Nos últimos anos, os principais projetos de infra-estrutura
na América Latina estão sendo financiados com capital chinês.
Akira Pinto Medeiros / http://cartamaior.com.br/
Na última semana diversos veículos de comunicação, a maioria
estrangeiros, noticiaram que a construção de uma mega-ferrovia havia entrado
nos planos do Planalto. A visita do primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, à
Brasília tem como objetivo apresentar um plano de investimento orçado em US$ 50
bilhões que dentre outras obras e compras prevê a construção de uma ferrovia
que ligue o Atlântico ao Pacífico, cruzando o Brasil e o Peru, estimada em R$
30 bilhões.
O projeto até o momento não parece ter sido questionado pelos
veículos tradicionais, é tratado até com simpatia por se propor a sanar um
grande problema de logística do Brasil, a falta de uma saída ao pacífico. Vale
destacar que o projeto beneficia principalmente os grandes produtores de
commodities que terão seus custos reduzidos no processo de exportação para o
gigante asiático. Estaríamos assim apenas seguindo a rota do dinheiro,
facilitando a compra dos nossos produtos por aqueles que mais se dispõem à
comprar.
Pelo desenho original a ferrovia sairá do Rio de Janeiro e
passará pelos estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Rondônia, e Acre,
antes de entrar no Peru - por onde seguirá até o pacífico. Não há dúvidas de
que se trata de um mega-projeto que beneficiará os produtores brasileiros e os chineses.
Mas será que é apenas isso?
Nos últimos anos temos visto uma movimentação bastante
acelerada dos chineses na América Latina. De maneira sutil, os chineses estão
reorganizando o comércio e a infraestrutura da região. Existe um tensionamento
mais frio que o da Guerra Fria, onde ao que parece os Estados Unidos está em
desvantagem. Não se trata de um debate de ideias, diversas missões chinesas têm
visitado os países da América Latina, algo similar com o que os EUA fizeram no
período entre guerras. Os chineses mostram sua destreza ao competir na economia
globalizada de forma dura.
Nos últimos anos os principais projetos de infra-estrutura na
América Latina estão sendo financiados com capital chinês, com exceção do Porto
de Mariel em Cuba. O Canal da Nicarágua, começou a ser construído no final do
ano passado pela HKNCD (Hong Kong Nicaragua Canal Development) e tem previsão
de entrega para daqui a 5 anos. O projeto é maior, mais largo e mais profundo
que o Canal do Panamá – principal trajeto para cruzar de um oceano a outro na
atualidade – o que permitirá o trânsito dos maiores navios cargueiros da
atualidade. O projeto do Canal da Nicarágua prevê um fluxo de aproximadamente o
dobro da carga que hoje transita pelo canal vizinho.
O Porto de Mariel em Cuba, apesar de não estar sendo
construído com capital chinês, também representa uma ameaça ao controle
estadunidense do fluxo de cargas na América. Construído com empréstimo direto
do BNDES, o mega-projeto cubano prevê capacidade para 800 mil contêineres por
ano e será operacionalizado pela Singapur PSA International – que administra
cerca de 30 milhões de contêineres pelo mundo. A recente aproximação entre os
governos de Washington e Havana mostra, entre outras coisas, a preocupação dos
empresários estadunidenses com este empreendimento. São cerca de 70 empresas
transnacionais que já se manifestaram sobre a intenção de operar em Mariel,
nenhuma delas é estadunidense tendo em vista o embargo econômico que a ilha do
povo cubano vive.
Ainda sobre a aproximação chinesa na América Latina,
recentemente o governo de Cristina Kirchner fechou um acordo para a
transferência do equivalente à 11 bilhões de dólares que prevê a construção de
duas hidrelétricas no país.
Todos estes projetos citados apresentam ganhos de eficiência
das economias da região, além de garantir o abastecimento de commodities à
China de maneira mais rápida e barata. Se analisarmos o mapa da América Central
veremos que estes mega-projetos representam também a reorganização da
geopolítica na região. O Canal da Nicarágua deságua próximo ao Porto de Mariel
que visa ser um grande porto de escoamento para os Estados Unidos, América
Latina e China.
Como se não fosse suficiente, o primeiro-ministro chinês
desembarcou em Brasília hoje (19/05) para fechar o acordo da mega-ferrovia que
ligará o Atlântico ao Pacífico. O projeto ligará a ferrovia norte-sul ao
pacífico via Peru, barateando os custos do escoamento de minério de ferro e
soja. O comércio entre o gigante asiático e a América Latina foi multiplicado
por 20 entre 2000 e 2014, já superando US$ 262 bilhões. Em uma reunião entre os
membros da CELAC e a China, em Pequim – realizada em janeiro – o presidente
chinês Xi Jinping se comprometeu a destinar cerca de US$ 250 bilhões para
projetos de infra-estrutura na América Latina nos próximos 10 anos. Quase
metade das exportações brasileiras para a China são representadas pela venda de
soja, segundo o Professor da UFF, Theotonio dos Santos, o negócio representa
“...do ponto de vista da China, uma questão-chave. É claro que o fato de o
Brasil não ter uma saída para o Pacífico é uma limitante muito séria para o
país, como produtor e exportador.”.
A Presidenta da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner,
quando questionada sobre o acordo firmado com a China disse, durante a abertura
de Sessões do Congresso Nacional no dia 1º de março: “Senhoras e senhores,
argentinos, o mundo dentro de 5 anos, não dentro de 5 séculos, vai ser
diferente. Dentro de 5 anos a China vai ser o mais importante ator econômico,
se já não for, do mundo. Como, se durante toda a nossa vida nos disseram que
tínhamos que ter relações carnais com aqueles que nunca nos davam nada e nos
tiravam tudo? Como não vamos ter relações normais, comuns e diplomáticas,
econômicas e estratégicas com aqueles que nos vêm oferecer investimentos? Não
se pode ser tão estúpido, não se pode ser tão colonizado mentalmente, tão
subordinado intelectualmente, tão pequeno de cabeça e de neurônios.”.
A movimentação chinesa não é um projeto a ser implantado, é
um projeto em curso, que depende do não alinhamento automático aos EUA, e da
preservação dos governos populares, para reorganizar a hegemonia do comércio na
região e alavancar o desenvolvimento latino-americano. Sobre isso, Dos Santos
diz: “Essa é uma política que a China vem seguindo, de usar esse excedente
econômico colossal que tem para criar uma economia mundial que atenda não só as
necessidades chinesas, mas também sirva para um desenvolvimento planetário,
para sairmos dessa posição subordinada que nós temos dentro da economia
mundial. Isso é interesse da China e é interesse nosso.”
Créditos da foto: Ana de Oliveira/AIG-MRE
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12