Em entrevista, o cientista
político e professor José Luís Fiori comenta a situação do continente às
vésperas do Fórum Social Mundial, que começa nesta terça-feira 19 em Porto
Alegre; "Agora mesmo, na Argentina, acaba de ser eleito um novo presidente
que é partidário entusiasta das ideias e políticas neoliberais, e que é quase
um sósia ideológico do senador Aécio Neves, que teve uma votação mais do que
expressiva nas últimas eleições brasileiras. E o mesmo já havia ocorrido no
Chile, e parece estar se anunciando na Venezuela", observa
247 – A um dia do Fórum Social
Mundial, que começa nesta terça-feira 19 em Porto Alegre, onde reúne ativistas
de esquerda, intelectuais, organizações estudantis e centrais sindicais, o
cientista político e professor José Luís Fiori faz uma análise sobre a situação
política atual da América do Sul, continente que, para ele, "está rachado
ideologicamente".
"Agora mesmo, na Argentina
acaba de ser eleito um novo presidente que é partidário entusiasta das ideias e
políticas neoliberais, e que é quase um sósia ideológico do senador Aécio
Neves, que foi derrotado nas últimas eleições presidenciais brasileiras, mas
que teve uma votação mais do que expressiva. E o mesmo já havia ocorrido no
Chile, e parece estar se anunciando na Venezuela", observa, em entrevista
concedida à jornalista Letícia Duarte, do jornal Zero Hora.
"Ou seja, tudo indica que a
América do Sul segue rachada ideologicamente, e uma parte significativa de suas
elites, da sua imprensa e de sua população continua alinhada com a ideologia
neoliberal, que segue sendo dominante nos EUA e na Europa", complementa o
professor, que lembrar ter estado presente na reunião inaugural do FSM, em
2001, e se considera um "observador atento" do evento desde então.
Leia abaixo a entrevista:
Por Letícia Duarte, do Zero Hora
// http://www.brasil247.com/
Na primeira edição do Fórum Social Mundial, em 2001, o discurso era
marcado por uma crítica ao neoliberalismo, à globalização e à miséria. Nesses
15 anos, o Brasil e o mundo mudaram bastante. O senhor acha que estas mudanças
superaram o neoliberalismo ou reduziram a miséria, na direção proposta pelo
FSM? Quais os seus novos desafios?
Uma coisa difícil é sempre
aceitar que a velocidade das transformações históricas é sempre menor do que a
gente desejaria que fosse. Nestes últimos 15 anos houve uma diminuição sensível
da miséria em muitos países asiáticos e sul-americanos, e mesmo em alguns
países africanos. Mas ao mesmo tempo, neste mesmo período, ocorreu um grande
aumento do desemprego e da desigualdade social, na Europa e nos EUA. E não há a
menor dúvida que o neoliberalismo segue sendo a ideologia hegemônica em quase
todo o mundo ocidental, apesar de que tenha diminuído a crença ingênua na
utopia da globalização. Neste sentido basta olhar para os principais países
sul-americanos para medir o peso e a influência atual das ideias e propostas
neoliberais. Agora mesmo, na Argentina acaba de ser eleito um novo presidente
que é partidário entusiasta das ideias e políticas neoliberais, e que é quase
um sósia ideológico do senador Aécio Neves, que foi derrotado nas últimas
eleições presidenciais brasileiras, mas que teve uma votação mais do que
expressiva. E o mesmo já havia ocorrido no Chile, e parece estar se anunciando
na Venezuela. Ou seja, tudo indica que a América do Sul segue rachada
ideologicamente, e uma parte significativa de suas elites, da sua imprensa e de
sua população continua alinhada com a ideologia neoliberal, que segue sendo
dominante nos EUA e na Europa, apesar das recentes vitórias eleitorais em
alguns países mediterrâneos de partidos e movimentos contrários às políticas de
austeridade e
às reformas neoliberais
patrocinadas por Bruxelas, com o decidido apoio da Alemanha, França e
Inglaterra. Por isto, do meu ponto de vista, segue sendo um desafio e um
objetivo das forças progressistas, a lenta construção de uma nova hegemonia e
de uma nova coalizão de forças que seja capaz de levar a cabo uma verdadeira
revolução democrática no continente, sustentando ao mesmo tempo uma estratégia
de desenvolvimento econômico que não se submeta ao ideário neoliberal.
Na sua avaliação, qual o maior legado do FSM? Que conquistas e desafios
o senhor destacaria nesse período?
Eu participei muito pouco da
história do FSM. Estive presente apenas na sua reunião inaugural de 2001, e
enviei uma palestra que foi lida na reunião de 2002. Depois disto, fui apenas
um observador atento, mas distante de sua evolução dentro e fora do Brasil.
Assim mesmo, acho que seu maior legado foi a própria criação de um fórum amplo
e universal de encontro, expressão, debate e divulgação de dezenas de causas e
reivindicações de todo o mundo, que tem como denominador comum a luta pelo
reconhecimento e ampliação dos seus direitos à liberdade, à igualdade, à sua
emancipação e à sua autonomia frente a várias formas de dominação,
subordinação, exploração, de classes, gêneros, povos, religiões etc. Neste
sentido, creio também que sua principal conquista foi sua própria
sobrevivência, a despeito de sua heterogeneidade e do seu alto grau de
espontaneidade. Por fim, creio que seu principal desafio segue sendo o mesmo,
desde a sua criação: encontrar as formas de encaminhar de forma eficaz esta
luta universal e cosmopolita, dentro de sociedades e frente a estados e
sociedades nacionais que são extremamente desiguais, desde todos os pontos de
vista.
O slogan do FSM propunha "um outro mundo possível". O aumento
da preocupação com sustentabilidade em diferentes campos pode ser lido como
sinais de que que já experimentamos um "outro mundo possível"? Que
mundo será esse?
A força poética deste slogan
convive com sua enorme imprecisão numa fórmula q eu consegue sublinhar o
denominador comum do fórum, escondendo ao mesmo tempo, a sua grande dificuldade
ou fragilidade. De forma muito genérica, o FSM reúne pessoas, grupos e
movimentos sociais de todo mundo que se opõem ao sistema capitalista, e às suas
múltiplas formas de desigualdade e dominação social e política. Mas o Fórum não
tem condições de enfrentar, e nem muito menos de resolver o problema de qual
será este mundo alternativo ao capitalismo. Nem tampouco tem condições de
definir caminhos ou estratégias capazes conduzir os homens, todos os homens, na
direção deste "outro mundo" com que sonham. Neste sentido, "um
outro mundo é possível" é um slogan que deixa em aberto o problema das
alternativas e das estratégias de construção do futuro comum de seus
participantes. É uma fórmula libertária que privilegia o movimento e a luta,
muito mais do que o "desenho das tabernas do futuro" utópico de cada
um dos seus participantes. Daí a sua força e fraqueza a um só tempo.
No Brasil tivemos conquistas sociais importantes no período, mas ao
mesmo tempo o governo de esquerda liderado pelo PT acabou maculado por uma
série de escândalos de corrupção, que contribuíram para fortalecer posições
mais conservadoras. Que caminhos o senhor vislumbra para que o país possa
avançar na construção de um modelo socioeconômico mais justo?
É verdade que tudo isto aconteceu
neste período, mas creio que no Brasil e em todo mundo, a força da nova onda
conservadora que começou já faz alguns anos, nos EUA e depois se espalhou por
quase todo o mundo, não tem a ver necessariamente com a questão da corrupção.
Com corrupção ou sem corrupção, o conservadorismo tem se manifestado e avançado
por todos lados como se fosse a metástase de um mesmo câncer que ora aparece
sob a forma do fundamentalismo religioso, ora sob a forma da xenofobia racista,
do nacionalismo fascista, ou ainda – mais genericamente – da intolerância
raivosa com relação a todo tipo de diferença ou divergência no campo da raça,
do sexo, da fé ou das ideias políticas. Isto está ocorrendo, hoje, no Oriente
Médio, na Europa, na América do Sul, e a força avassaladora e irracional deste
novo conservadorismo já está ameaçando a própria possibilidade da convivência
pacífica entre as gentes, o que coloca, como primeiro e fundamental objetivo de
qualquer projeto de um mundo melhor e mais justo, a luta para barrar e reverte
o avanço desta irracionalidade destrutiva. Por todos os lados estão se
multiplicando os sinais e as possibilidades de novas guerras civis, de guerras
religiosas e de guerras entre as grandes potencias globais ou regionais. Por
isto, neste momento, acho que deve ocupar um lugar central na agenda de todos
os "homens de bem", a luta pela convivência democrática, pela
aceitação das diferenças, enfim, pela sustentabilidade das relações entre os
homens, e da própria humanidade.
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