Há pouco, na roda de amigos reunidos para o café da
manhã no Bar Clementi, na Via Gallia, no bairro San Giovanni, aqui em Roma onde
me encontro, Marcella sentenciou: “É uma nova guerra, com um novo formato.
Antes mandavam soldados, aviões e tanques para as frentes de combate. Hoje as
trincheiras estão dentro das cidades, e há pessoas dispostas a matar e a morrer
em nome de Deus”; leia texto de Luis Pellegrini, editor da revista Oásis
Por: Luis Pellegrini – de Roma, Itália /
A televisão ligada fornece continuamente notícias
sobre os atentados de Paris. Sobre a mesa, um monte de jornais recém estampados
mostram detalhes da carnificina terrorista ocorrida na noite de ontem. Cerca de
160 mortos e mais de 250 feridos, alguns em estado grave é o que dizem os
primeiros balanços.
Marcella e os demais romanos presentes no Bar
Clementi têm no rosto uma expressão estranha, difícil de ser definida, uma
mistura de preocupação, medo, perplexidade e de mais algum sentimento que não
consigo definir. Já conhecia esse ricto facial: é o mesmo que vi aflorar na
cara dos franceses, em Paris, onde me encontrava naquele 11 de setembro quando
Bin Laden e companheiros derrubaram as Torres Gêmeas. Nós, brasileiros,
praticamente desconhecemos essa máscara: só quem de alguma forma viveu de perto
os horrores das duas últimas guerras mundiais, ou de algo que as valha, é capaz
de ostentá-la.
Os sintomas de que algo estava para acontecer
pairavam no ar em Paris, na semana passada, quando lá estive. Fui ao aeroporto
Charles de Gaulle levar nossa amiga e colaboradora de Brasil247, a jornalista
sueca Anne Palmers, que retornava à casa, em Gotemburgo. O Terminal 2G é um dos
menores desse aeroporto, atende apenas aviões de porte médio e tem relativo
pouco movimento. Anne e eu tomávamos um café, antes do check-in, quando
chegaram dez policiais militares franceses, vestidos com roupas e equipamento
de combate, empunhando submetralhadoras. Percorreram todo o perímetro do
terminal, examinando com o olhar cada um dos passageiros ou acompanhantes
presentes. Depois do exaustivo exame, 8 deles foram embora. Dois ficaram,
ocupando posições estratégicas no interior do terminal.
“Morei mais de dez anos em Paris e nunca vi uma
coisa dessas”, comentei com Anne. Ela retrucou: “E não vá nestes dias a
Estocolmo, se não quiser ver um espetáculo ainda mais deprimente. Meu filho me
telefonou hoje dizendo que milícias neonazistas fardadas desfilam pelas ruas da
nossa capital”.
No retorno a Paris, saindo do aeroporto, tomei o
ônibus errado: em vez de subir no que ia para a Étoile, subi no que ia para a
Ópera. Tudo bem, o local fica apenas um pouco mais longe do meu endereço. Mas,
ao descer no ponto final, em frente à Galeria Lafayette, um outro show da
Europa contemporânea me aguardava: sob os toldos que protegem as vitrines de
artigos de luxo, dezenas de famílias de refugiados sírios e iraquianos se
acotovelam, deitados no chão gelado das calçadas. Entre eles, jovens, velhos,
crianças. Vi mais de uma mãe amamentando no peito bebês de poucos meses.
Atualmente, aqui na orgulhosa Europa Ocidental, não
é preciso ir-se até um ponto qualquer de fronteira para testemunhar espetáculos
como esse. É suficiente perambular pelas ruas das grandes cidades. Os
refugiados do Médio Oriente chegam aos milhares, conseguem atravessar
fronteiras e chegar à grandes cidades. Nelas, com o inverno próximo, as
calçadas representam o ponto final. E as populações locais protestam e se
rebelam. As cabeças aqui, nas últimas décadas, foram feitas para os desfrutes
de uma Europa Unida opulenta e segura. Ninguém quer que essa perspectiva mude.
Sabemos todos onde desembocam situações desse tipo:
na radicalização fascista. Este é, desde sempre, o refúgio do cidadão europeu
médio – e talvez de qualquer outro cidadão médio no mundo todo. Atemorizado,
sentindo-se acossado e em perigo, é difícil que esse cidadão não sucumba à
atração das “soluções radicais”.
O filósofo francês Marek Halter é um dos primeiros
a se manifestar nesse sentido. Seu histórico de vida é bem recheado: ele viveu
os horrores do nazismo, conseguiu fugir do ghetto de Varsóvia, escapou da
repressão soviética. O cabaré Bataclan, em Paris, onde foi trucidada a maior
parte das vítimas dos atentados de ontem à noite, fica a poucos metros da sua
casa...
As considerações de Marek Halter não deixam margem
a dúvidas: “Tenho quase uma certeza: o que está acontecendo ajudará a extrema
direita nas próximas eleições. Ela ganhará milhões de votos. Marine Le Pen
estará a um passo da Presidência da República. E a democracia na França estará
em perigo. As pessoas têm medo, e se abrem aos extremismos. Não é impossível
que amanhã aconteçam ataques contra os muçulmanos que vivem na França, ou
atentados contra as mesquitas”.
Tempos duros para a França, para a Europa, para o
mundo. Volto para São Paulo amanhã. Espero que no embarque em Fiumicino não me
façam abrir as malas em busca de alguma bomba inexistente... E, mais ainda, no
Brasil, espero que nossos líderes, todos eles, de esquerda, de direita, do
centro, os de cima e os de baixo, abram os olhos e percebam em profundidade o
que está acontecendo no mundo. E parem essa guerra intestina que provavelmente
não levará a lugar algum, para se dedicar a um diálogo inter partes sóbrio e
adulto que leve a conclusões que não rodeiem apenas os umbigos partidários, mas
que realmente favoreçam a coletividade. Sem exagero, poderemos ser, dentro em
breve, uma das poucas ilhas de paz em todo o mundo...
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