Em debate organizado pelo Fórum 21, especialistas
mostram porque a mercantilização da empresa surrupiou o direito à água da
população
Najla Passos // www.cartamaior.com.br.br
Uma crise anunciada, que resulta da privatização da
Sabesp, uma empresa de economia mista controlada pelo governo de São Paulo, com
a atribuição de assegurar o abastecimento de água do estado, mas que se
mercantilizou a tal ponto nos últimos anos que acabou por abandonar sua função
pública de garantir o direito da população à água. Este foi o veredito dos
debatedores que participaram dos “Seminários para o Avanço Social”, promovido
pelo Fórum 21, para a crise da água em São Paulo.
O geólogo Delmar Mattes, ex-secretário de Vias
Públicas e de Obras da Prefeitura na administração de Luiza Erundina e membro
do Coletivo de Luta pela Água, afirma que São Paulo já vivenciava uma grave
situação de insegurança hídrica muito antes das variações climáticas resultarem
em falta de chuvas na região, devidamente identificada e denunciada por
diversos técnicos. “Esta é uma crise anunciada. Nós já vivíamos na iminência de
uma crise hídrica”, atesta.
Além disso, ele ressalta que a falta d´água este é
apenas um aspecto desta crise. E nem mesmo o mais grave deles. “Hoje, cerca de
40% da população de São Paulo está sofrendo cortes de abastecimento. Mas a
crise é também da qualidade desta água. Aliás, a crise é muito maior em relação
à qualidade, não querendo desprezar a falta de água”, alerta. Conforme o
geólogo, a má qualidade já afeta todas as formas de captação, da rede pública
até às cisternas usadas por muitos condomínios.
Para ele, isso ocorre porque a qualidade da água
não é prioridade para a Sabesp, uma empresa mista que tem colocado o lucro
acima de tudo. “Em 10 anos, a Sabesp distribuiu R$ 4,2 bilhões em dividendos,
dinheiro este que poderia ter sido aplicado em saneamento básico”, aponta. O
geólogo aponta também o excesso de terceirizações como sintoma dessa busca
desenfreada pelo lucro, que já afeta a maior parte dos serviços da empresa e
prejudica a qualidade do serviço ofertado.
Mattes alega que a água é um bem público que jamais
poderia ser submetido à lógica de exploração privada. Segundo ele, é essa
logica que permite, por exemplo, que os clientes com consumo igual ou superior
a 500 mil metros cúbicos – ou seja, as grandes empresas – paguem tarifa
reduzida e tenham seu abastecimento priorizado, em detrimento dos pequenos
consumidores das regiões periféricas.
Dentre os desafios colocados, ele ressalta a
importância da aprovação do projeto de lei de autoria do PT que propõe a
reestatização da Sabesp, mais participação popular nas decisões sobre a
política hídrica do estado, recuperação dos mananciais mais próximos ao centro
urbano, dentre outros.
A engenheira sanitarista Érika Martins, que também
é do Coletivo de Luta pela Água, acrescenta que a causa da crise hídrica está
também no conflito permanente entre os setores de abastecimento e enérgico, com
o último tomando sempre vantagens. “As políticas públicas em São Paulo não
priorizam o abastecimento”, afirma.
Segundo ela, o processo de privatização fragilizou
a Sabesp e permitiu que a empresa fosse sequestrada pelos interesses do
capital, situação esta muito agravada pela falta de transparência na gestão e
de abertura para a participação popular. “Os comitês estão esvaziados e as
relações entre os representantes de empresas de consultoria, empreiteiras e
gestores públicos são bastante promíscuas”, denuncia.
Ex-funcionária da Sabesp, ela explica que a lógica
da empresa hoje é gastar o mínimo necessário para manter o sistema, não
investindo sequer em reparação. “é uma lógica totalmente mercantilista: pra que
distribuir um pouco mais da água produzida para pobres que não vão consumir
muito mesmo? Melhor enviar logo para os centros de consumo”, ironizou.
A militante também criticou a dificuldade das
organizações que conseguirem espaço na mídia para apresentar uma narrativa
sobre a crise diferenciada daquela sustentada pelas gordas verbas publicitárias
do governo de São Paulo. “As organizações não conseguem dialogar com a
população e as pessoas vão se acostumando a um nível ruim de serviço, que
começam a achar que é assim mesmo, que não são merecedores de um tratamento
melhor”, lamentou.
Créditos da foto: Eduardo Saraiva/ A2IMG
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