A tentativa de fazer prevalecer determinado ponto
de vista no debate da terceirização tem ferido o direito da sociedade à
informação verdadeira.
Thiago Gurjão Alves Ribeiro / www.cartamaior.com.br
O projeto de lei sobre a terceirização tem sido
revelador a respeito da qualidade do debate público no país sobre temas de
grande relevância. Nota-se com clareza a tentativa de determinados setores de
conduzir o assunto para criar uma Grande Verdade, um suposto consenso dos
"especialistas" de sempre: o projeto de lei é a modernidade, o resto
é o atraso.
É preciso lembrar, porém, que são princípios
fundamentais em nossa sociedade a liberdade de expressão e o direito à
informação, que exigem que a livre expressão seja assegurada em toda a sua
pluralidade, dando-se voz aos diferentes segmentos da sociedade, e, também, que
seja respeitado o direito fundamental da sociedade à informação verdadeira.
A tentativa de fazer prevalecer determinado ponto
de vista no debate da terceirização, com todo o aporte econômico-financeiro a
ele assegurado, tem em alguns casos tangenciado os limites do direito da
sociedade à informação verdadeira, bem como a ampla e plural liberdade de
expressão.
Determinadas notícias, opiniões e editoriais
publicados em alguns veículos de comunicação apresentam inconsistências que
recomendam algum reparo ou complementação e, no conjunto, revelam que é preciso
ampliar os limites da discussão e melhorar a qualidade do debate sobre o tema.
Afinal, como já dizia um conhecido anúncio publicitário de um grande jornal
(que aliás defende o projeto de lei em seus editoriais), dá para contar um
monte de mentiras dizendo somente a verdade.
Notícia publicada pelo Jornal o Globo, em 08 de
abril deste ano, é um exemplo disso. Segundo os repórteres, "o projeto de
lei que libera a terceirização para qualquer atividade [...] traz um consenso
difícil na área trabalhista. Tanto os que defendem mais regulação quanto os que
defendem menos veem o projeto como um avanço[...]. A lista inclui empresários e
especialistas”.
Na verdade, diversos professores universitários e
pesquisadores se manifestaram publicamente contra o projeto. Muitos membros da
magistratura trabalhista e do Ministério Público do Trabalho, assim como as
respectivas associações nacionais, expuseram os perigos da sua aprovação e o
retrocesso social que representaria. Alguns sindicatos de trabalhadores
realizaram protestos. Ou seja, a realidade não poderia ser mais distinta de um
"consenso" na área trabalhista quanto ao projeto representar um
suposto "avanço".
Já Hélio Zylberstajn, em artigo publicado na
Revista Época, sustenta: "Se assim é, por que tanta resistência à
regulamentação? [...] O argumento principal é a tese de que a terceirização transformaria
o mercado de trabalho em uma selva. [...] O argumento é exagerado. Voltemos ao
primeiro exemplo: dificilmente uma escola séria terceirizaria suas salas de
aula".
Na última frase, o articulista usa o adjetivo
séria, então, de certo modo, concordamos. O problema é que, "séria"
ou não, não seria assim tão "difícil" uma instituição de ensino
deixar de contratar seus professores como empregados: já há as que o façam,
sendo as respectivas fraudes combatidas pelo Ministério Público do Trabalho,
com condenações judiciais e inúmeras outras decisões no mesmo sentido em
processos individuais.
Assim, não seria difícil, mas bastante provável
até, que a autorização legislativa levasse sim diversas instituições de ensino
a não contratarem professores como seus empregados. E não há porque pensar que
o mesmo não ocorreria com outros profissionais que exercem atividades
diretamente relacionadas à atividade principal de empresas de outros ramos.
Editorial da Folha de São Paulo, veiculado em 10 de
abril, afirma: "Fica difícil enxergar [...] onde está a precarização. Mais
que isso: ao modernizar e dinamizar o mercado de trabalho, o projeto votado
pelos deputados contribuirá para aumentar a produtividade e, assim, expandir a
criação de empregos."
Na realidade, fica bem fácil enxergar a
precarização no cotidiano da Justiça do Trabalho quanto aos casos relacionados
às "terceirizadas": salários atrasados, verbas rescisórias não pagas,
condições de trabalho piores, acidentes... Um cenário compatível com o objetivo
de externalização de custos e responsabilidades. Para quem não o vivencia,
alguns dados do Dieese, amplamente divulgados, mostram que terceirizados
trabalham mais horas, recebem menos e sofrem mais acidentes.
E o tal "aumento da produtividade"? Para
José Fucs, em opinião publicada em blog no site da Revista Época, a
terceirização, “além de reconhecer uma prática que se espalhou pelo setor
produtivo, vai permitir a redução significativa dos custos trabalhistas, que
minam o empreendedorismo, e o aumento da competitividade do Brasil na arena
global".
O autor ajuda a compreender como se chegaria ao
suposto resultado: com a redução significativa dos custos trabalhistas! E, se
os custos em si (salário mínimo, encargos legais) permanecem os mesmos, é claro
que essa redução se dará, na prática, com a diminuição de postos de trabalho ou
de salários - muito provavelmente, de ambos - e, ainda, com a piora das
condições de trabalho.
Do outro lado, os que criticam o projeto de lei,
especialmente sindicalistas, frequentemente têm sido acusados de estarem apenas
defendendo "privilégios". É evidente o esforço em tentar
desqualificar o interlocutor e não as ideias. Seria como se eu me limitasse a
dizer que os veículos de comunicação que defendem a liberação da terceirização
o fazem apenas para defender seus privilégios, já que alguns foram flagrados
pelo MPT e condenados pela Justiça pela prática de "pejotização", uma
fraude aos contratos de trabalho.
Prefiro reconhecer o direito de todos de manifestar
as respectivas opiniões e a legitimidade destas. Prefiro o debate de ideias,
mas ele precisa ser justo, transparente e feito em igualdade de condições, com
respeito, enfim, à liberdade de expressão e informação. A divergência de
opiniões é salutar e inerente à vida em uma sociedade democrática, mas o debate
público e a exposição dessas ideias pelos veículos de comunicação não podem
ignorar outros pontos de vista - e, principalmente, os fatos.
THIAGO GURJÃO ALVES RIBEIRO é Procurador do
Trabalho em Mato Grosso
Créditos da foto: Adonis Guerra/ SMABC
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