Enquanto o Brasil pula carnaval,
em Brasília a presidenta Dilma enfrenta a crise sanitária do Zika e as
tentativas desestabilizadoras dos seus adversários.
Darío Pignotti, de Brasília // www.cartamaior.com.br
São as notícias do Carnaval.
Cinco ou seis garotas fantasiadas de mosquito aedes aegypti, vetor do vírus
zika, sambavam ao ritmo do maracatu em meio ao bloco carnavalesco do Galo da
Madrugada - o maior do mundo, com cerca de dois milhões de pessoas acompanhando
o trajeto pelas principais ruas de Recife. O Estado de Pernambuco é o primeiro
do país em número de bebês afetados por casos de microcefalia, os quais existe
a suspeita de que sejam causados pelo vírus zika, contra o qual a presidenta
Dilma Rousseff declarou uma “guerra” e formou um “exército da paz e da saúde”
que visitará milhões de domicílios para orientar a população sobre como
combater o mosquito, visando erradicar os focos onde ele se reproduz. A tarefa
começou na semana passada, em alguns estados. Equipes do Ministério da Saúde
dedetizaram o Sambódromo da Avenida Marquês de Sapucaí e o Aeroporto Internacional Tom Jobim, ambos no
Rio de Janeiro. Para coordenar o operativo nacional, a presidente convocou uma
reunião de gabinete para a próxima quarta-feira de cinzas, após o fim dos
desfiles das escolas de samba, evento transmitido ao vivo pela Rede Globo. A
empresa é proprietária dos direitos do evento, uma festa grandiosa que é, ao
mesmo tempo, uma efêmera transgressão. Durante quatro dias, o noticiário
principal deixa de estar nos acontecimentos em Brasília para se focar nas
multidões de foliões no Rio de Janeiro, na Bahia e em Pernambuco.
Em resumo, o carnaval é um
patrimônio cultural dos brasileiros, um bem simbólico coletivo como a ópera é para os italianos, ou o tango
para os argentinos. O paradoxal é que o carnaval tenha sido privatizado e hoje
seja vendido como um bem de consumo, com a qual a Globo obtém lucro econômico e
ideológico, ao utilizar seu poder de veto implícito sobre o que ocorre na
passarela.
Começa o ano político
De volta ao Distrito Federal,
após um breve descanso em Porto Alegre para visitar seu neto recém nascido,
Dilma Rousseff começou o ano político nesta semana, com duas prioridades:
controlar a proliferação do zika e reagir à ameaça de impeachment, aparentemente
debilitada - ao contrário do que acontece com o assédio judicial contra o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que promete se tornar mais agressivo
nos próximos dias. Dilma, junto ao seu chefe da Casa Civil, o ministro Jaques
Wagner, e o ministro de Defesa, Aldo Rebelo, ajustarão os detalhes da
mobilização contra o vírus zika, que contará com a participação de 220 mil
homens das forças armadas e 300 mil médicos e agentes sanitários. A operação
visitará milhares de municípios, nos 27 estados do país, percorrendo 8,5
milhões de quilômetros quadrados. A presidenta compreendeu que deveria ela
mesma encabeçar esta causa, na qual “o povo deve estar unido”, e para a qual
obteve o respaldo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e da União
Nacional dos Estudantes, entre outras entidades da sociedade civil.
'São necessárias ações
governamentais ágeis e eficientes, uma ampla mobilização popular e recursos
financeiros em quantidade suficiente para superar esta epidemia gravíssima'
causada pela propagação “vertiginosa” do mosquito, explicou o Dráuzio Varella,
um dos especialistas em patologias mais conhecidos do Brasil.
Varella e outros especialistas
mencionam o risco, por enquanto ainda não comprovado, de que a doença se
transmita por via oral, e recomendaram tomar cuidado, especialmente no caso das
mulheres grávidas, devido à possibilidade de que os bebês sofram de
microcefalia.
Apesar da situação, os médicos
brasileiros não chegaram a propor a suspensão do carnaval. Prescrição que foi
obedecida por mais de um milhão de pessoas, que
tomaram as ruas do Rio de
Janeiro, integrando alguns dos “blocos” tradicionais da cidade, como o Bola
Preta e as Carmelitas. Amanda Almeida viajou mais de mil quilômetros para
participar no grupo das Carmelitas, onde cantou, dançou e beijou vestida de
monja. “Você
acredita que eu vim até o Rio de
Janeiro e voltarei sem beijar ninguém?”, respondeu ela a um jornalista do
diário jornal O Globo, que a consultou
sobre o contágio do zika através da saliva.
Apesar da gravidade da epidemia,
o quadro tende a melhorar, já que depois do verão, com o fim das chuvas e a
chegada de temperaturas menos quentes, haverá condições melhores para frear
propagação do vírus. No momento, nada leva a pensar que possa haver um retorno
do
zika no inverno, de forma mais
agressiva, o que coincidiria com a chegada de aproximadamente 500 mil turistas
para as Olimpíadas do Rio de Janeiro.
Daqui até os Jogos Olímpicos de
agosto, pensando nas eleições municipais de outubro, a oposição possivelmente
repetirá sua tática de dois anos atrás - quando convocou, sem sucesso,
manifestações para sabotar a Copa do Mundo.
Congresso: reduto golpista
As hostilidades começaram na
semana passada, com as vaias contra Dilma enquanto dava o discurso de abertura
das sessões parlamentares, com um trecho dedicado ao zika. Pelo que se viu, os
insultos à chefa de Estado (algo com poucos precedentes no Congresso) foram
realizados pela tropa de choque do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha, do PMDB, que renovou seu plano para viabilizar o impeachment, em aliança
com parte do PSDB, o partido do ex-mandatário Fernando Henrique Cardoso e o
ex-candidato presidencial Aécio Neves. Ainda assim, a situação se tornou menos
angustiante para Dilma Rousseff, em comparação com outubro do ano passado,
quando o juízo político parecia inevitável.
A numerosa mobilização em defesa
da estabilidade democrática realizada em meados de dezembro, poucos dias depois
da fracassada marcha pela queda da presidenta, realizada pelo PSDB junto com
grupos juvenis de extrema direita e agitado pelos grandes meios privados de
comunicação e entretenimento - encabeçados pelo grupo Globo - contribuíram para
essa
situação.
Dilma trabalhando, Aécio em Miami
Outro fator que ajudou foi a
disposição de trabalho da presidenta que não faltou nem um dia ao Planalto
durante todo o mês de janeiro, enquanto o cacique social democrata Aécio Neves
tirava férias em Miami. O desengano do público antidilmista, que apesar de sua
insatisfação com o governo, tampouco confia no chefe golpista Eduardo Cunha -
cujas contas na Suíça, onde ele oculta milhões de dólares, provavelmente
obtidos através de desvios de recursos da petroleira estatal Petrobras - também
ajudou a esvaziar os protestos.
O campo opositor, formado por
partidos, meios de comunicação e parte da Justiça, não desistirá dos ataques
golpistas, ainda que considerem uma vitória por essa via menos provável que
antes. O importante é que eles consideram favorável a erosão do governo que
essa campanha causa, sem contar o fato de que o governo já está longe de ser
popular e ainda não mostra respostas claras contra o aumento do desemprego (de
9%), a recessão (3,7%) e a inflação (que superou os 10 %). Tudo indica que a
coalizão pró-impeachment vai atacar o governo pelos flancos, enquanto aumentam
a caçada contra o principal conselheiro presidencial e líder do PT, Luiz Inácio
Lula da Silva.
Cerco sobre Lula
A semana passada foi cheia de
notícias ocas reproduzidas com insistência, entre as quais sobressaiu a de um
bote de alumínio de 1,2 mil dólares, propriedade do ex- presidente, que seria
um degrau dentro de uma cadeia imaginária de atos ilícitos que demostrariam que
Lula é dono de um apartamento no Guarujá e uma casa de campo. “Querem linchar o
Lula, e não vamos permitir”, advertiu o senador petista Lindbergh Farias,
falando no plenário do Senado. Farias e o advogado Joaquim Palhares entendem
que o descrédito da classe política faz com que a vanguarda da oposição fique
nas mãos da Rede Globo e dos juízes e promotores encarregados da Operação Lava-Jato, que investiga as
irregularidades na Petrobras. “Entre acusações de promotores que buscam fama e
a obsessão da Globo em caçar Lula, vemos a construção de um imaginário que visa
o desprestígio do ex-presidente, forçando o seu processo na Lava-Jato”,
declarou o advogado. Os adversários do governo “vão multiplicar os golpes
baixos jurídicos contra Lula, porque sabem que ele ainda possui muito capital
político, que ainda é um forte candidato presidencial para 2018, e sabem que se
ele for processado haverá forte reação popular, e já existe inclusive uma
marcha convocada para o dia 17 de fevereiro, quando um promotor ligado ao
opositor PSDB o convocou para prestar depoimento", completou Palhares.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Marcelo Camargo
/ Agência Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário