia, com detalhes muito bem
documentados.
Quando Macri era presidente do
Boca, mantinha vínculos estreitos com Rafa Di Zeo, um dos chefes da torcida e
conhecido por suas atividades ilegais e sua violência. Há poucos meses, Di Zeo
foi solto, após um período na prisão por uma tentativa de assassinato a outro
torcedor boquense, membro de uma torcida organizada rival.
SERRA E OS ESTADOS UNIDOS
Macri vem mantendo vários
encontros com José Serra nos últimos anos, em São Paulo e Buenos Aires, devido
à liderança que ambos exercem nos partidos conservadores mais importantes de
seus dois países.
Os dois estão na lista dos
políticos mais apreciados pelos Estados Unidos, dentro de sua política contra
os governos progressistas do PT e do FPV (Frente Para a Vitória, bastião do
kirchnerismo), tal como foi revelado por vários documentos publicados por
Wikileaks.
Segundo um telegrama confidencial
norte-americano, Macri demonstrou sua simpatia e seu apoio à candidatura de
Serra nas eleições brasileiras em 2010, quando foi consultado sobre o tema pela
embaixadora estadunidense em Buenos Aires.
Também manifestou seus elogios a
outro dos baluartes da direita sul-americana: o ex-mandatário e empresário
chileno Sebastián Piñera.
Macri, Piñera, Serra e
posteriormente Aécio Neves, assim como Henrique Capriles, dirigente da oposição
golpista venezuelana, frequentam as reuniões de organizações neocons, como a
Fundação Internacional da Liberdade, onde são sintonizadas as estratégias para
acabar com o ciclo de governos de esquerdas sul-americanos.
O escritor peruano Mario Vargas
Llosa, diretor da entidade, se pronunciou este ano a favor de Macri quando
pediu “aos amigos argentinos que elejam Macri” – fez o mesmo em 2010, no Chile,
em favor de Piñera.
DA LIBERTADORES À CASA ROSADA
Nas próximas semanas, saberemos
se o escândalo de La Bombonera afetou a imagem de Macri, que atualmente está em
segundo nas pesquisas sobre a corrida presidencial de outubro.
Apesar do impacto nos eleitores,
o fato é que Macri havia apostado num grande ano futebolístico para o Boca
Juniors, consciente de que sua imagem está associada à do clube e seus
resultados.
Também é claro que a aposta mais
ambiciosa era a de conquistar a Copa Libertadores de América, cujo campeão será
conhecido em agosto, dois meses antes das eleições presidenciais na Argentina.
Para conquistar o campeonato, o
Boca realizou contratações milionárias, como a do atacante Daniel Osvaldo,
trazido do Inter de Milão, e do meia uruguaio Nicolás Lodeiro, que estava no
Corinthians, cujos valores foram muito mais altos do que os habituais no
mercado argentino.
Esse alto investimento em
jogadores caros possivelmente foi uma decisão política: seria um gasto
necessário para que Macri pudesse saltar da Copa Libertadores à Casa Rosada,
sede da Presidência.
Segundo as pesquisas de opinião,
Macri simboliza o antikirchnerismo, e mantém uma alta aprovação nas classes médias
da cidade de Buenos Aires.
Mas ele também conta com a
simpatia de parte dos eleitores pobres graças ao seu vínculo com o Boca
Juniors, o clube mais popular do país.
Macri presidiu o Boca durante
mais de uma década, a partir de 1996, período no qual os “xeneizes” (como
costumam ser chamados os torcedores boquenses) conquistaram vários títulos, com
destaque para os quatro títulos da Copa Libertadores de América.
Nesses anos, La Bombonera
reafirmou sua fama de estádio temível, pela pressão da torcida e o clima de
intimidação sobre os jogadores visitantes: uma pressão que os jogadores do
River Plate sofreram na pele no último jogo mas que agora pode se voltar contra
o homem mais poderoso do clube nos últimos anos.
Créditos da foto: Gobierno de la
Ciudad de Buenos Aires / Flickr
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