Um estudo analisa o impacto dos
empréstimos do BNDES em empresas entre 2002 e 2009
Como o Brasil está em meio ao que
pode se tornar a mais longa recessão de sua história, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), cujos empréstimos representam mais
de 20% do total do crédito para o setor privado, está se tornando cada vez mais
objeto de escrutínio público. Enquanto o BNDES foi visto como um elemento-chave
do elevado crescimento do Brasil em tempos de boom das commodities, um número
crescente de economistas afirma agora que o banco está no coração de uma
estratégia fundamentalmente mal concebida do capitalismo de Estado do Brasil,
em grande parte responsável pelo mal-estar atual.
Dois artigos muito comentados
escritos por Consuelo Dominguez na revista Piauí sobre o BNDES e seu presidente
(“O desenvolvimentista“, de 2010, e “O ralo“, de 2015) pintam um quadro
condenatório das atividades do banco. Embora o debate sobre os prós e contras
de grandes bancos nacionais de desenvolvimento não seja novo, a dimensão tomada
pelos repasses do BNDES no governo de Dilma Rousseff explica porque o papel da
instituição estará entre as questões mais debatidas, enquanto formuladores de
políticas e comentaristas tentam entender o colapso econômico do Brasil – e,
conforme concebem maneiras de superar a crise atual.
Neste contexto, Sérgio Lazzarini,
Aldo Musacchio, Rodrigo Bandeira de Mello, e Rosilene Marcon escreveram um
artigo detalhado e muito informativo avaliando o impacto do BNDES entre 2002 e
2009. O documento fornece uma muita necessária injeção de dados concretos em um
debate que corre o risco de ser sequestrado por ideólogos tanto da direita
quando da esquerda, cujas opiniões são diametralmente opostas quando se trata
do papel do Estado na economia.
De fato, enquanto o BNDES teve um
papel bem limitado no governo de Fernando Henrique Cardoso (até mesmo apoiando
o processo de privatização), partidários do PT costumam argumentar em favor de
um banco de desenvolvimento forte. O que é muitas vezes esquecido, no entanto,
é que os Estados Unidos – frequentemente demonizado por fiéis do PT -, foi
importante na criação do banco (então chamado BNDE) em 1952, quando uma
comissão de desenvolvimento conjunta entre os dois países – formada por
engenheiros e tecnocratas do Brasil, dos EUA, e do Banco Mundial – recomendou o
lançamento de um banco de desenvolvimento para melhorar e renovar a
infraestrutura de energia e transportes do Brasil.
Atualmente, os bancos de
desenvolvimento são bem relevantes e não estão, de forma alguma, limitados a
países pobres: em 2012, o alemão KfW, o BNDES, e o Banco de Desenvolvimento da
China possuíam empréstimos pendentes representando, respectivamente, 15,5%,
11,3% e 12,4% do PIB de seus países.
Como podemos pensar o debate
sobre os bancos de desenvolvimento? De acordo com a visão da política
industrial, bancos de desenvolvimento se especializam em fornecer capital a
longo prazo e empréstimos a empresas que não realizariam projetos se não
houvesse a disponibilidade de financiamento de longo prazo subsidiado. Estes
bancos reduzem as restrições de capital e estimulam o desenvolvimento
industrial.
A visão política, por outro lado,
enxerga empréstimos por bancos de desenvolvimento como a causa de múltiplas
fontes de má alocação de crédito, seja porque estes bancos poderiam resgatar
empresas que de outra forma quebrariam, ou porque políticos criam e mantêm
bancos estatais não para canalizar fundos para usos socialmente eficientes, mas
para maximizar os seus próprios objetivos pessoais ou se envolverem em negócios
de compadrio com industriais politicamente conectados.
Nos anos Lula, analisados no
artigo, os empréstimos do BNDES e capital próprio alteraram o nível de
desempenho e investimento empresarial, como previsto pela visão da política
industrial de bancos de desenvolvimento, ou a seleção de seus alvos foi afetada
pelos tipos de distorção sugeridos pela visão política?
A análise dos autores mostra que
não há aumento consistente da rentabilidade, valor de mercado ou de
investimento entre as empresas que receberam recursos do BNDES, seja como
dívida ou capital próprio. O efeito dos empréstimos subsidiados parece ser,
portanto, uma simples transferência do governo para os acionistas das empresas
que realizaram os empréstimos. Ainda há também um forte apoio para a existência
de nepotismo: empresas que doam aos candidatos vencedores são mais propensas a
receberem financiamento sob a forma de empréstimos do BNDES. Como dizem os
autores:
Porque o efeito dos candidatos vencedores
sobre os empréstimos do BNDES é simplesmente o coeficiente estimado dos
candidatos vencedores multiplicado pelo tamanho dos empréstimos do BNDES (US$
166 milhões, em média), descobrimos que uma doação adicional para um deputado
que vença aparentemente aumenta os empréstimos em cerca de US$ 45,9 milhões.
Considerando nossos resultados anteriores de que os empréstimos do BNDES
reduzirem as despesas financeiras em algo entre 4% e 12%, o ganho privado de
cada doação adicional a um vencedor traria benefícios anuais líquidos entre US$
1,8 e 5,5 milhões até a próxima eleição. Em contraste, a doação média por
candidato vencedor para cada empresa em nosso banco de dados foi de US$ 22.820
em 2002 e US$ 43.903 em 2006. Mesmo se considerarmos que pode haver doações
substanciais “por debaixo da mesa” – estimadas por Araújo (2004) [você tem essa
referência em link?] entre duas vezes e dez vezes o número oficial – a
magnitude do efeito estimado está longe de ser trivial.
Conforme os autores explicam mais
detalhadamente:
Os candidatos vencedores estarão em posição
de convencer o governo a aprovar projetos eleitoreiros que favoreçam as
empresas que financiaram suas campanhas. Os candidatos vencedores também podem
nomear aliados para cargos na administração das empresas estatais que controlam
a seleção de projetos de grande escala. Tais projetos incluem concessões, projetos
patrocinados pelo governo, e outros tipos de contrato público, os quais têm
sido acompanhados por financiamento substancial do BNDES.
Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Os autores não encontram,
portanto, evidências para apoiar a visão da política industrial. Contudo,
encontram apenas evidências que suportam a visão política pela metade. Os
empréstimos do BNDES beneficiam capitalistas politicamente conectados, mas o
banco raramente socorre empresas ineficientes – isso explica porque o BNDES
como um todo continua a ser rentável. Isso não significa, contudo, que o BNDES
contribui para o desenvolvimento geral do Brasil.
Os receptores dos repasses não
alteram seu desempenho e investimento como uma consequência dos novos
empréstimos, provavelmente porque poderiam financiar seus projetos com outras
fontes de capital. Ao alvejar essas empresas, o BNDES “pode também deixar
apenas as empresas de alto risco para os credores privados, portanto, inibindo
o surgimento de um mercado privado para os empréstimos de longo prazo”,
explicam os autores.
Uma forma de reduzir a forte
ligação entre conseguir empréstimos do BNDES e realizar doações políticas seria
reduzir o foco do banco sobre as grandes empresas, e, ao invés disso, emprestar
para pequenas e médias empresas que encontram dificuldades em levantar dinheiro
– e que são pequenas de mais para inundar políticos com doações de campanha.
Embora o artigo seja crítico à
estratégia utilizada pelo BNDES entre 2002 e 2009, os autores não questionam a
existência de bancos de desenvolvimento em geral – ao contrário, eles parecem
pedir um debate mais sofisticado sobre como essas instituições devem funcionar.
Eles ressaltam que mais pesquisas são necessárias, especialmente considerando o
quão importante o BNDES se tornou para entender a economia do Brasil -, mas seu
artigo já fornece informações importantes que ajudarão a promover o debate
público sobre o futuro de um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo.
Texto originalmente publicado no blog Post-Western World. Leia aqui.
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