Há 70 anos, terminava o plano de
Henry Ford de abastecer suas fábricas com borracha produzida no Brasil. Local
virou ruína
por Vitor Nuzzi - http://www.redebrasilatual.com.br/
Neste 2015 completam-se sete
décadas da ruína de um pedaço de império no meio da floresta amazônica. Era uma
área extensa, de aproximadamente 15 mil quilômetros quadrados no sudoeste do
Pará, na região de Santarém, a 800 quilômetros de Belém. Foi onde se construiu
a Fordlândia, referência ao empresário norte-americano Henry Ford, que
planejava estabelecer ali sua base de fornecimento de borracha. A aventura
começou em 1927 e terminou em 1945, sem sucesso. A área hoje está em ruínas. No
início deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou rapidez ao
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) no processo de
tombamento, mas ambos concordam que isso não será suficiente para recuperar e
preservar o local.
Na primeira década do século
passado, Henry Ford causou sensação com seu modelo T, pioneiro na fabricação em
série. O modelo de produção inovador para a época foi batizado de fordismo. Surgia
a linha de montagem. Para os pneus dos automóveis, ele precisava de borracha –
e aí surge o projeto da Fordlândia.
O ciclo da borracha no Brasil já
estava superado. No início do século 20, quem produzia eram colônias inglesas
do Sudeste Asiático. O empresário viu na Amazônia oportunidade de investimento
e de fornecimento contínuo e mais barato para seus produtos, fugindo do
monopólio britânico. Adquiriu o terreno e, em pouco tempo, criou não apenas uma
fábrica, mas uma típica cidade dos Estados Unidos em plena Amazônia, no final
dos anos 1920. Uma little town (cidadezinha) à beira do Rio Tapajós, que chegou
a ter mais de 3 mil trabalhadores.
A produção da borracha, no
entanto, nunca se firmou. As pragas atacaram as seringueiras e as plantações
ainda foram transferidas – outra cidade foi erguida, em Belterra, que faz parte
do processo de tombamento em análise pelo Iphan. Mas a indústria também já
havia descoberto a borracha sintética. O projeto brasileiro perdia sentido.
A empresa teve ainda problemas
com seus funcionários brasileiros, ao tentar impor uma cultura norte-americana,
que não se limitava ao modelo de produção, e incluía novos hábitos de
comportamento e alimentares. Em 1930, por exemplo, houve uma rebelião de trabalhadores,
que se batizou de Revolta das Panelas, descrita em detalhes pelo historiador
norte-americano Greg Grandin, no livro Fordlândia – Ascensão e Queda da Cidade
Esquecida de Henry Ford na Selva, lançado no Brasil cinco anos atrás.
Fascínio e desolação
Segundo a superintendente do
Iphan no Pará, Maria Dorotéa de Lima, o processo de tombamento encontra-se “em
vias de finalização”, com algumas pendências. Mas os problemas são muitos,
acrescenta. “Na prática, quem responde pela gestão local é a prefeitura de
Aveiro, pois Fordlândia é um distrito municipal. Porém, trata-se de área da
União, o que dificulta a atuação do município no que se refere à fiscalização”,
diz Dorotéa, que conta ter experimentado “sensações contraditórias de fascínio
e desolação” ao visitar o local. “O desafio está em superar o isolamento e
encontrar soluções que associem preservação, sustentabilidade e gestão.”
“Só o tombamento não vai
resolver, se não houver outros canais de proteção”, afirma a procuradora
Janaína Andrade, do MPF paraense, que vê necessidade de políticas públicas para
cuidar efetivamente da área. “A situação é difícil. Com o passar do tempo, as
intempéries vêm, e são perdas que não serão recompostas. E não é só esse
patrimônio. Assim como na Fordlândia, infelizmente o patrimônio cultural não
tem valor. O próprio Iphan não tem estrutura”, lamenta Janaína.
No começo de junho, a procuradora
esteve em contato com a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), que atua junto
com o Iphan no caso. Foi feito um pedido de seis meses para conclusão do
inventário. Apesar do prazo elevado, o Ministério Público tende a aceitar, até
por uma questão prática: uma possível ação civil pública não teria efeito
nenhum, porque não haveria como cumpri-la.
Para Janaína, é preciso tentar
despertar a consciência da população. “A sociedade não valoriza o patrimônio
que tem lá”, afirma. Uma ideia em estudo, que está sendo discutida com
professores da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), é levar um curso
de extensão (de Arqueologia) de Santarém para Aveiro, cidade onde fica a
Fordlândia, com população estimada em 16 mil pessoas, segundo o IBGE.
Mato e ruínas
A Fordlândia deixou de existir,
definitivamente, em 1945. O governo brasileiro indenizou a empresa e ficou com
a infraestrutura, que aos poucos se perdeu. O local chegou a receber
instalações federais e fazendas, com casas habitadas por servidores do
Ministério da Agricultura. Mas a área foi abandonada aos poucos e os prédios se
deterioraram ou foram alvo de vandalismo. Ainda há moradores na região. Alguns
ocuparam casas remanescentes da chamada Vila Americana.
Recentemente, o repórter Daniel
Camargos, do jornal Estado de Minas, visitou o local. Sua descrição a respeito
do hospital que funcionava ali ajuda a dar uma ideia do que aconteceu com o
passar do tempo: “O projeto do hospital foi elaborado pelo arquiteto Albert
Khan, o mesmo que projetou as fábricas da Ford em Highland e River Rouge, nos
Estados Unidos. A capacidade era de 100 leitos e foi um dos mais modernos do
país, sendo o primeiro a realizar um transplante de pele. Hoje, é só mato e
ruínas. No local abandonado, somente o zumbido de mosquito interrompe o
silêncio”.
Dorotéa considera que a
experiência pioneira, no sentido de implementação de um grande projeto
internacional na Amazônia, não deve ser desprezada, mas faz ressalvas. “Os
muitos estudos e trabalhos a respeito revelam que o desprezo do componente
cultural e da realidade local muito contribuiu para os desacertos”, analisa a
superintendente do Iphan. “Muitos projetos vieram depois e, apesar de um outro
entendimento da região e do componente local, pode-se dizer que continuamos a
ser meros fornecedores de matéria-prima, inclusive no caso da energia. Muitas
vezes o que fica na região é apenas o lado perverso desses investimentos:
desmatamento, poluição, aumento da população nas periferias dos projetos em
áreas de ocupação irregular, inchando as cidades que, em geral, não têm as
condições devidas para atendê-las.”
Henry Ford morreu em 1947,
sem conhecer sua cidade amazônica.
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