O
senador José Serra vem com proposta de tirar um naco da Petrobras para empresas
estrangeiras. Forma disfarçada de privatizar o que é público.
José
Carlos Peliano* / www.cartamaior.com.br
Dizia
meu professor de estatística econômica na Universidade de Vanderbilt, EUA,
Nicholas Georgescu Roegen, lá pelos idos dos anos setenta, que em ciência tudo
é verdade até que se prove em contrário. O tempo ajudou-me a compreender a
extensão e a profundidade da afirmação.
A
verdade absoluta ainda está para ser construída se é que algum dia será. Mesmo
a morte tem sua perspectiva relativa porque nunca ou quase nada se sabe quando
ela vem bater à porta.
Há
uma dimensão relativa no conhecimento uma vez que ele depende das condições, do
acervo acumulado e da época em que se aplica ou tem validade. Há também uma
dimensão, que chamaria do inesperado, porque existem forças e elementos que
podem agir de maneira diferenciada, caótica, dando conotação diversa ao que se
pensa ou pensava conhecer.
Assim,
acabei por me render à abordagem probabilística, não aos seus ditames matemáticos
explicitamente de cálculos e percentagens, mas às suas faixas possíveis de
ocorrência, pois ela traduz não só a relatividade do evento assim como sua
expressão da possibilidade não prevista.
Por
trabalhar com faixas de ocorrência, o estudo da probabilidade confere uma gama
de cenários possíveis dentro de uma extensão prevista que se imagina vir a
acontecer. Neles pode-se inclusive tentar conceber acontecimentos e
reviravoltas não imaginadas. Na realidade, o estudo probabilístico é uma bela
tentativa dos matemáticos de chegarem o mais perto possível da complexidade dos
eventos do dia a dia.
Ao
trazer essas considerações para a vida econômica fica claro que as previsões
dos economistas bem como suas interpretações do movimento das categorias
analíticas do modelo avaliado, todas elas têm um amplo e complexo entorno de
imprevisibilidade e incerteza, mesmo que seus cânones tragam calhamaços de
fórmulas, exemplos e diagnósticos.
Valem-se
os economistas, boa parte deles, inclusive, com certa frequência, do recurso de
defender suas ideias com argumentos gerais, muitas vezes óbvios e vagos, que
valem para qualquer objeto estudado, mas sem levar em conta as especificidades
que as variáveis e o momento apresenta.
O
recurso é quase sempre utilizar da diversidade de questões envolvidas para
fugir do ponto central e confundir e/ou encobrir as expectativas. Fogem assim
do que realmente deve ser visualizado, entendido e combatido. A técnica do
avestruz: enfiam no buraco a cabeça para não ver o que se passa à volta; ou do
a técnica do mágico: não mostram ou desconhecem o pulo do gato.
Faz
parte a retomada de questões e bandeiras já levantadas noutras ocasiões mesmo
que elas não tenham atingido o objetivo pretendido. No caso, vale menos o
remédio anunciado do que o evento ou o fato a ser resolvido. A eventual
justificativa, quando exigida, é que as condições mudaram, os agentes também e
o recurso é inevitável. Ponto.
Bandeiras
do tipo educação e crescimento para menos desigualdade ou privatizar para mais
e melhor produção são velhas conhecidas e sempre retornam quando a economia
está em retração. A chamada crise, muitas vezes inventada ou inflacionada para
justificar interesses contrariados.
Tais
bandeiras ainda podem fazer sentido para aqueles mais jovens que não
acompanharam outros momentos do país. Para os mais vividos, no entanto, a
cantilena não funciona mais não só porque já foi tentada outras tantas vezes no
passado, e não deram certo, como também os resultados esperados serão sempre os
mesmos, ou seja, mudar algumas coisas para tudo continuar no mesmo lugar, ou
pior.
O
programa Bolsa Família é o alvo predileto dos que afirmam não querer alimentar
desqualificados e vagabundos. Apontam educa-los para conseguir trabalho ou
fomentar o crescimento da economia para gerar empregos. Não aceitam, segundo
eles, tratamento direcionado, caro e privilegiado para os pobres.
Esquecem
que os empresários têm tratamento privilegiado há tempos, além de direcionado,
caro e privilegiado. O imposto de renda sobre lucros é reduzido, ou não se
aplica, têm isenções de tributos para determinados projetos de desenvolvimento,
prazos de carência para recolher tributos estaduais e municipais, entre outros.
Nas
suas declarações pessoais de renda empresários e famílias têm isenções fiscais
para despesas médicas, gastos com educação, doações de caridade, contribuições
a partidos políticos. Os pobres não têm acesso a esses benefícios porque não
ganham renda suficiente.
O
senador José Serra vem com proposta de tirar um naco da Petrobras para empresas
estrangeiras. Forma disfarçada de privatizar o público propondo em lugar da
partilha da exploração de petróleo, ora vigente, a disputa em igualdade de
condições no Pré-Sal com as demais concorrentes – a Petrobras participa hoje no
modelo atual com 30% no consórcio ganho por outras empresas; com o projeto do
senador essa participação é zerada.
Outra
consequência danosa aos interesses do País é o fato de que, se aprovado o
projeto, não haverá mais repasse de recursos para educação e saúde, estimados
hoje na casa dos R$ 50 bilhões. Já o estado brasileiro no conjunto não
receberia cerca de R$ 250 bilhões, segundo estimativas da Federação Única dos
Petroleiros (FUP).
E
pretende ainda que a exploração seja feita o mais rápido possível, não dando
mais tempo para a Petrobras se capitalizar, exatamente no momento em que a
empresa brasileira se encontra em dificuldades relativas de investimento. Em
resumo, a ideia do senador é a de tirar o poder e a soberania da Petrobras do
petróleo nacional para dividir com outras.
E
são empresas americanas as mais interessadas na aprovação do projeto do
senador, conforme já se manifestaram, não só para continuarem operando no
negócio, mas também por já estarem em dificuldades de aumentar suas reservas de
petróleo.
Engraçado
e estranho ao mesmo tempo, pois foram exatamente os americanos que anos atrás
afirmaram em alto e bom som que não havia possibilidade de existir áreas de
exploração de petróleo nas águas continentais da costa brasileira. Porque,
segundo os peritos que então fizeram a pesquisa, não havia quaisquer indícios
possíveis ou mapeados de petróleo.
Já
a telefonia brasileira foi privatizada e aí? Onde está a produção maior e
melhor? Reclamações chegam aos volumes na Anatel pela péssima qualidade dos
serviços telefônicos. Os custos da telefonia disponível no País são
considerados entre os mais altos do mundo.
E
o que o brasileiro comum ganha com isso? Mais privatização, senador? Depois que
a Petrobras é considerada uma das 5 melhores companhias petrolíferas do mundo?
Para que entregar o ouro para os adversários?
Está
mais que na hora de a população ser mais ouvida. E diretamente. A forma de
democracia representativa vem sendo contestada em manifestações diversas e pode
vir a estar com anos contados. Será que a proposta do senador é endossada pela
maioria dos brasileiros?
Mundo
afora movimentos procuram trazer o povo mais perto das decisões municipais,
regionais e nacionais. Não pode ficar a vida política e econômica de um povo
nas mãos de meia dúzia de ditos representantes dos cidadãos. Nem sempre o que
eles pensam o povo quer, subscreve, apoia e sustenta.
David
Harvey sugere o movimento ”bottom-up”, de baixo para cima, como a única saída
real, nova ação e nova forma de resolução das questões e problemas públicos. O
povo mais próximo das decisões. De fato, os movimentos tipo “occupy” apontam
esse caminho.
O
“welfare state” já deu o que tinha que dar e não funciona mais. Funciona
somente para os que têm emprego garantido, não para os desempregados, os
pobres, os refugiados e os migrantes. E mesmo assim os estados europeus
reformulam suas bases, reformando direitos adquiridos, para tentar garantir
sobrevivência às suas economias.
O
mundo começa a sair às ruas por mudanças. As mudanças começam a ser gestadas
nas ruas. É tempo de os trabalhadores se juntarem aos demais cidadãos para
exigirem mudanças nas relações com os empresários, capitalistas e banqueiros.
Deixar de fazer parte da máquina de fazer dinheiro para conviver na casa do
povo em situações e condições mais justas. Menos, muito menos, desiguais.
*colaborador
da Carta Maior
Créditos
da foto: Gerdan Wesley / Flickr
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