quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Venezuela: abandonar progressivamente o Mercosul e reforçar laços com o Caribe e a ALBA?

Valter Campanato/ABr
A crise e a queda dos preços das matérias-primas, que está afetando todos os países do Mercosul, além de uma ameaça, também envolve muitas oportunidades.

Claudio Della Croce* // www.cartamaior.com.br

Vem sendo difícil compreender a estratégia tanto exterior quanto regional do governo venezuelano em momentos de crise econômica. O que observamos agora, em novembro de 2015, é um realinhamento da estratégia de integração: Caracas se aproxima dos aliados e dos que representam uma maior eficiência política (em termos de apoio). Nesse sentido, o Mercosul é abandonado e o Caribe é reafirmado, propondo uma Zona de Complementação Econômica do Oriente (numa menção ao oriente venezuelano).

O Caribe, tradicionalmente marginalizado por todo o Sul, é um dos eixos estratégicos que a Venezuela vem cultivando desde que o chavismo é governo, especialmente pela acertada visão geopolítica de Chávez. Essa estratégia vem demonstrando ser eficiente em termos de apoio político. O Caribe entrega ao país um apoio fundamental. Na medida em que se tinha uma renda petroleira financiando a relação com o Caribe, se podia estabelecer uma troca na qual a Venezuela ganhava politicamente e os estados do Caribe ganhavam economicamente.

Agora, Maduro tenta reafirmar essa estratégia caribenha, cujo modelo é a PetroCaribe. A pergunta é: qual a importância que essa estratégia pode ter, não só em termos políticos, mas também em termos econômicos, numa conjuntura onde a economia venezuelana sofre pela falta de liquidez externa e atravessa um momento dramaticamente crítico de guerra econômica, com inflação e escassez? O Caribe mostrou apoio político no passado recente, mas o governo venezuelano não conta com a renda petroleira que alimentava os fundos externos numa magnitude que permitia financiar os seus aliados com baixíssimos juros, sacrificando, de forma altamente arriscada, o fluxo de caixa, tanto da petroleira estatal PDVSA como do Banco Central.

Esta estratégia regional hoje se depara com uma situação de vulnerabilidade geopolítica, que é altamente desvantajosa: rodeada pelos conflitos políticos com a Colômbia e a Guiana, e enfrentando ataques econômicos e diferendos territoriais. O acosso econômico que observamos em toda a região é orquestrado por Washington, com a cumplicidade da Europa, embora o maior bloqueio seja o virtual, realizado pelos poderes midiáticos.

As corporações midiáticas trabalham em rede (jornais/rádios/canais de tevê do Uruguai, da Argentina, do Chile, da Colômbia, da Espanha), organizadas em cartel, para criar uma matriz de notícias negativas contra a Venezuela, qualificando seu atual sistema político de antidemocrático, ditatorial, totalitário, vulgar, caribenho, antiocidental, atrasado, falido, narcotraficante, bárbaro… Alguns governos da América do Sul, como o Paraguai, incrementam seu ataque, enquanto outros começam a condicionar seu apoio político através de claras chantagens, como alguns fatores de poder dentro da Frente Ampla do Uruguai, e da complexa institucionalidade do Brasil.

É importante ver as consequências econômicas e políticas desta racionalidade política.

Se aproximar dos que estão perto: o Caribe

Em primeiro lugar, não temos cifras sobre o quão significativo é o intercâmbio econômico (investimentos, complementariedade, turismo e comércio) com o Caribe, apesar da realidade dos estados venezuelanos revelar que esse mesmo acesso direto ao Caribe propicia também um intenso intercâmbio de contrabando, que aproveita desde o camarão produzido no Estado de Zulia até a venda de gasolina através das embarcações pesqueiras, a partir da península de Paria até as ilhas próximas, paraísos fiscais onde se pode conseguir dólares. O governo, em termos políticos, toma uma decisão baseada fortemente na racionalidade, levando em conta a economia real. E quando dizemos “real” é a atividade econômica realizada pelas regiões, habitantes e povoados nas fronteiras marítimas com a região do Caribe. Porém, em comparação com o Mercosul, não temos uma quantificação que permita ponderar quanto o Caribe aporta e pode aportar, e se essa magnitude de recursos é maior que o que os países do Mercosul oferecem e podem oferecer – lembrando que estamos falando de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

Abandonar o Mercosul

Avaliar o “abandono” do Mercosul, por parte da Venezuela, é quase uma tautologia. Se uma coisa se pode dizer do governo venezuelano, independente dos discursos nas cúpulas presidenciais, é que não levou a sério sua incorporação ao bloco regional. Parece que a dimensão econômica quanto a uma estratégia a longo prazo, além das razões políticas, era uma das certezas que Chávez tinha, mas que não foram assimiladas pelos líderes chavistas atuais.

É tal o abandono e a falta de atenção que se dá ao Mercosul, que o “coordenador nacional” da Venezuela que aparece nas notas internas do Mercosul não exerce essa função há mais de dois anos, e isso é algo que preocupa os demais sócios. Desde que o funcionário que ocupava o cargo parou de trabalhar – nunca renunciou e se dedicou a outros dos cargos que exercia simultaneamente – o governo não designou o novo coordenador nacional, apesar da importância dessa figura. Como consequência, o atraso na incorporação normativa da Venezuela é enorme: nos três anos desde a sua incorporação, o país não avançou significativamente nem aproveitou estrategicamente esse esquema de integração. Alguns técnicos chegaram a afirmar que chega a ser inusitado o fato de o tratado de livre comércio do Mercosul com a União Europeia ter avançado muito quando a Venezuela exerceu a presidência pro tempore do grupo, em 2013. Para muitos, a seriedade com que o governo de Nicolás Maduro assume a incorporação ao Mercosul é questionável, já que se nota um alto grau de improvisação e uma grande dose de displicência.

Esta atitude de superficialidade com o Mercosul, vai na contramão dos discursos do presidente venezuelano: em 2013, ele disse que o Mercosul era uma das “missões” de sua responsabilidade, e chegou a lançar um projeto chamado Missão Mercosul, em pleno Teatro Municipal. Recentemente, na Cúpula de Brasília (em julho de 2015), sua presença foi fundamental não só para conter os ataques contra a Venezuela mas para conter as tentativas do chanceler do Uruguai, Rodolfo Nin Novoa, e do presidente do Paraguai, Horacio Cartes, que queriam “abrir” o bloco às correntes de livre comércio. O discurso de Maduro durante o encontro foi um ato de confirmação dos princípios esboçados por Chávez, e que coincidiram com as visões de Néstor Kirchner e de Lula da Silva, para configurar o que se chamou de Novo Mercosul.

Mas, nos últimos três anos, Caracas não tem conseguido superar essa retórica progressista, e tampouco pode colocar em marcha as medidas e projetos concretos para o avanço do bloco, se limitando às simples tarefas de se adaptar na medida do possível. Vem aproveitando as oportunidades que as enormes economias do Mercosul oferecem para fortalecer sua economia, especialmente neste momento de crise econômica, mas não desenvolveu propostas progressistas para incrementar a integração produtiva, a redução das assimetrias, a participação social, a agricultura familiar, a dimensão social, temas que Hugo Chávez sempre destacava.

As delegações da Venezuela se limitam a assistir às reuniões, receber broncas do Brasil por seu atraso na “adequação normativa”, o que obriga a dar explicações (nem sempre convincentes) sobre essa atitude. Evidentemente, há razões que justificam as dificuldades da Venezuela para assistir às reuniões do Mercosul, como bem lembram os negociadores venezuelanos, a começar pelo fato de que as linhas aéreas mantêm um forte bloqueio à Venezuela, limitando ao mínimo a venda de passagens, sem contar as restrições de divisas, impostas pela profunda queda dos preços do petróleo.

Servem como desculpa, mas o problema parte da falta de um trabalho consistente, coerente, coletivo, entre todas as instituições envolvidas no Mercosul. Um dos ministérios que mais ausência tem registrado nas reuniões ordinárias do Mercosul no último ano é Ministério do Comércio, o que é um indicador da atitude de abandono ao bloco, especialmente porque os temas comerciais são uma das partes mais significativas dessa instância. Isto revela a parte mais insólita da incoerência entre o discurso e a ação com respeito ao Mercosul.

Além desse desânimo da Venezuela com respeito à sua participação no Mercosul, também existe a campanha pela restauração do “velho Mercosul” neoliberal, surgida de dentro do bloco, e que vem se armando, trabalhando em favor da flexibilização. Os setores que promovem essa ideia também participam na agressiva campanha de descrédito da Venezuela, e falamos não somente dos grupos reacionários pertencentes aos governos do Uruguai e do Paraguai, mas também à direita fortalecida na Argentina e no Brasil.

As propostas de levar o Mercosul a retomar o caminho do neoliberalismo inclui declarações onde se propõe timidamente (no caso do Uruguai) ou abertamente (no caso do governo paraguaio e da direita argentina e brasileira) a saída da Venezuela do Mercosul, “pelo caráter autoritário e antidemocrático do seu atual governo”. O candidato conservador argentino Mauricio Macri, que tem boas possibilidades de destronar a hegemonia peronista-kirchnerista na Casa Rosada, tem entre suas promessas políticas a iniciativa de tirar a Venezuela do Mercosul.

No Uruguai os setores econômicos e a direita reacionária dentro e fora da Frente Ampla exercem uma ação de chantagem contra a Venezuela, ao pressionar Caracas a pagar as exportações e garantir um mercado, enquanto mantém, ao mesmo tempo, uma campanha agressiva contra o país caribenho através de suas trincheiras midiáticas e políticas – entre elas, a posição do secretário-geral da OEA, o uruguaio Luis Almagro.

O problema não é que os governos ou os grupos empresariais e latifundiários que exercem o poder nesses governos se comportem da forma que se comportam, mas sim que na Venezuela parece não existir a consciência do grande poder político-econômico que tem o fato de ser um grande comprador. E, ao mesmo tempo, sua estratégia de integração começa a ser escamoteada pelos grupos econômicos que se instalaram na nomenclatura bolivariana. A partir desse ponto de vista, parece contraditório que seu ministério de Alimentação termine importando lácteos da Nova Zelândia, em piores condições de comercialização, contradizendo a estratégia de integração regional.

A Venezuela chegou a ser o primeiro mercado de destino dos produtos lácteos do Uruguai, um dos destinos mais importantes dos investimentos do subimperialismo brasileiro (Odebrecht, por exemplo), e ofereceu incríveis negócios aos empresários argentinos (que terminaram vendendo carne a preços exorbitantes, por exemplo). A revolução de Chávez, nos tempos de abundância, foi solidária (não na retórica, mas sim na prática) com o Uruguai e a Argentina, através de esquemas de financiamento. Sabemos que Chávez não o fez porque esperava uma retribuição, mas sim por sua profunda convicção doutrinária e política. Mas hoje, aqueles que foram apoiados pelo processo venezuelano nos momentos em que suas economias estavam condenadas a profundas crises, neste momento crucial para a consolidação política das alternativas progressistas, não só passaram a dar as costas como se oferecem como mediadores para que o imperialismo possa submeter, reduzir e pulverizar o modelo bolivariano.

São momentos duros, não para se amedrontar, mas sim para praticar um pragmatismo revolucionário. Há oportunidades econômicas gigantescas para o projeto socialista venezuelano, não só no Caribe mas também nessas imensas economias que formam o Mercosul. A crise capitalista e a queda dos preços das matérias-primas, que está afetando todos os países do Mercosul e da Unasul, além de uma ameaça, também envolve muitas oportunidades. Basta deixar de improvisar e demonstrar que os revolucionários podem ser eficientes sem se curvar, mantendo os princípios altivos.

* Economista argentino, especialista em temas de integração.

Tradução: Victor Farinelli


Créditos da foto: Valter Campanato/ABr

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