quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Ignacio Delgado, sobre a crise econômica: Complicado com Dilma, retrocesso total sem ela

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QUATRO RAZÕES PARA LUTAR CONTRA O GOLPE, APESAR DA POLÍTICA ECONÔMICA
por Ignacio Delgado, especial para o Viomundo / http://www.viomundo.com.br/
1. Defesa da democracia.
Com todos os seus problemas, a ordem democrática em vigor é uma conquista do povo brasileiro, que contou com participação fundamental dos trabalhadores e suas lutas. Um de seus fundamentos é a constituição de governos através da vontade manifesta nas urnas. Derrubar governos na esteira de fenômenos transitórios como índices de popularidade acentua a instabilidade das regras democráticas e anula o processo eleitoral como elemento chave da expressão da soberania popular. Não há fundamento constitucional para o processo de impedimento de Dilma. A revanche dos derrotados e a insatisfação momentânea não o justificam.

Coonestar com isso, na expectativa de favorecer a afirmação de qualquer interesse, ainda que, ilusoriamente, o dos trabalhadores, é abrir espaço para a contestação recorrente dos resultados eleitorais. Dada a concentração oligopólica da mídia e de suas afinidades com a direita, a tendência é que tais contestações se dirijam a governantes alinhados com forças políticas nacionalistas e/ou de esquerda.
Evocar o exemplo de Collor é impróprio. O processo de impedimento de Collor foi desencadeado pelo depoimento do irmão e de um funcionário de sua residência, que alegavam ter presenciado ações para benefício pessoal e de familiares do “caçador de marajás”. Foi rifado por ser um outsider, que se elegeu dado o cenário bonapartista criado com o risco da eleição de Lula, em 1989, num quadro de fragmentação da direita. Não tinha laços orgânicos com as elites econômicas e as forças políticas conservadoras.
2. Preservar o marco regulatório do Pré-Sal.
O quadro no Congresso já é difícil para deter a ofensiva entreguista. Com Dilma, ainda resta o veto do presidente.
Num governo Temer ou Aécio (na hipótese de impugnação da chapa Dilma-Temer pelo TSE, seguida de novas eleições), restará apenas a resistência dos movimentos sociais. A defesa do Pré-Sal, contudo, não é um tema capaz de garantir uma vontade férrea e intransponível, num ambiente de desmoralização do PT, de realinhamento da mídia e de ampla sustentação conservadora do novo governo.
O atual marco regulatório institui o sistema de partilha, define a Petrobrás como operadora única do Pré-Sal e estabelece a obrigatoriedade de sua presença em 30% das explorações, garantindo ao país o controle sobre a mais importante reserva de petróleo recentemente descoberta no mundo. Sua eliminação redundará em perda de recursos para a educação e enfraquecerá a Petrobrás, um instrumento decisivo de política industrial e de inovação, através da política de conteúdo nacional e do investimento em novas energias.
3.Assegurar os direitos do trabalho e o ambiente para que a retomada do crescimento mire a inovação e não a redução do custo do trabalho.
As medidas do ajuste fiscal que alcançaram o seguro-desemprego, o abono salarial e a previdência, conquanto controversas, afetam políticas compensatórias, em meio a preocupações fiscais, mas não propriamente o custo do trabalho. Na década de 1990 sua redução era pedida pelos empresários para compensar a abertura da economia, como se fosse possível buscar a competitividade das empresas com o trabalho barato no Brasil, um país que já completou sua transição rural-urbana e não dispõe dos reservatórios de força de trabalho de países como a China e a Índia, que a vivenciam hoje.
Nos governos de Lula e Dilma, políticas como a elevação do salário mínimo miravam um novo arranjo, em que a elevação dos rendimentos do trabalho favoreceria a disposição inovadora das empresas. O câmbio sobrevalorizado e a pressão dos importados mitigou tal perspectiva. Boa parte dos problemas de Dilma com os empresários estão associados à sua coerência na preservação do arranjo inaugurado em 2003, quando vetou, em seu primeiro governo, a eliminação das multas sobre o FGTS em caso de demissão e garantiu a política de valorização do salário mínimo.
Hoje, com a desvalorização cambial é possível retomar o horizonte de retomada do crescimento com elevação da renda e estímulo à inovação. Sem Dilma fica aberta a porta para o regresso social e sequer o veto à terceirização das atividades fins restará para impedir que a redução do custo do trabalho venha a ser definido como central na política econômica.
4. Garantir a continuidade no combate à corrupção.
As direções do PT ainda devem à base partidária e aos milhões de trabalhadores que apostam nele para construir um Brasil mais justo e soberano, explicações cabais porque não foi colocado na agenda, em momentos mais favoráveis, a proposta da reforma política. Devem, ainda, operar uma profunda revisão de seu alinhamento com as práticas políticas tradicionais. Esse passo é fundamental para preservar os laços do PT com os trabalhadores que, na sua ausência, estariam condenados a mais uma longa travessia na construção de identidades políticas viáveis, em meio e enorme bombardeio conservador.
Os governos do PT, contudo, mais do que qualquer outro, favoreceram o combate à corrupção, com medidas como a criação da CGU, do Portal da Transparência e do fortalecimento e não interferência nas ações do Ministério Público e da Polícia Federal. É o escandaloso aparelhamento de segmentos desses dois por nichos vinculados à oposição, seduzidos pelo embalo da mídia, que conduziu ao cenário em que vivemos, no qual ações idênticas são tratadas de forma diferente e escândalos que atingem pessoas da oposição são acobertados, de modo a criminalizar apenas o PT e converter, numa operação fascista, o petista no novo inimigo do povo. O que esperar, todavia, dos governos da oposição e seus aliados na mídia, senão os velhos engavetamentos?
Preservar democracia, a soberania nacional, os direitos do trabalho e o combate à corrupção são motivos suficientes para lutar contra o golpe. Em meio a tal combate é justo buscar a revisão da política econômica. Ela, contudo, não pode ser motivo para a deserção ou a indolência. Complicado com Dilma. O total retrocesso sem ela.
Ignacio Godinho Delgado é professor de História e Ciência Política na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.

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