Projeto atenta contra o princípio
da privacidade ao possibilitar que qualquer policial, mesmo sem autorização da
Justiça, tenha acesso a dados do usuário
Najla Passos / www.cartamaior.com.br
A Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) da Câmara deve votar nesta quinta (1) o substitutivo do deputado
Juscelino Filho (PRP-MA) ao Projeto de Lei (PL) 215/2015, de autoria do
deputado Hildo Rocha (PMDB-MA), apelidado de “PL Espião” por ativistas digitais
e organizações de defesa do direito à comunicação e à liberdade de
expressão.
O substitutivo atenta contra o
princípio da privacidade na rede, garantido pelo Marco Civil da Internet (Lei
12.965/14), ao possibilitar que qualquer policial, mesmo sem autorização da
Justiça, possa ter acesso aos dados pessoais e de navegação dos internautas. E,
ainda, aumenta em até cinco vezes as penas para crimes contra a honra (injúria,
calúnia e difamação) cometidos na internet.
“Sabe aquele post que você
escreveu criticando determinado político por sua inoperância no governo?
Cuidado, se o projeto de lei que está em andamento na Câmara for aprovado, você
poderá pegar até seis anos de cadeia por causa disso. Jura? Juro.”, diz o
texto-convite de uma petição online, registrada no Avaaz, em que 128 mil
pessoas se posicionam contra o PL 215/2015 até a noite desta quarta (30).
O PL Espião é polêmico porque
coloca em campos opostos duas garantias constitucionais: o direito à privacidade e o direito à defesa
da honra. Tanto o autor do projeto quanto o relator responsável pelo
substitutivo defendem que o último prevaleça sobre os dois primeiros. Já as
entidades da sociedade civil advogam que é possível compatibilizar todos eles
de forma equilibrada.
Em audiência pública realizada na
terça para debater o tema, o representante do Ministério da Justiça, Marcelo
Chilvarquer, lembrou que a necessidade de se contemplar esses dois direitos foi
uma das polêmicas que pautaram o debate para elaboração do Marco Civil da
Internet, o mais participativo processo de construção de um projeto de lei já
conduzido pelo governo. E, para ele, a solução encontrada pela legislação
aprovada no ano passado é satisfatória e contempla o equilíbrio necessário
entre os dois direitos constitucionais.
Diretor do Instituto Beta para a
Internet e a Democracia e membro do movimento Articulação Marco Civil Já, Paulo
Rená defendeu que a polícia precisa é de treinamento para investigar o mundo
virtual, e não de acesso irrestrito aos dados dos usuários. Como exemplo, ele
citou dados referentes ao combate às fraudes bancárias, que diminuíram 67% nos
últimos anos, informou ele. "Bastou a Polícia Federal se especializar que
mais de 40 quadrilhas foram desmanteladas", comentou.
Relator do Marco Civil da Inernet,
o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), criticou o projeto na reunião seguinte
da CCJ e fez uma defesa do princípio da privacidade na rede, considerado um dos
pilares do marco civil, ao lado dos princípios da neutralidade da rede e da
liberdade de expressão. "Esses dados são como ligações telefônicas, que
têm sigilo e só podem ser acessadas com autorização do Judiciário. O que
estamos decidindo aqui é se queremos ou não o controle do Judiciário",
provocou.
Penas exorbitantes
O promotor Frederico Meinberg
Ceroy, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Digital e coordenador da
Comissão de Direito Digital do Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios (MPDFT), criticou o agravamento excessivo das penas proposto no
substitutivo. Conforme o relator, as penas previstas para os crimes contra a
honra devem ser aumentadas em um terço caso sejam cometidos na internet e, no
caso da vítima cometer suicídio, em cinco vezes. Ele propõe também que os
crimes sejam inafiançáveis.
Ceroy, embora tenha admitido que
cabe ao legislativo definir quais crimes merecem maior ou menor punição,
ressaltou que é necessário que o parlamento respeite o princípio jurídico da
proporcionalidade. “Não se pode tratar crimes contra a honra praticados nas
redes sociais como se fossem crimes hediondos”, alertou.
O autor do PL 215/2015 desmereceu
a opinião dos participantes da audiência pública, ao afirmar que eles não entenderam o propósito
do seu projeto. “Aqui nos estamos legislando para as pessoas de bem. Os
bandidos, eu tenho certeza de estão com seu traseiro apertado, com medo de um
projeto de lei desse ser aprovado”, afirmou. Já o responsável pelo substitutivo
se comprometeu a acarretar sugestões de mudanças e apresentar uma nova versão
do documento, nesta quinta. Caso seja aprovada na CCJ, a matéria seguirá para o
plenário, sem passar por outras comissões.
Créditos da foto: Dennis Skley /
Flickr
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