Ellen Brown – The Public Bank Solution: from
Austerity to Prosperity – Third Millenium Press, Baton Rouge, 2013, 471p. ISBN
978-0-9833308-6-8
Nossa constituição determina que
o sistema financeiro nacional seja 'estruturado de forma a promover o
desenvolvimento equilibrado do País'
Ladislau Dowbor / www.cartamaior.com.br
Ellen Brown vai direto ao ponto:
“Os bancos são de propriedade e controle privados, com o mandato de servir aos
interesses limitados dos seus acionistas; e esses interesses e o interesse
público frequentemente entram em conflito. O que é bom para Wall Street não é
necessariamente bom para a economia...O edifício bancário privado constitui uma
máquina massiva cujo objetivo principal é o de se manter a si mesmo. O que está
sendo preservado é uma forma extrativa de atividade bancária que está se
provando ser insustentável, e que atingiu os seus limites matemáticos. Um
parasita que devora a sua fonte de alimentação e que perecerá junto com a sua
fonte de alimentação”.(419) Quando vemos no Brasil o Banco Itaú aumentando em
22% nos últimos 12 meses os seus lucros já fenomenais, numa economia parada,
temos de prestar atenção. Este enriquecimento vem de onde?
O caos planetário gerado pelos
sistemas financeiros privados, tal como existem desde a desregulação a partir
dos anos 1980, só não vê quem não quer. E também – isto é crucial – quem não
tem acesso a informações sobre como funcionam, e isto significa a imensa
maioria da população. Professores, advogados, engenheiros, políticos dos mais
variados tipos, com algumas honrosas exceções, simplesmente não entendem. Na
realidade, não há tanto mistério nisto, pois apesar do dinheiro sob suas
diversas formas ser na era moderna o principal vetor de organização da
sociedade, por alguma razão os seus mecanismos não figuram em nenhum currículo
escolar. Mesmo nos cursos superiores, simplesmente não figura, a não ser em
economia, e ainda assim na versão assexuada, ou seja, aquela que não implica
entender quem efetivamente se apropria do dinheiro e de que maneira, pois isso
já seria política.
Depois de ter deixado a sua forma
material – ouro ou outra expressão que tem valor em si – e depois de ter
abandonado até o papel-moeda que hoje tem importância marginal, o dinheiro passou a ser apenas uma notação
magnética, imaterial, com imensa volatilidade, podendo ser criada e transferida
na velocidade da luz. Os mecanismos deste universo planetário são dominados por
grandes corporações, em particular os 28 bancos “sistemicamente
significativos”, onde trabalham especialistas que estes sim entendem tudo deste
novo universo, onde o enriquecimento não se atinge produzindo riquezas, como no
bom velho capitalismo, mas gerando sinais magnéticos que dão aos seus
detentores direitos sobre o produto dos outros.
Joseph Stiglitz chamou justamente
a atenção para a importância desta “assimetria de informação”. Um número
crescente de instituições hoje trabalham para cobrir o fosso, como o Tax
Justice Network, o Global Financial Integrity e muitas outras, além de
pesquisadores como o hoje indispensável Thomas Piketty. O sucesso deste último,
aliás, não se deve a qualquer genialidade particular, mas ao fato de ter
explicitado como o sistema funciona. E quem leu, passa a entender, e esta
coincidência entre a explicação e o universo que vemos é que gera o sucesso.
Passamos a entender. Isto é boa ciência.
Piketty explica uma dimensão
global: quando os ricos, em vez de investir, passam a fazer aplicações financeiras,
ganhando dinheiro com dinheiro e não com a produção de sapatos, e quando esta
forma de ganhar dinheiro permite inclusive se apropriar do lucro de quem
produz, o sistema se desequilibra. É a tal da financeirização. A importância de
entender os mecanismos não se deve a um preciosismo intelectual, mas ao fato de
que deveremos cedo ou tarde por ordem no sistema. Hoje 85 famílias detêm
(essencialmente sob forma de sinais magnéticos que são “direitos”) mais riqueza do que a metade mais pobre da
humanidade, 3,5 bilhões de pessoas que labutam seriamente. Não é mais possível
não ver o elefante no meio da sala.
O aporte de Ellen Brown é
diferente do de Thomas Piketty: ela destrincha o funcionamento concreto dos
bancos, de como se organiza no dia a dia esta apropriação de riqueza por quem
não produz. A orientação dela é clara: o setor público tem de recuperar o
controle da emissão desses “direitos”, e assegurar que o financiamento sirva a
financiar o desenvolvimento. Subversivo?
O artigo 192 da nossa constituição determina que o sistema financeiro
nacional seja “estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do
País e servir aos interesses da coletividade”, fixando ainda um limite às taxas
de juros reais, sendo que “a cobrança acima deste limite será conceituada como
crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei irá
determinar.” A lei, evidentemente, não determinou nada, pois as eleições são
financiadas livremente pelas corporações, segundo lei de 1997, aliás rigorosamente
inconstitucional.
Nesta era de caos financeiro, o
livro de Ellen é muito bem-vindo. A primeira parte é um resgate do processo
histórico, de Wall Street a Beijing, o que ajuda a entender como se articulam
as instituições criadas e os grandes grupos de interesses. Os inúmeros exemplos
tanto das iniciativas de regulação como da organização diferenciada segundo os
países – a Alemanha com os seus sparkassen, a Polônia com as suas cooperativas
de crédito, a China com os seus sistemas descentralizados de gestão financeira,
o próprio papel da nossa Caixa Econômica Federal e muito outros – ajudam a
entender que este universo pode sim ser resgatado aplicando soluções de
comprovada eficiência. O estudo fecha com propostas de uma nova teoria
monetária, o que ajuda muito.
Uma belíssima leitura, tapando um
imenso buraco negro de informação não só na academia como na população
instruída em geral. Um amplo glossário dos termos técnicos ajuda muito. Não é
um livro para economistas, e sim para qualquer pessoa com boa formação que
queira entender para onde vamos.
Créditos da foto: O LObo de Wall
Street
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