O
governo deveria aproveitar a oportunidade para refundar a política econômica,
liderando um chamado nacional para a retomada do desenvolvimento.
Jeferson Miola /
www.cartamaior.com.br
O
rebaixamento da classificação de crédito do Brasil é, naturalmente, uma notícia
incômoda para o governo. Mas também é um fator de alívio, como aquele espinho
minúsculo encravado no pé e que, uma vez removido, permite caminhar sem mancar.
A
oposição e a mídia oposicionista, compreensivelmente, fazem um escarcéu; pintam
o fim do mundo; tratam como a escala no purgatório da passagem para o inferno.
A
vida real e terrena, entretanto, não condiz com esse alarmismo. O carnaval
político-midiático serve apenas para desestabilizar ainda mais o ambiente
político-institucional e para assanhar a insaciável orgia especulativa. E é
pretexto para a agitação golpista do impeachment.
Nem
uma besta cairia na esparrela da “revoada incontrolável” de investidores e
investimentos sérios para fora do Brasil. Qualquer ser humano em estágio
elementar de consciência sabe que a saúde macroeconômica do Brasil é muito
maior que esta dificuldade momentânea – só em reservas cambiais, são mais de
370 bilhões de dólares. O Brasil está longe da tragédia alardeada pelos cínicos
que, quando governaram, não conseguiram elevar a classificação do país para
nação com grau de investimento, como Lula logrou fazer em 2008.
O
rebaixamento é um fator de alívio da pressão política; com ele, desaparece a
espada de Dâmocles que chantageia o governo com a ameaça da perda do grau de
investimento.
O
rebaixamento é a última profecia da crise econômica provocada pela agenda e
pelo discurso do ajuste que não conseguiu, aliás, entregar nenhuma das suas promessas:
a inflação subiu, os juros são pornográficos, o desemprego é crescente, a
economia paralisada e contraída, a arrecadação em queda, desinvestimento, PIB
negativo e, agora, caída para o grau especulativo.
A
notícia do rebaixamento, neste sentido, encerra o ciclo de surpresas
econômicas. É a última novidade bombástica que faltava surgir. O repertório do
debate político, daqui em diante, será a redundância dos problemas econômicos
bem conhecidos.
O
governo chegou, finalmente, no pior lugar que poderia ter chegado. A partir de
agora, o preço a pagar e o castigo político terá pouca variação. A popularidade
do governo será idêntica com um déficit orçamentário tanto de 0,5% como de 1%,
2% ou de 3%.
Para
a estabilidade política e institucional, entretanto, é preferível suportar um
déficit administrável no curto prazo, do que cortes nos orçamentos obrigatórios
das áreas essenciais. O comprometimento das verbas do SUS, do FIES, Bolsa
Família, MCMV, Pronatec, Prouni, emprego etc, lançará o governo em rota de
colisão contra o principal pilar da sua legitimidade, justo no momento que
necessita apoio popular para frear a marcha golpista.
A
continuidade da recessão, a piora das condições de emprego e cortes nas áreas
sociais poderá comprometer a legitimidade da presidente Dilma e a capacidade de
resistência popular para a preservação do seu mandato legítimo.
Há
um estoque de remédios eficientes para combater o déficit orçamentário. Um
deles, por exemplo, seria a tributação justa de 71 mil ricaços que retêm R$ 1,2
trilhões de patrimônio líquido e que desfrutam da isenção de imposto de renda
concedida pelo FHC em 1997. Dessa fonte, viriam aproximadamente 80 bilhões de
reais por ano.
No
Brasil, a tributação de grandes fortunas e heranças é ridícula. Se fosse
equiparada à média da praticada na maioria dos países do mundo, geraria outros
40 bilhões de reais.
Outro
remédio seria a cobrança da dívida ativa de mais de 1,4 trilhões de reais
devidos ao erário por empresas e sonegadores que abusam de filigranas jurídicas
de um sistema legal que favorece a privatização do Estado através da sonegação
e da corrupção.
Um
quarto medicamento poderia ser oferecido pela Polícia Federal, Ministério
Público e Judiciário. Essas instituições, tão céleres e contundentes na Lava
Jato, poderiam proceder identicamente na chamada Operação Zelotes, que
investiga o sistema de corrupção engendrado por grupos empresariais e de mídia
com funcionários do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério
da Fazenda. O erário poderia recuperar, por aí, os R$ 19 bilhões [três vezes o
montante da Lava Jato] que, estima-se, foram sonegados mediante o pagamento de
propinas.
Antes
de cortar gastos sociais, o governo dispõe de várias alternativas para
enfrentar o desequilíbrio transitório das finanças. A austeridade não é um
remédio, mas um veneno que agrava o ciclo vicioso da economia.
O
governo deveria aproveitar a oportunidade para refundar a política econômica,
liderando um chamado nacional para a retomada do desenvolvimento com medidas
concretas de estímulo à produção, ao consumo, ao emprego, aos investimentos e à
recuperação econômica.
Créditos
da foto: reprodução
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