Os economistas discutem se a
economia está ou não sob a dominância fiscal – termo para descrever situações
em que o quadro fiscal assume tal risco que a economia não responde mais aos
impulsos monetários.
Objetivamente, a economia
brasileira está sob a dominância jurídica.
Durante boas décadas o país foi
governado pela teocracia dos economistas. A inflação elevada, mais a
globalização dos mercados, conferiu-lhes poder político acima dos partidos.
A perda do discurso econômico e a
erosão da credibilidade presidencial provocaram um vácuo na opinião pública,
uma perda de rumo, do discurso e das propostas aglutinadoras, enfim, de um
projeto de país. E a dominância econômica cedeu lugar á dominância jurídica.
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É nesse vácuo que a besta foi
liberada - o sentimento de manada irracional, alimentado pelo ódio e pela
intolerância, que acomete países que perderam o rumo.
Quem consegue cavalgar a besta,
assume o controle do discurso público. Torna-se um deus ex-machina.
A besta foi alimentada com um
foco claro: a corrupção política.
De repente, a opinião pública
perdida encontra um discurso unificador, a enorme vendetta política contra a
corrupção dos outros, como se todos os problemas do país fossem resolvidos
meramente com uma gigantesca caça às bruxas.
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A besta traz consigo a balbúrdia
de informações. Os alertas sobre a necessidade de prender os culpados sem
desmontar a economia são ignorados. Basta os novos oráculos brandirem frases de
senso comum. Tipo, basta limpar a corrupção para a economia ficar saudável. Ou,
se quebrar uma empresa, outra surgirá no lugar.
Na era das banalidades, dos
factoides das redes sociais, e do empobrecimento do discurso econômico, a
descrença em relação às chamadas “opiniões técnicas” permite toda sorte de
demagogia do senso comum.
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Com a falta de ação do Executivo,
a sombra da besta vai se impondo sobre todos os setores. Há a banalização das
prisões e o recuo das figuras referenciais. Por receio de enfrentar a besta,
Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), que se supunha guardiões impávidos
dos direitos civis – abolem a apelação à Terceira Instância.
Para prender o vilão símbolo –
Luiz Estevão -, em vez de atuar sobre outros fatores de protelação, liquidam
com a possibilidade da terceira instância, sujeitando outros tipos de réus às
idiossincrasias e influências políticas nos tribunais estaduais.
É só acompanhar o que ocorreu no
Maranhão e no Amapá de José Sarney, com políticos eleitos perdendo o mandato em
cima de acusações risíveis: compra de um voto por R$ 15,00. Ou no Rio de
Janeiro, com as ações da Globo contra jornalistas críticos.
A caça às bruxas atual será
refresco perto do que virá pela frente.
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Nem se pense em uma dominância
jurídica impessoal pairando acima das paixões políticas. A besta tem lado e se
prevalece das imperfeições jurídicas e políticas.
O modelo político universalizou
as práticas ilegais. Todos os partidos se valeram disso. O jogo político
consiste em investir contra um lado apenas – blindando e fortalecendo o outro.
Ou então, valer-se das dificuldades processuais para proteger aliados. Jackson
Lago foi deposto acusado de ter comprado um eleitor com R$ 20,00.
É nítida a aliança entre
Ministério Público Federal e grupos de mídia. O bater bumbo da mídia ajuda a
superar obstáculos, quando os alvos são adversários da mídia. Quando o suspeito
é a própria mídia, obviamente não há bumbo, e não há vontade política de
avançar.
É o que explica o caso das
informações sobre a Globo, enviadas pelo FBI, estarem paradas há um ano nas
mãos de uma juíza de primeira instância.
Culpa das imperfeições jurídicas,
é claro.
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Quando a besta sai às ruas, os
valentes tremem, os crentes abjuram, os referenciais se escondem.
A besta reescreve biografias,
reputações, reavalia caráteres, pois é um teste de estresse, no qual muitos
grandes se apequenam, e alguns pequenos se agigantam.
A besta passa imperial,
despejando fogos pelas ventas e farejando de longe o cheiro do medo. Os
medrosos, ela espanta com seus uivos. Os que resistem, ela ataca, rasga
reputações, destrói histórias, promove grandes orgias públicas expondo os
recalcitrantes em praça pública.
É só conferir o que está
acontecendo com advogados que ousam criticar a operação. Ou o que irá acontecer
com a esposa do publicitário João Santana que, algemada, ousou dizer que não
baixará a cabeça. Como não? Será isolada, a prisão será prorrogada, mensagens
pessoais serão divulgadas, sua vida será devassada até que baixe a cabeça. Esse
Deus vingador não admite esses arroubos.
No Brasil, a besta intimidou até
donos de grandes biografias, como o Ministro Luís Roberto Barroso.
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A pior parte da história é que a
besta não resolve problemas econômicos. E não quer abrir mão do protagonismo
político. Há uma crise perigosíssima no horizonte. A cada tentativa da
presidente de avançar em um acordo com o Congresso ou com a sociedade civil, a
besta irrompe de Curitiba e promove um novo festival de factoides, paralisando
completamente o discurso público.
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Nesse clima irracional, há a
desmoralização total dos partidos políticos, do PT ao PSDB. Nas últimas
pesquisas de opinião, o único segmento que cresceu foi o dos anti-petistas –
denominação para os que querem a volta dos militares e acham que os terroristas
árabes vão invadir o Brasil. Hoje em dia, tem 18% da opinião pública, mais do
que qualquer outro partido.
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Não se sabe até onde irá essa
loucura coletiva.
Resta o consolo de saber que,
mesmo impotentes, ainda existem juízes que colocam suas convicções acima do
medo.
Salve Celso de Mello, Ricardo
Lewandowski e Marco Aurélio de Mello.
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