O objetivo do establishment financeiro e político europeu
não é expulsar a Grécia da Zona Euro, e sim expulsar o Syriza do governo grego.
Vicenç Navarro / http://cartamaior.com.br/
A explicação mais comum sobre o estancamento nas negociações
entre o governo do Syriza e os organismos como o Eurogrupo, o Fundo Monetário
Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, segundo o que
aparece nos maiores meios de informação na Espanha, joga toda a
responsabilidade da situação à suposta “incompetência dos políticos gregos”,
exemplificado a partir do comportamento do seu ministro da Fazenda, Yanis
Varoufakis, definido como “teatral e imaturo” por essa imprensa, e
“impertinente”, segundo expressão utilizada por seu colega alemão Wolfgang
Schäuble. Essas versões mostram o novo governo grego como rígido, incapaz de
negociar de forma aberta, introduzindo demandas inoportunas (como o pagamento
de compensações do governo alemão ao Estado grego pelos danos causados durante
a ocupação nazi em território grego), ou insistindo na reestruturação da dívida
pública grega, um tema que o governo grego deveria ser consciente, dizem esses
relatos, de que ela é inegociável.
A culpa então é do Syriza e seu governo. O que este deveria
fazer, segundo a sabedoria convencional do momento, é respeitar os acordos
assinados pelo governo anterior, implantando as medidas de
austeridadeautorizadas então e eliminando as medidas que apareciam em sua
oferta eleitoral, as que incluíam, entre outras propostas, desistir de baixar
as aposentadorias, reverter as mudanças da legislação trabalhistas que
facilitem a demissão de trabalhadores e frear as ordens de despejo contra
pessoas que não conseguem pagar suas dívidas habitacionais (uma paralisação que
afetaria negativamente os interesses dos bancos). Sobre aresposta negativa dos
grandes organismos europeus para com as medidas, o Syriza afirmou que são as
que o eleitorado grego esperava quando os levou ao poder, ao que o
establishment político europeu(instrumentalizado pelo establishment financeiro)
respondeu que os governos presentes no Eurogrupo também foram eleitos
democraticamente, e que a aplicação de suas propostas para a Grécia também são
resultado de mandatos populares (o que, evidentemente, não corresponde à
realidade, pois a grande maioria dos partidos que governam os países da União
Europeia, representados pelos ministros da fazenda do Eurogrupo, não tinham
incluídos em seus programas as tais medidas de austeridade que depois passaram
a impor aos seus cidadãos, e um dos exemplos desse fato é o governo Mariano
Rajoy, na Espanha. Nenhuma das políticas de austeridade estava na oferta
eleitoral do PP, e o mesmo aconteceu com a maioria dos partidos governantes na
Zona Euro.
A imposição de tais políticas de austeridade à Grécia é
apresentada pelos ministros do Eurogrupo como necessária para conseguir a
recuperação da economia grega, ignorando que elas causaram um enorme desastre
etragédia humana na mesma Grécia, com a perda de 25% do seu PIB. É
interessante, e significativo, verificar que na mesma reunião do Eurogrupo, em
Riga (capital da Letônia), quando se acusou o Syriza de serirresponsável por se
negar a aceitar as suas propostas, o governo de Rajoy foi apresentado como
exemplar, por aplicar disciplinadamente as mesmas medidas de austeridade
rejeitadas pelos gregos (“O Eurogrupoaplaude as reformas da Espanha”, La
Vanguardia, 25 de abril de 2015).
A agressividade dos economistas liberais e sócioliberais
contra o Syriza
As explicações sobre esse suposto estancamento das
negociações são promovida pelos maiores meios de informação da Espanha. Dois
economistas midiáticos com amplo espaço nesses meios, e que são
especialmenteagressivos em sua crítica ao governo do Syriza, são JC Díez, que
além de ser uma espécie de correspondente econômico do El País é figura próxima
a Pedro Sánchez, presidente do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), e
Josep Oliver, que também se move na órbita socialista, na Catalunha, e é grande
defensor da necessidade das tais políticas de austeridade, que ele afirma serem
as responsáveis pela recuperação econômica do país, segundo seu mais recente
artigo no El País (“A longa marcha do emprego”, de 24 de abril de 2015). Esses
economistas foram os que reproduziram os argumentos utilizados pelo ministro da
fazenda alemão,criticando o governo do Syriza pela paralisação das negociações,
e culpando-o também pela considerável deterioração da situação econômica grega
desde a vitória do Syriza (outro argumento lançado pelo ministro alemão).
Tanto Díez quanto Oliver parecem desconhecer a evidência
científica que mostram como as tais políticas de austeridade são as que
deterioraram muito o estado da economia da Grécia e da maioria dos países da
Eurozona, ao reduzir a demanda doméstica nesses países, sendo uma das maiores
causas da grande recessão. Muitos especialistas como Krugman, Stiglitz,
Weisbrot, Baker, Galbraith, Jeff Faux e uma longa lista de economistas
reconhecidos também explicaram as crises a partir dessa demanda doméstica
limitada, causada pelos cortes e arrochos salariais, acrescentando sua voz a
uma explicação que surgiu sendo minoritária, e que aos poucos vai ganhando
amplo espaço nos círculos acadêmicos europeus (mas não na Espanha), devido às
robustas evidências acumuladas durante os últimos anos de recessão. A respeito
da suposta recuperação da economia espanhola, esta não se deve às medidas de
austeridade. Pelo contrário, foi a partir da diminuição dessas políticas (por
motivos eleitorais) e sobretudo a queda no preço do petróleo, a desvalorização
do euro eas medidas de expansão monetária do BCE, que levaram a Espanha a
experimentar uma leve retomada do crescimento econômico, agora apresentada como
recuperação.
O objetivo do establishment financeiro e político europeu
não é expulsar a Grécia da Zona Euro, e sim expulsar o Syriza do governo grego
Um argumento utilizado frequentemente pelos defensores das
políticas de austeridade é que elas são necessárias para “salvar o euro”. Essa
“salvação” do euro tem sido uma constante preocupação para eles. O euro, no
entanto, nunca esteve em perigo, nem de desaparecer nem de colapsar, tal como
alguns analistas vêm demonstrando desde o começo. E a razão pela qual ele nunca
esteve em perigo é que a moeda vem beneficiando, sistematicamente, os poucos
que mandam na Zona Euro (o establishment financeiro), em detrimento da maioria.
Tal preocupação – de salvar o euro – é utilizada agora,
novamente, quando se indica que existe uma possibilidade de que intransigência
e incompetência do Syriza forcem a expulsão da Grécia da Zona Euro, pois
suaspolíticas tornam impossível sua permanência na união monetária. Diferente
do que dizem esses autores, a última coisa que o establishment político da
Eurozona (instrumentalizado pelo establishment financeiro) que é que a Grécia
saia da zona. O que desejam (e deve-se salientar esse dado) é expulsar o Syriza
do governo grego, ou seja, que seu apoio eleitoral colapse e que seja
substituído pelo partido anterior, servicial aos seus interesses. Esse tem sido
e continua sendo o objetivo da agressividade mostrada pelos establishments
financeiros, políticos midiáticos europeus. Se mostrou claramente, inclusive
antes de o partido ganhar as eleições.As intervenções nas eleições gregas foram
nítidas, por parte do BCE, da Comissão Europeia e do Conselho Europeu, além da
do governo alemão e seus aliados (como o do espanhol Rajoy), todos participando
ativamente na campanha contra o Syriza. Nove dias (sim, somente nove dias)
depois da vitória eleitoral do partido, o BCE cortou a linha de crédito do
governo grego, uma medida de enorme hostilidade (equivalente a um ato bélico),
sem sequer esperar para tomar essa decisão quando fosse correspondente segundo
a agenda, onde havia um encontro marcado poucos dias depois, com os
representantes do novo governo. Essa primeira reação hostil foi seguida por
outras, uma redefinição bem realizada dos termos nos quais os bancos privados
gregos podiam emprestar dinheiro ao Estado, comprando dívida pública, uma
medida que o BCE nunca havia aplicado aos governos anteriores, responsáveis dos
enormes deficit e dívida públicos que o governo do Syriza herdou do seu
antecessor.
As medidas foram aplicadas com pleno conhecimento dos que
abriram a brecha para uma massiva fuga de capitais: 24 bilhões de euros
abandonaram o país entre dezembro e as primeiras semanas de abril. Uma situação
que resulta da enorme agressividade contra o governo do Syriza, e que está
diminuindo enormemente a possibilidade do Estado de conseguir empréstimos do
mercado financeiro (quer dizer, dos bancos), o que, por sua vez, é resultado
das ações tomadas pelo BCE. Nenhum desses fatos aparece nos artigos dos
economistas JC Díez e Josep Oliver (“Corralito grego agora?”, La Vanguardia, 24
de abril de 2015). Para eles, o Syriza e seu comportamento, sua suposta rigidez
e inflexibilidade, são os responsáveis pela situação na que se encontra o
governo.
As políticas de austeridade impostas à Grécia vêm reduzindo
o PIB do país em 25%, porcentagem nunca alcançada por nenhum país em tempos de
paz. E isso está beneficiando o capital financeiro, tanto grego quantoalemão,
francês e espanhol, entre outros, com efeitos bastante negativos para a maioria
da população grega. A evidência desse panorama é assustadora, mas não chega a
ser um obstáculo para o BCE, a ComissãoEuropeia, o Eurogrupo, o Conselho
Europeu, o FMI e o governo alemão, que continuam insistindo nas mesmas
políticas que levaram à grande crise humanitária. Ninguém menos que o
ex-diretor da sede europeia doFMI, Reza Moghadam, escreveu um artigo para o
Financial Times (“Stalemate can be replaced with sanity in eurozone dealings
with Greece”, 08 de abril de 2015) no que concluía que ocorria nessas
negociações era profundamente injusto, pois “a Europa está exigindo do atual
governo grego a implantação, já nas próximas semanas, de toda uma série de
medidas que os governos anteriores não realizaram em vários anos”.
Na verdade, as demandas do governo grego são mais que
aceitáveis. São as mesmas que o governo alemão aplicou nos Anos 50. Entre elas,
está o pedido de que não seja exigido o pagamento da dívida, a não ser que a
economia grega comece a crescer de novo. A rigidez nas negociações está mais
presente no comportamento do ministro da fazenda alemão, e no dos seus aliados
(os governos português e espanhol, junto com os governos do leste europeu), a
maioria de clara orientação neoliberal, e é essa inflexibilidade o que leva à
situação atual. Seu objetivo é destruir o Syriza, não vão tirar a Grécia da Zona
Euro. Vejam a alegria demonstrada na reportagem do El País (conhecido por sua
antipatia para com o Syriza, assim como com o movimento espanhol Podemos) que
falava de um suposto declínio no apoio popular ao Syriza (usando uma manobra
previsível, e típica da publicação, o El País manipula o título, indicando que
“o calvário da negociação reduz o apoio popular ao governo do Syriza” (El País,
24 de abril de 2015), afirmação que contrasta comos dados apresentados no
próprio artigo onde se vê que o apoio ao Syriza aumentou de 36% em janeiro a
38% agora). A estratégia incluiu especular, como última notícia, com a
tentativa de neutralizar, ou inclusive de expulsar, o ministro grego, desejando
que os velhos aliados das políticas neoliberais, as tradicionais direitas
gregas, voltem ao comando da economia do país, apesar de terem sido as que
levaram o país ao desastre. Assim, os interesses de fora poderão novamente
controlar a Grécia, como fizeram nos anos que precederam a vitória do Syriza.
Uma última observação. Peço ao leitor que compartilhe este
artigo o máximo possível. Não tenho as mesmas caixas de ressonância dos já
citados economistas. Pelo contrário, os meios de informação e persuasão da
Espanha, conhecidos internacionalmente por sua escassa diversidade, não
publicam vozes críticas como a minha. Por isso, devo pedir ao leitor que, como
sucedia durante a ditadura, os artigos sejam difundidos passando de mão em mão.
Obrigado!
* Acadêmico de Políticas Públicas da Universidade Pompeu
Fabra, ex-professor de Economia Aplicada da Universidade de Barcelona.
Publicado em http://www.vnavarro.org/?p=12070
Créditos da foto: Ministro das finanças grego, Yanis
Varoufakis. Foto: Steven Purcell
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