História do Tratado de
Não-Proliferação Nuclear (TNP) revela: por jamais cumprirem cláusulas que
preveem seu desarmamento, cinco grandes potências atômicas estimulam projetos
como o da Coreia do Norte
Por Georges la Guelte // http://outraspalavras.net/
(Publicado originalmente na
edição brasileira do Le Monde Diplomatique, em 1/11/2005)
Quanto maior o número de países
que dispõem de armas nucleares, maior o risco de que elas sejam deliberadamente
utilizadas não para dissuadir, mas para aniquilar, ou que um conflito seja
desencadeado por engano, ou que um país bombardeie preventivamente as
instalações de seus adversários, ou ainda que armas ou matérias físseis caiam
nas mãos de grupos criminosos.
A proliferação nuclear é,
portanto, um dos perigos mais graves para o futuro da humanidade. No entanto,
não foi essa preocupação que inspirou as primeiras medidas tomadas para
evitá-la. Desde o lançamento de seu programa nuclear militar, em 1942, os
Estados Unidos proibiram a divulgação de qualquer informação concernente à
energia atômica, para evitar que a Alemanha nazista fosse a primeira a possuir
a bomba. Após 1945, essa restrição foi mantida para atrasar os trabalhos dos
soviéticos. Em 1954, depois que a União Soviética experimentou seu primeiro
engenho termonuclear, o segredo foi abandonado em benefício de uma política
denominada “Átomos para a paz”: os países que desejavam desenvolver seus
trabalhos na área nuclear poderiam obter ajuda dos Estados Unidos, com a
condição de se comprometerem a utilizá-la para fins pacíficos, ao mesmo tempo
que continuariam livres para desenvolver um programa militar se pudessem
realizá-lo sozinhos. Vários países beneficiaram-se dessa ausência de
regulamentação internacional geral para satisfazer suas ambições militares. Foi
assim que, em 1960, sete dos oitos países que atualmente dispõem de um arsenal
tinham adquirido os elementos indispensáveis à sua realização1.
Foi sobretudo a crise dos mísseis
em Cuba, em 1962, que levou ao estabelecimento de uma política global de
não-proliferação: Washington e Moscou constataram, então, que se uma outra
potência que dispusesse de armas nucleares entrasse em confronto com elas,
talvez não tivessem possibilidade de controlar o desenvolvimento da crise.
Originalmente, portanto, o principal objetivo do Tratado de Não-Proliferação
Nuclear (TNP) era para que as duas superpotências mantivessem seu controle
sobre os países de seu campo. Concluído em 1º de julho de 1968, o TNP divide o
mundo em dois: de um lado, os “Estados dotados de armas”, que fizeram explodir
algum engenho antes de 1º de janeiro de 1967, aos quais foi demandado não
ajudar outro país a adquiri-los2 ; do outro, todos os outros Estados, que
deviam se comprometer a não tentar obtê-las e a colocar todas as suas
instalações nucleares sob o controle da Agência Internacional para a Energia
Atômica (AIEA), encarregada de garantir que respeitem suas obrigações.
Um “atentado à soberania”
Com suas falhas e suas lacunas, o
Tratado de Não-Proliferação contém os elementos necessários para impedir a
disseminação das armas e, se tivesse sido integralmente aplicado, somente cinco
países ainda possuiriam um arsenal nuclear. Seu êxito exigiria sua
universalidade, ou seja, que todos os Estados aderissem a ele, que existisse um
mecanismo de controle perfeitamente eficaz e que, em caso de violação, medidas
enérgicas fossem tomadas para acabar com a infração e dissuadir os outros
Estados de imitarem o delinqüente.
Inicialmente, o Tratado foi
considerado por diversos países um atentado inaceitável à sua soberania: a
Alemanha, o Japão, a Itália, que foram seus primeiros alvos, no começo
recusaram-se a se submeter a ele. Se entrou em vigor em 19703, foi graças à
assinatura de países como Irlanda, Dinamarca, Suécia e México, que com ele viam
um meio de reduzir os riscos de um suicídio coletivo; Estados politicamente
muito próximos dos Estados Unidos ou da União Soviética; e também países que
nem pensavam ter, algum dia, os meios para fabricarem bombas. Entre os
primeiros signatários, encontram-se o Iraque, o Irã e a Síria.
Entre os primeiros signatários do
TNP, estão o Iraque, o Irã e a Síria
Em meados da década de 1970, com
o aumento dos movimentos antinucleares inicialmente nos Estados Unidos e,
sobretudo, com a primeira explosão na Índia em 1974, houve uma mudança
importante. A opinião pública se alarmou com os riscos que a segurança no mundo
corria com a disseminação, e um grande número de Estados considerou que sua
segurança ficaria mais garantida se seus vizinhos não dispusessem de armas.
Graças às pressões exercidas pelos Estados Unidos e ao mesmo tempo pela União
Soviética, esse movimento permitiu um rápido aumento do número de signatários,
aos quais se juntaram os grandes países industrializados – Alemanha, Japão,
Itália, Suíça, Holanda. No final de 1979, o número de países que aderiu
ultrapassava uma centena. A onda de adesões continuou nos anos seguintes e,
apesar da fragmentação da União Soviética, foi ampliada com o fim da guerra
fria. Em 1995, os países signatários que decidiram manter o Tratado em vigor
por tempo indeterminado já eram 178.
No entanto, por diversos motivos,
as grandes potências fizeram o esforço necessário para convencer Índia, Israel
e Paquistão a se juntarem a elas. Como sempre tinham se recusado a aderir ao
Tratado, esses três países puderam construir seus arsenais sem faltar com suas
obrigações. Atualmente, isso não seria mais possível: o tratado conta com 189
países que a ele aderiram4, ou seja, quase todos os Estados, e nenhum país
poderia mais fabricar uma arma explosiva sem violar seus compromissos
internacionais.
Brasil, Argentina, África do Sul
Entre esses 189 países,
encontram-se a Argentina e o Brasil que, nos anos 1970 e 1980, tinham lançado
programas de pesquisa cujo objetivo era nitidamente militar. Como na época eles
não tinham assinado o Tratado de Não-Proliferação, seus trabalhos não entravam
em contradição com suas obrigações internacionais. A Argentina e o Brasil
abandonaram seus projetos militares no final dos anos 1990 e aderiram ao TNP, a
Argentina em 1995 e o Brasil em 1998. Renunciaram a seus projetos não porque
sua segurança externa estivesse então mais garantida do que no passado, mas
porque um regime democrático substituiu as ditaduras militares no poder.
O mesmo aconteceu na África do
Sul, que fabricou uma meia dúzia de armas nos anos 1970 e 1980, sem ter
cometido infração e sem que a AIEA pudesse intervir. Pretória desmantelou suas
armas exatamente no momento em que abandonou o regime do apartheid e aderiu ao
TNP em 1991.
Em meados da década de 1990, os
Estados Unidos quis completar o TNP com um Tratado de Proibição Completa dos
Testes Nucleares (Treaty of Complete Prohibition of the Nuclear Tests) e uma
convenção proibindo a produção de urânio enriquecido e de plutônio de qualidade
militar. Os dois acordos visavam unicamente a Índia e o Paquistão, mas os
americanos pensavam que esses dois países iam aderir facilmente a um tratado
universal.
Na verdade, os dois acordos não
têm o menor sentido para os outros países: 184 Estados assumiram o compromisso
de não adquirir armas; no que diz respeito à promessa de não explodir as armas
que não tinham fabricado não representava um progresso muito significativo! Os
cinco países dotados de armas interromperam suas experiências, e a França, que
desmantelou o polígono do Pacífico, não poderia mais retomá-las. Quanto aos
interessados, a Índia e o Paquistão, que tinham explodido suas armas em 1998,
continuaram a produção de matérias físseis militares e se recusaram a aderir ao
Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares e à convenção.
É preciso acrescentar que a
impossibilidade de realizar experiências jamais impediu um país de adquirir
armas: Israel jamais fez alguma desses testes, mas todos os especialistas
reconhecem seu arsenal militar; oficialmente, a África do Sul jamais fez
experiências e, no entanto, detinha uma meia dúzia de armas; a existência de
vários engenhos no Paquistão era incontestável antes mesmo de 1998. Em suma,
esse projeto de tratado que os Estados Unidos se recusam a ratificar não tem
outro interesse a não ser a afeição simbólica que lhe concede a opinião
pública.
As dificuldades da AIEA
Foi a Agência Internacional de
Energia Atômica (AIEA) que ficou encarregada de controlar o respeito às
obrigações contraídas pelos países. Teve de fazê-lo, desde o início, dentro de
condições muito complicadas. Os inspetores podiam ir apenas aos países membros
do Tratado que tinham assinado com a AIEA e ratificado um acordo particular que
especificava seus direitos e seus deveres. É por essa razão, por exemplo, que
não puderam entrar na Coréia do Norte antes do mês de abril de 1992, embora a
existência do reator e da instalação de retratamento em que foi produzido o
plutônio norte-coreano fossem conhecidas pelo menos desde 1990.
Em seguida, o acesso dos
inspetores às diferentes instalações foi limitado por inúmeras disposições
administrativas: por exemplo, deviam inicialmente solicitar um visto cuja
obtenção podia ser mais, ou menos, longa. Além disso, eram autorizados a
fiscalizar uma usina somente durante um tempo minuciosamente calculado de
acordo com a natureza das atividades e a quantidade de urânio ou de plutônio
que nela se encontravam.
Todas as regras às quais os
inspetores deveriam se submeter foram definidas em 1971, não por funcionários
da Agência que poderiam especificar o que precisavam para realizar sua missão,
mas pelos representantes dos governos e, sobretudo, os dos países que, na
época, eram os mais avançados na área nuclear. Tomaram muito cuidado para
limitar o máximo possível as obrigações que os controles ocasionariam por si só
e, sobretudo, a seus industriais. O mecanismo de controle foi assim criado com
base no postulado de que programa nuclear não podia ser conduzido
clandestinamente, sendo a única fraude concebível o desvio, para usos
militares, do urânio ou do plutônio que teriam de continuar no setor civil.
Portanto, os inspetores tinham acesso somente às instalações declaradas por
cada Estado, e sua tarefa consistia em garantir que todas as matérias físseis
que ali fossem introduzidas fossem bem utilizadas para fins pacíficos. Não
tinham de fiscalizar se existiam instalações no país que não lhes tivessem sido
declaradas.
Essas limitações não eram
totalmente absurdas, se levarmos em conta algumas técnicas da época. Elas
exigiam, sobretudo para a produção de urânio enriquecido, usinas de dimensões
enormes, com formas características, que absorviam quantidades consideráveis de
energia e cuja construção e o funcionamento seriam inevitavelmente detectados.
É preciso acrescentar que, no início dos anos 1970, somente os países
industrializados avançados podiam pensar em atividades nucleares importantes.
Ora, tratava-se de países
democráticos, onde as informações circulam livremente e em que a decisão de se
dotar de um arsenal não podia continuar clandestina. Com os limites que lhe
foram assim impostos, o sistema de controle funcionou de maneira adequada, uma
vez que desde 1945 nenhuma arma nuclear explosiva foi fabricada em uma
instalação sob a vigilância da AIEA. Não que os controles sejam infalíveis, mas
até o presente foram muito eficazes para que os fraudadores prefiram não correr
o risco de serem surpreendidos pelos inspetores.
No entanto, logo após a guerra do
Golfo, em 1990-1991, foram descobertas instalações, no Iraque, que teriam
permitido ao país, poucos anos depois, dispor de um verdadeiro arsenal. Saddam
Hussein tinha dados provas de que, pelo menos em um país submetido a um regime
ditatorial feroz, atividades nucleares clandestinas são totalmente possíveis.
Para isso, os iraquianos haviam utilizado o método de enriquecimento do urânio
por centrifugação, uma técnica adotada na Europa em meados da década de 1970,
que permite instalações muito menores, podendo ser escondidas em construções de
aparência banal, consumindo muito menos energia e que os serviços de
informações secretas têm poucas chances de detectar, salvo quando dispõem de
informantes no local.
Protocolo Adicional não é
garantia
Para tentar adaptar os mecanismos
de controle a esse novo tipo de fraude, a AIEA adotou, em 1997, um Protocolo
Adicional5, que dá aos inspetores poderes de investigação sensivelmente mais
extensos, mas que também deve ser assinado e ratificado por cada Estado antes
de lhe ser
Para tentar adaptar os mecanismos
de controle a esse novo tipo de fraude, a AIEA adotou, em 1997, um Protocolo
Adicional5 , que dá aos inspetores poderes de investigação sensivelmente mais
extensos, mas que também deve ser assinado e ratificado por cada Estado antes
de lhe ser aplicável6 . Os meios assim acrescidos dados à Agência já permitiram
resultados consideráveis7 , e poderão dar aos inspetores os meios de detectar a
existência de atividades mantidas secretas em um país. No entanto, não se trata
de uma panacéia e, salvo se têm muita chance, é pouco provável que os
inspetores descubram o lugar em que uma instalação clandestina foi construída,
a não ser que lhes tenha sido apontado por um serviço de informações secretas.
aplicável6 . Os meios assim
acrescidos dados à Agência já permitiram resultados consideráveis7 , e poderão
dar aos inspetores os meios de detectar a existência de atividades mantidas
secretas em um país. No entanto, não se trata de uma panacéia e, salvo se têm
muita chance, é pouco provável que os inspetores descubram o lugar em que uma
instalação clandestina foi construída, a não ser que lhes tenha sido apontado
por um serviço de informações secretas.
Uma organização internacional
como a AIEA não é uma oficina de espionagem, não dispõe de meio algum para
obter informações secretas e deve respeitar os acordos assinados com o país
controlado. A localização precisa de uma usina continua a ser de
responsabilidade dos serviços de informações, cabe a eles dar à Agência os
elementos de que ela precisa.
Nenhum dos cinco Estados dotados
de armas assinou esse protocolo adicional: se os inspetores chegassem à
conclusão de que existem nos Estados Unidos ou na França, por exemplo, em
lugares aliás perfeitamente conhecidos, instalações nucleares militares, não seria
uma descoberta muito impressionante. No entanto, a França assinou
simbolicamente uma versão adocicada para tratar com prudência a suscetibilidade
dos outros membros da União Européia, muito sensíveis à diferença de tratamento
entre as duas categorias de Estados.
Da mesma maneira, nenhum tratado
proíbe a um desses cinco países fabricar novos tipos de armas: certamente,
seria contrário ao espírito do artigo VI do TNP sobre o desarmamento nuclear.
Isso não é inteiramente contrário ao texto do Tratado que, muito
hipocritamente, faz uma certa ligação entre desarmamento nuclear e desarmamento
geral e completo. Desde cerca de quarenta anos até hoje, os cinco países
dotados de armas, que são também os principais exportadores de armas
convencionais, evitam incitar um desarmamento geral e invocam a ausência de
progresso sobre essa questão para ignorar cinicamente os acordos de
desarmamento nuclear que fizeram.
Novas armas em Washington
Os Estados Unidos falam
regularmente em fabricar novas armas nucleares. Trata-se de uma obsessão para
os fabricantes de armas que, há décadas, buscam todos os argumentos possíveis
para desenvolverem suas atividades. Esses projetos não têm o menor alcance
operacional real, mas concentraram a atenção da opinião pública e ocultaram completamente
transformações infinitamente importantes previstas pela Nuclear Posture Review
(Revisão da Postura Nuclear) de janeiro de 2002. Particularmente, as armas
nucleares não constituem mais uma categoria separada do arsenal
norte-americano, são integradas no conjunto das armas ofensivas que o
presidente pode, conseqüentemente, utilizar de acordo com sua vontade da mesma
maneira que qualquer outra arma, de acordo com a natureza da missão a realizar.
O mesmo documento prevê o
recrutamento de uma nova geração de especialistas em armas para substituir
aquela que vai se aposentar, a substituição dos mísseis intercontinentais em
2020, dos submarinos em 2030 e dos bombardeios em 2040. Ou seja, o armamento
nuclear norte-americano é concebido para um tempo indefinido ou, pelo menos,
até o fim do século.
Se a AIEA constata que um Estado
não respeitou suas obrigações, ela encaminha o caso para o Conselho de
Segurança da ONU, único habilitado a tomar as medidas necessárias para acabar
com a infração. A ONU tratou duas vezes de uma violação dos tratados de
não-proliferação, e os ensinamentos que podemos tirar dessas experiências foram
mitigados. No caso do Iraque, cujas atividades clandestinas só foram
descobertas após a guerra do Golfo, em 1991, quando o país foi militarmente
vencido e obrigado a aceitar as condições impostas pelo Conselho de Segurança,
a AIEA pôde destruir todas as instalações construídas de maneira ilícita.
A República Popular Democrática
da Coréia (RPDC; Coréia do Norte) também deu provas, em 1992, de ter violado os
acordos que assumiu ao assinar o Tratado. Ela muito rapidamente declarou que
considerava qualquer sanção um ato de guerra, e a China se apressou em declarar
que a crise deveria ser resolvida por meio de negociações. A atitude de Pequim
e o medo de uma guerra que, na península, corria o risco de fazer um
considerável número de vítimas na Coréia do Sul, levaram em 1994 a um acordo
assinado entre Pyongyang e Washington, segundo o qual a Coréia do Sul deveria
construir no Norte dois enormes reatores produtores de eletricidade em troca de
uma suspensão das atividades norte-coreanas. Esse acordo foi mantido até que os
Estados Unidos decidiram acabar com ele no final de 2002; os norte-coreanos
retiraram-se, então, do Tratado de Não-Proliferação, expulsaram os inspetores
da Agência, separaram a quantidade de plutônio necessária à fabricação de uma
meia dúzia de armas e afirmaram poucos meses depois que, a partir de então,
dispunham de armas nucleares.
Nenhuma dessas decisões suscitou
a menor reação do Conselho de Segurança e de outros países, se excetuarmos as
ameaças terríveis e sem efeito proferidas pelo presidente dos Estados Unidos.
Desde então, e de acordo com as resoluções da China, negociações reuniram as
duas Coréias, os Estados Unidos, a China, o Japão e a Rússia8 . No final de uma
declaração comum assinada em 19 de setembro de 2005, a RPDC prometeu abandonar
seus programas nucleares e os cinco países citados anteriormente, em troca,
prometeram fornecer uma ajuda energética e garantias relativas à segurança.
Mudando de opinião, Pyongyang questionou todavia esse acordo no dia seguinte,
exigindo ter reconhecido seu direito de utilização pacífica da energia nuclear
antes de moderar sua posição em seguida. Da mesma maneira, em uma resolução
adotada por consenso entre 139 Estados membros, no dia 30 de setembro, a AIEA
aclamou o anúncio pela RPDC relativo a sua intenção de renunciar à arma
nuclear.
No que diz respeito ao Irã, onde
nenhuma infração pôde ser constatada, se contentarmos como a AIEA tem o dever
de fazê-lo, de uma interpretação literal do Tratado. Mas se as discussões em
curso com a Alemanha, a França e a Grã-Bretanha não tiverem êxito, os Estados
membros poderão encaminhar a questão para o Conselho de Segurança, baseando-se
não em uma interpretação jurídica do texto, mas em um julgamento político.
O papel dos neoconservadores
A política de Não-Proliferação
foi profundamente enfraquecida desde a Conferência de 1995, no momento em que o
objetivo parecia quase atingido. A necessidade de interromper a disseminação de
armas foi atacada nos Estados Unidos pelos neoconservadores que contestavam que
seu país mantivesse qualquer obrigação internacional; em seguida, por outros
para quem a não-proliferação pertencia à lógica da guerra fria e não tem mais
razão de ser desde que ela acabou. Para estes, a resposta às ameaças de
disseminação das armas reside na fabricação de defesas antimísseis, que todos
os países deveriam comprar dos Estados Unidos. Outros, talvez mais numerosos ou
mais influentes, consideram que a proliferação nuclear não é condenável se for
feita por países aliados aos Estados Unidos.
O Tratado de Não-Proliferação
também é objeto das mais vivas críticas. Há muito tempo vozes se elevam contra
um sistema que permite que cinco países possuam as armas mais poderosas e
proibam ao outros adquiri-las. Freqüentemente considerada inevitável durante a
guerra fria, essa desigualdade de tratamento é muito menos suportada desde o
desmantelamento da União Soviética. Ainda mais porque o Tratado contém também
disposições que prevêem um desarmamento nuclear que os cinco países dotados de
armas ignoram com a maior hipocrisia. Conservando, hoje, arsenais tão
importantes quanto em meados dos anos 1970, símbolos de sua potência e de seu
prestígio, os cinco países só podem incitar os outros a imitá-los.
Essa falta de ligação com a idéia
de não-proliferação manifestou-se de maneira marcante durante a Conferência
para análise do Tratado em junho de 2005: em vez de expressar uma reprovação
unânime em relação aos fraudadores, os Estados participantes se dividiram sem
conseguir chegar a um acordo sobre qualquer questão, refletindo um mundo
dividido, desencantado, desorientado. No entanto, esse regime criticado, mas ao
qual nenhuma solução de substituição jamais pôde ser proposta, continua em
vigor, e talvez a saída das crises norte-coreana e iraniana decidam seu futuro.
Se a Coréia do Norte e o Irã
renunciarem às suas ambições militares, assim como um bom número de países fez
antes deles, os países que ficarem tentados a imitá-los sem dúvida hesitarão em
se lançar em um projeto oneroso e condenado ao fracasso. Se, ao contrário, eles
alcançarem seus objetivos, é possível que vários outros países decidam produzir
suas próprias armas.
(Trad.: Wanda Caldeira Brant)
1 – A União Soviética
experimentou sua primeira bomba A em 1949 e sua primeira bomba H em 1953; a
Grã-Bretanha fez explodir sua primeira arma nuclear em 1952 e sua primeira
bomba termonuclear em 1957; para a França, as datas são 1960 e 1968; para a
China, 1964 e 1967. Além disso, a França forneceu a Israel, em 1956, o reator e
a usina de retratamento de Dimona, de onde saiu o plutônio de suas primeiras
armas, e o Canadá forneceu à Índia, em 1955, o reator com água pesada que produziu
o plutônio das primeiras bombas indianas.
2 – Em ordem cronológica a partir
da primeira explosão: os Estados Unidos, a União Soviética (da qual a Rússia é
hoje a sucessora), a Grã-Bretanha, a França e a China. Ao contrário de uma
idéia amplamente difundida, não há a menor ligação entre o status de membro
permanente do Conselho de Segurança e o de Estado dotado de armas nucleares. Os
primeiros são os países vencedores da II Guerra Mundial, definidos pela Carta
da ONU assinada em 26 de junho de 1945, data na qual nenhum país, nem mesmo os
Estados Unidos, dispunha de uma arma nuclear. Os países “dotados de armas” são
aqueles que as possuíam por ocasião da assinatura do Tratado.
3 – O texto do Tratado prevê que
ele entrará em vigor quando tiver sido assinado e ratificado por 40 Estados.
4 – Essa cifra deveria ser
reduzida a 188 se a decisão tomada pela Coréia do Norte, em janeiro de 2003, de
se retirar do tratado fosse levada em conta. No entanto, os outros países
consideram que essa retirada é inaceitável, pois não se conforma às exigências
formuladas pelo tratado para que um Estado possa exercer esse direito.
5 – O título completo é
“Protocolo adicional ao acordo entre o Estado de … e a AIEA, relativo à
aplicação de garantias”.
6 – O Irã o assinou, mas não o
ratificou, e o novo Parlamento certamente não está disposto a aprovar esse
documento. Os dirigentes iranianos afirmam às vezes se submeterem a ele
voluntariamente, mas apenas parcialmente, com muitas reticências.
7 – Foi assim que, em 2004, os
inspetores estabeleceram que a Coréia do Sul e Taiwan, no passado, tinham feito
clandestinamente pesquisas sobre as técnicas de enriquecimento do urânio e de
separação do plutônio. Esses trabalhos permaneceram secretos, tanto é que esses
dois países não aderiram ao Protocolo adicional.
8 – Nessa ocasião, Washington,
que até então o recusava, aceitou um diálogo bilateral com Pyongyang.
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