Lecio Morais // http://renatorabelo.blog.br/
Efeméride convocada no Senado na
semana passada comemorou o aniversário do Plano Real. Um importante plano que
debelou a hiperinflação, mas que abriu também caminho para implantação plena às
chamadas políticas neoliberais de abertura e desregulamentação. Entretanto, o
Plano não trouxe estabilidade monetária e financeira para o país, como muitas
vezes se divulga. O Plano trouxe, juntamente com as políticas neoliberais,
elevados custos relativos à estagnação econômica, bem como os relativos ao
endividamento público.
Na homenagem do Senado os
oradores tentaram sucessivamente vincular o sucesso do Real ao próprio governo
FHC e suas políticas neoliberais. Nessa tentativa, os oito anos de FHC, no
pós-Real foi “reinventado” como um período de estabilidade monetária e
financeira para o país.
Vejamos como o exame das
variáveis de taxa de inflação, taxa cambial e taxa de juros mostram como os
governos FHC não trouxeram nenhuma estabilidade à economia, nem mesmo a
monetária.
Restabelecendo a história: a
continuidade da instabilidade monetária pós-Real
Comecemos pela suposta
estabilidade monetária. O que se alega é que o Plano Real, além de eliminar a
hiperinflação, criou uma moeda de valor estável, o que já se revelou nos oito
anos dos governos FHC.
Primeiro vejamos como o Plano
Real funcionou. A ideia do Plano na verdade nada teve de original: depois de
alinhar os preços com a URV (unidade referencial de valor, essa sim uma boa
ideia), apenas atrelou a nova moeda, o real, ao dólar, praticamente ao par (um
por um). Com isso houve uma súbita valorização da nova moeda, tornando os bens
importados ainda mais baratos.
O custo da manobra, no entanto,
foi a imediata supervalorização da moeda, acompanhada por uma elevação das taxa
de juros a níveis estratosféricos (na virada de 1994/95 chegou a 60% ao ano)
para atrair dólares.
No entanto, a taxa de inflação
pós-real se manteve longe da estabilidade. Em 1995, a taxa foi de 22%, e
continuou variando 9% ao ano, em média, até 2002. No primeiro governo, a
inflação já tinha acumulado 43%. Somando os dois governos, o acumulado chegou a
100%. E pior, ao acabar o período, em 2002, a taxa tinha voltado a uma inflação
de dois dígitos, marcando 12,5% e subindo. Só para comparar, o acumulado de
oito anos de Lula foi de 56% e os quatro de Dilma chegaram a 27%.
Essas elevadas taxas de inflação
prejudicaram a estabilidade cambial, desafiando até a incrível taxa de juros
real adotada, que terminou gerando apenas riqueza financeira para os mais
riscos e reduzindo o investimento produtivo.
Restabelecendo a história:
instabilidade e colapso cambial
Analisemos agora o comportamento
da taxa de câmbio. Ela afeta ao mesmo tempo a moeda, o crédito e o nível de
atividade econômica. E, nas economias periféricas, é uma variável que é capaz
de levar um país à bancarrota.
Com o real atrelado ao dólar, a
taxa cambial iniciou 1995 em R$ 0,84 o dólar, uma taxa muito valorizada, como
já vimos, para deter a hiperinflação.
Mas junto com os preços das
importações, também caiu a produção interna e abriu-se um déficit crescente nas
contas externas. Essas contradições do Plano Real impediram a manutenção
estável do câmbio, que foi sendo desvalorizado continuamente até já ter perdido
43% de seu valor até 1998. Como a taxa inflacionária manteve-se maior que a
desvalorização do câmbio, o governo acabou por não conseguir controlar nem o
câmbio, nem o déficit externo e nem o fluxo especulativo de dólares atraído
pelos juros estratosféricos. E sobreveio a debacle.
Em janeiro de 1999, o Brasil
quebrou pela primeira vez na mão de FHC. As reservas em dólares se evaporaram e
o real se desvalorizou, com sua taxa chegando até quatro reais por dólar.
Sumiram os dólares, ficamos sem
crédito externo para manter as importações, mas as dívidas cresceram. O país só
saiu da bancarrota graças a empréstimos do governo americano e outros apoiados
pelo FMI. A maxidesvalorização em 1999 acabou por atingir 40%. O governo
brasileiro e sua moeda não tinham mais confiança externa. Muito longe já
estávamos de qualquer estabilidade monetária e financeira.
Porém, um novo desastre já estava
a caminho. A economia estagnada, uma moeda nacional com valor instável, sempre
com tendência de queda, e baixo nível de reservas tornaram o Brasil outra vez
alvo fácil da especulação cambial. A partir de maio de 2002, sobreveio novo ataque
especulativo contra o real. E o Brasil quebrou pela segunda vez na mão de FHC.
De novo, nossa moeda se
desvalorizou fortemente, chegando a mais de três reais o dólar. Ficamos mais
uma vez sem dólares e sem crédito externo. Outra vez o governo FHC e o Banco
Central perderam o controle monetário e cambial. A salvação veio com o FMI:
outro financiamento de emergência foi arranjado, muito maior que o de 1999. Mas
dessa vez ele veio o junto a exigência de monitoramento trimestral, tendo em
vista o descrédito da economia e do governo.
A incrível taxa de juros
estratosférica
Por fim temos a variável da taxa
de juros. Foi exatamente nos primeiros anos do Plano Real que nossa economia se
consolidou como a campeã mundial de taxas de juros reais elevadas e perenes.
Passamos a ser a economia bizarramente mais juros-dependente do mundo. Uma rara
anomalia que bem longe está de qualquer definição de estabilidade financeira. A
parte mais pesada da herança deixada ao Brasil pelas políticas neoliberais de
FHC.
As taxa Selic que iniciou 1995 a
60% ao ano, só caiu abaixo de 40% em 1998. E abaixo de 30% ao ano em meados de
1999. Em apenas dois anos os credores da dívida pública federal dobraram seu
investimento, e em quatro anos o quintuplicaram. O total da dívida pública
líquida se multiplicou durante oito anos, saindo de apenas 37% do PIB, em 1994,
para mais 60% em 2002. Nunca um país viu sua dívida pública subir dessa forma
em tempos de paz.
A conjunção de elevadas taxa
reais de juros, instabilidade econômica e vasta fraude bancária detonou, em
1997, a maior crise bancária do século 20. Neste ano, três dos dez maiores
bancos do país quebraram (Banco Nacional, Mercantil de Minas e Bamerindus). O
que desencadeou também o maior resgate público de investimentos privados depositados
já visto no Brasil.
Uma realidade bem infeliz
O país entregue ao governo Lula,
em 2003, foi um país em situação de instabilidade cambial crônica, inflação em
alta, sem crédito externo e sem reservas próprias de divisas.
Os números desagradáveis aqui
expostos contam uma história bem diferente da inventada “estabilidade monetária
e financeira” trazida pelo Plano Real e vivida durante os governos FHC. Esses
números são facilmente acessíveis em sites como Ipeadata, Banco Central e IBGE.
Não são nem nunca foram secretos. Qualquer um pode obtê-los.
Transformar essa verdade de oito
anos de instabilidade monetária, colapsos cambiais e bancarrotas nacionais em
uma rósea paisagem de estabilidade parece ir bem mais longe do que uma
reinvenção da história, beira mais a simples fraude.
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