O STF determinou que 59.412
servidores públicos, efetivados em 2007 pelo então governador Aécio Neves,
fossem desligados a partir do último dia 4. Mas se um estádio de futebol lotado
de funcionários públicos mineiros desaparece, a mídia tradicional não tem nada
com isso
Por Faustino Rodrigues, especial
para o Viomundo
O Brasil tem 5.037 municípios com
uma população de até 50 mil habitantes. Isso equivale a mais de 90% de um total
de 5.561 municipalidades. Os números contrastam e revelam que uma parte
significativa da população brasileira vive em cidades que, para os nossos
padrões, são consideradas pequenas. Sua existência é quase inacreditável para
um paulistano típico, nascido e criado em uma das maiores cidades do mundo, em
meio a outros 10 milhões de pessoas.
Os números acima revelam. Porém,
os jornais, não. Essa semana vivemos mais um capítulo do imbróglio mineiro da
lei 100. O Supremo Tribunal Federal determinou que quase 59.412 servidores
públicos, efetivados em uma canetada, em 2007, pelo então governador Aécio
Neves, hoje senador e atual presidente de seu partido, o PSDB, fossem
desligados[1]. O STF alega inconstitucionalidade no processo de admissão do
funcionalismo público que, como se sabe, se faz exclusivamente por concurso
público, de concorrência ampla em praticamente todos os seus setores e
instâncias – federal, estadual e municipal[2]. O senhor Aécio parece que não
entendeu.
Devido à carência da cobertura
jornalística, os números de servidores efetivados em 2007 são incertos. Mas, já
se fala em cerca de 76 mil. Descontando os aposentados e desligados por motivos
diversos, o saldo da dispensa determinada pelo STF é de 60 mil. Como visto no
primeiro parágrafo deste texto, se reuníssemos todos esses servidores em um
mesmo lugar, teríamos mais uma cidade brasileira. Para deixar os nossos números
mais interessantes, uma comparação bem popular: à exceção do Flamengo e
Coritiba, no dia 17 de setembro, em Brasília, nenhum outro jogo do Brasileirão
2015 chegou à cifra dos 60 mil.
José Murilo de Carvalho, em seu
Construção da ordem, demonstra como os bacharéis coimbrenses do século XIX,
filhos da elite agrária brasileira, ao voltarem para o Brasil, encontram-se
praticamente distantes de qualquer possibilidade de uma atuação profissional
que garanta o mesmo “prestígio” político e econômico de seus pais, de sua tradicional
família. E assim ingressam no serviço público – contribuindo, quiçá, para a
compreensão do motivo de alguns de seus salários serem tão exorbitantes (mas
isso é conversa para outro texto). Faz-se, então, a fama de um funcionalismo
público, alvo de muitos comentários jocosos, que, a despeito da qualificação
profissional, garante uma estabilidade econômica invejável por muitos. Debalde
a constante instabilidade da política e economia tupiniquim, ter o salário
garantido no final do mês é uma grande vantagem.
Nada mais do que normal que estes
funcionários efetivados na canetada do senador mineiro adquiram dívidas – como
a da casa própria – e planejem o seu futuro, as vezes o futuro de uma família
em função do cargo concedido por uma autoridade política e administrativa como
o próprio governador[3]. Com tal chancela, pensa-se, minimamente, que ele sabe
o que está fazendo. Aliás, admite-o como uma figura extremamente preocupada com
a máquina pública e com a qualidade dos serviços à medida em que procede de tal
maneira. Para alguns, designados por eternos contratos, sempre renovados, isso
soa como uma calma e fina canção mineira como a de Milton Nascimento.
Mas, não. Não foi muito difícil
para o STF determinar a inconstitucionalidade da tal lei 100. E, agindo constitucionalmente,
determina a sua revogação, bem como a devolução dos cargos indevidamente
ocupados ao governo do estado de Minas Gerais, que, por sua vez, deve tomar
providências para a sua ocupação através de concurso ou novas designações
contratuais. É difícil discordar do STF. Mas, é difícil não se comover com as
vidas que aí estão em jogo – vítimas da irresponsabilidade administrativa de
uma pessoa. A mídia nacional, entretanto, parece não se preocupar muito.
A última segunda-feira, dia 04 de
janeiro de 2016, foi o primeiro dia do oficial desligamento dos funcionários da
lei 100 – a maioria alocados na educação pública estadual. Sendo eu
juiz-forano, digo que saiu uma nota aquém do destaque merecido no principal
diário da cidade, o Tribuna de Minas. Na Folha de São Paulo, nada. No periódico
da família Frias um assunto como este perde fácil a disputa para notícias sobre
o parlamento venezuelano e novos valores da passagem de ônibus em algumas
capitais. Pelo lado da família Marinho as atenções estão para o crack chinês e
o seu fortíssimo indício de que a crise econômica não é só no Brasil, exigindo
de seu jornalismo novas estratégias políticas de abordagem do tema. Até mesmo
no mencionado jornal da Zona da Mata mineira as informações quanto a um acidente
na avenida JK, em Juiz de Fora, adquirem mais destaque por mais tempo – aliás,
manifesto a minha solidariedade às vítimas.
Resumindo, se um estádio de
futebol lotado em mais de 90% de sua capacidade com funcionalismo público
mineiro desaparece, a grande mídia brasileira não tem nada com isso. Pode-se
exterminar toda uma cidade que isso não é importante. É óbvia a
responsabilidade do político tucano, com imagem recentemente abalada pelas
declarações de Carlos Alexandre de Souza Rocha, o Ceará, funcionário de Alberto
Youssef, na já familiar Lava-Jato. É igualmente óbvia a sua responsabilidade,
enquanto gestor de uma unidade federativa, pelo destino de quase 60 mil pessoas
efetivadas por uma canetada, bem como dos recursos públicos movimentados neste
caso. A quem interessa a desinformação?
Em clima de denúncia política,
ingerência na administração pública é algo praticamente irrelevante – a não ser
que se possa associar a atividades relativas a bicicletas, como pedaladas e
ciclovias. Além de responder às denúncias de corrupção feitas pelo mesmo
delator que o PSDB outrora atribuía tanta autoridade, há que responder também
por incompetência. Dizia Wanderley Guilherme dos Santos que se as instituições
políticas falham, resta o caráter.
No caso mineiro, com a administração
nas mãos de Aécio, as instituições falharam. Sobrou apenas seu caráter – o
mesmo acusado por Ceará. Agora, questiono-me fundamentado nos preceitos mais
éticos do jornalismo se o princípio de Wanderley não poderia ser transposto
para os veículos de informação. Eles, com suas instituições, não falhariam ao
não veicularem com a devida importância algo de tamanha relevância para o
Brasil? E, se falharam, resta-nos o caráter destes jornalistas? Se, sim: que
dó.
Faustino da Rocha Rodrigues é
jornalista, professor e cientista social
[1]
http://www.iof.mg.gov.br/index.php?/institucional-2/missao/anexoextra31.html
[2]
http://www.tribunademinas.com.br/mais-de-73-mil-servidores-de-mg-sao-desligados-pela-lei-100/
[3]
https://www.youtube.com/channel/UC4IapcuhDt8EXjcRcbacZCA
Foto de capa: Marcos
Oliveira/Agência Senado
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12