Até agora, Snowden havia mantido contatos com personalidades
da sociedade civil e alguns emissários de governos europeus, mas nunca com um
chefe de Estado.
Dario Pignoti / http://cartamaior.com.br/
Contato em Moscou. “A presidenta Cristina Fernández de
Kirchner se reuniu reservadamente com Edward Snowden. Estamos falando de um
fato de repercussão mundial, porque é a primeira chefa de Estado que se
encontra com o homem que revelou o esquema de espionagem da agência NSA”
declarou o investigador Santiago O´Donnell, em Buenos Aires.
“Acabo de me comunicar com uma fonte muito próxima de
Snowden, que me confirmou que a conversa aconteceu em Moscou durante a viagem
em que Cristina foi recebida pelo presidente Vladimir Putin”, disse O´Donnell a
Carta Maior, na noite de quinta-feira (4/6).
A notícia da reunião, realizada em solo russo, causou
impacto nos meios de comunicação e na coletividade diplomática radicada em
Buenos Aires, onde se analisou a dimensão política de um fato inédito.
Até agora, Snowden havia mantido contatos com personalidades
da sociedade civil internacional e alguns emissários de governos europeus, mas
nunca com um chefe de Estado.
“O que me disse uma fonte próxima a Snowden é que a presidenta
argentina o impressionou positivamente”, comentou O´Donnell.
A mandatária demonstrou seu respaldo a um homem que desafiou
os serviços de inteligência da maior potência mundial e o modelo de vigilância
global que se transformou numa nova forma de totalitarismo.
Ao mesmo tempo, ela mandou um sinal aos Estados Unidos, cujo
governo ordenou a captura do ex-funcionário da agência NSA.
Se trata de um gesto especialmente claro, já que Cristina
foi pessoalmente ao encontro, não enviou um ministro ou outro tipo de
representante.
Em 2013, Snowden começou a liberar documentos relativos às
interferências ilegais da NSA na vida privada de milhões de cidadãos
norte-americanos, com o pretexto de prevenir atentados como o do 11 de setembro
de 2001.
Posteriormente, divulgou papéis sobre líderes
internacionais, inclusive de países amigos, como a chanceler alemã Angela
Merkel.
Entre esses papéis havia informações subtraídas dos arquivos
da presidenta Dilma Rousseff, da Petrobras e de milhares de cidadãos brasileiros.
Dilma exigiu explicações a Obama e ele não as deu, situação
que levou a mandatária brasileira a suspender uma visita de Estado prevista
para outubro de 2013.
Em setembro daquele ano, Dilma apresentou na ONU uma
iniciativa contra a violação da privacidade e em defesa da soberania
cibernética, que contou com o apoio de mais de cem países.
E impulsou o traçado de um duto de fibra ótica interoceânico
que possa unir o Brasil com a Europa, para que a transmissão de dados seja
capaz de driblar o controle norte-americano.
As ideias de Dilma receberam o apoio explícito de Cristina,
do equatoriano Rafael Correa, do venezuelano Nicolás Maduro e outros líderes
sul-americano.
Paralelamente, os ministros de Defesa Celso Amorim (Brasil)
e Agustín Rossi (Argentina) assinaram, no dia 13 de setembro de 2013, um acordo
para desenvolver um programa conjunto contra a ciberespionagem.
ASILO NA ARGENTINA?
Em 2013, Snowden solicitou asilo no Brasil, Equador,
Venezuela e outros países aos que não pode viajar, já que os Estados Unidos
haviam localizado seu paradeiro, o que o obrigou a permanecer três meses no
aeroporto de Moscou, até que, finalmente, o presidente Putin lhe concedeu
refúgio.
“Snowden solicitou asilo a Cristina?”, perguntou Carta
Maior, durante a entrevista com o investigador Santiago O´Donnell.
“É uma possibilidade que não pode ser descartada, o que se
sabe é que ele gostaria de voltar aos Estados Unidos, e que esse retorno
poderia ser facilitado no futuro, caso a relação dele com o governo de Barack
Obama melhore”, observou O´Donnell, que se comunica regularmente com auxiliares
de Snowden, através de mensagens codificados.
Investigador e autor de dois livros sobre Wikileaks,
Santiago O´Donnell é também o homem de confiança de Julian Assange na
Argentina, e o entrevistou diversas vezes desde que sentenciada a sua detenção
em Londres, em 2010, após a qual conseguiu asilo na embaixada equatoriana.
O´Donnell destacou que Snowden conta com uma equipe de
advogados que o representam nos Estados Unidos. “Ele é patrocinado pelo diretor
executivo da American Civil Liberties Union (ACLU), o advogado Antonio Romero,
que é uma pessoa com muita influência e prestígio em Washington”.
A situação do ex-espião ainda é delicada, porque qualquer
movimento em falso poderia levá-lo à prisão nos Estados Unidos, já que a ordem
de prisão contra ele continua em vigor.
Uma sentença mantida, apesar do fato de o Congresso
sancionar, recentemente, uma lei contra a espionagem da NSA, que inclusive
reconhece a legitimidade das denúncias de Snowden, embora ele ainda seja considerado
um traidor em seu país.
Em 2013, um avião procedente da Rússia, que transportava o
presidente Evo Morales, foi impedido de sobrevoar vários países da Europa,
devido à suspeita de que o líder boliviano viajava com Snowden.
O escândalo demostrou a importância estratégica que os
Estados Unidos dão à espionagem da NSA e o preço que devem pagar aqueles que,
como Snowden, se rebelam contra as operações ilegais.
E também os riscos que podem correr os chefes de Estado como
Evo Morales (e eventualmente Cristina Fernández) que desafiem a ordem imperial,
ao dar cobertura a Snowden.
A verdade é que, depois da humilhação a que Morales foi
exposto, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), em reunião extraordinária,
expressou sua indignação devido à atitude dos governo europeus.
EIXO CRISTINA-PUTIN
A conversa entre Cristina e Snowden, agora revelada, teria
se realizado em abril “e se manteve em segredo por razões que até agora não
encontram explicação”, comentou O´Donnell.
“Não há dúvidas de que o encontro contou com o aval do
presidente Vladimir Putin, pois a viagem da presidenta argentina era oficial”,
recordou o investigador.
Um dos assuntos que poderiam ter sido abordados foi o da
espionagem britânico-estadunidense sobre as Ilhas Malvinas.
No dia 2 de abril de 2015, quando se comemorou o 33º
aniversário da Guerra das Malvinas de 1982, o site The Intercept, e o próprio
Snowden, informaram que entre 2006 e 2011 a Grã-Bretanha e os Estados Unidos
mantiveram ativa uma operação chamada Plano Quito, na qual espionavam o governo
e algumas personalidades argentinas.
A documentação obtida por Snowden revelou como a espionagem
britânica, com o apoio ianque, organizou campanhas de desinformação sistemática
e uma ciberofensiva para desprestigiar o governo argentino.
A viagem de Cristina à Rússia teve lugar nesse contexto, bem
como sua reunião com Snowden e a crescente aproximação de Buenos Aires com
Moscou.
Um dos aspectos vitais desse romance diplomático é o quesito
estratégico e militar.
Cristina viajou na companhia dos ministros Agustín Rossi, da
Defesa, e Sergio Berni, de Segurança, que assinaram, com seus colegas russos,
convênios que traçaram o caminho para uma aproximação mais intensa nessas
áreas.
Apesar de não ter sido feito nenhum anúncio sobre exercícios
militares russo-argentinos, não se pode descartar que, no futuro se realizem
manobras conjuntas, em momentos que a tensão com o Reino Unidos aumentar.
Precisamente, em abril passado, a Argentina denunciou
novamente sua preocupação pelo incremento do armamento britânico nas Malvinas e
as suspeitas de que existem inclusive equipamentos nucleares na ilha.
Créditos da foto: reprodução
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