Wanderley
Guilherme dos Santos
Os
procuradores e autoridades conexas da Lava Jato se declaram profissionalmente
católicos, isto é, de visão universalista, sem aversão aos recém-convertidos ao
mundo da moralidade nem intimidados por altares poderosos. Do mais alto cume ao
modesto montículo da montanha de autoridades, eles anunciam que extrairão a
golpes de delações premiadas, indícios e sussurros, a morrinha da corrupção
exalada pela Petrobrás e sua antiga auréola, agora penico, de empreiteiras.
Esse radicalismo vertical ora se apresenta em discreto namorico com o ferrabrás
princípio de que o fim justifica os meios, ora desconsidera pistas ao recusar
que os mesmos meios possam justificar a descoberta de novos fins. Os agentes
costumam desqualificar as suspeitas sobre a lisura de seus procedimentos por
que se sustentam no valor de face do noticiário da imprensa. Negligenciam o
detalhe de que um noticiário jornalístico fragmentado, além de parcial, é o que
resta ao público interessado. Justificados pela transparência democrática,
quando convém, e pela preservação da inocência de investigados não condenados,
quando assim arbitram, os funcionários da Polícia Federal e do Ministério
Público ora vazam trechos de delações, ora distribuem fotocópias de documentos
sem contexto, ora informam que há novos depoimentos de delatores-arroz-de-festa
e ora liberam balões batizados e crismados com nomes e apelidos de possíveis
futuros presidiários. Tal política de comunicação condiciona a imprensa e,
através dela, os leitores atentos, deixando-os à mingua de uma visão coerente
da catadupa de informações desencontradas, dezenas de nomes que se atropelam
para retornar mais tarde, repetindo-se à exaustão propagandística a tipologia
dos crimes de que estariam sendo acusados. O parentesco com manipulação de
informação e produção subliminar de consenso, negativo, no caso, é inegável.
O
sempre surpreendente desenrolar do processo enfrenta a acusação de estar
contaminado por preferências político-partidárias. Repelida com veemência, por
vezes com petulância e grosseria, a acusação, contudo, se apoia em indícios
genuínos, a limitação temporal da investigação sendo o mais óbvio deles.
Despachos e justificativas oficiais poderão, no futuro, esclarecer porque só
cabem no processo os ilícitos ocorridos durante governos trabalhistas. Ainda
segundo o ralo estoque informativo de que se dispõe, mais de um delator,
implicado, suspeito, indiciado, público ou privado, ofereceu confissões
bastante abrangentes, partidária e temporalmente. São obscuras as razões da
rejeição a esses capítulos confessionais. Pela crua lógica do fenômeno
universal da corrupção, são os partidos no poder que aproveitam as
oportunidades de predação e, aí, sim, constituiria transcendente novidade
histórica a descoberta de grande número de representantes da oposição no
condomínio da ilicitude. Era só o que faltava, diria Maquiavel. Sendo a
presença de oposicionistas naturalmente raras, no período, muito mais
incompreensível é a aversão de juízes, policiais e procuradores a denúncias que
ultrapassem os mandatos do PT e seus aliados.
O
radicalismo vertical da Lava Jato, punindo das mais notórias personagens ao
entregador de envelopes com dinheiro sujo, está longe de ser um processo
efetivamente católico. Distender o eixo horizontal do tempo livraria a
investigação da suspeita de partidarismo vertical por oportunismo temporal.
Para ser católico, o processo e seus agentes devem se render ao tempo cívico e
completar o sinal da cruz.
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