quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Rodrigo Savazoni: À esquerda, um passo adiante

Rodrigo Savazoni: À esquerda, um passo adiante
Por Rodrigo Savazoni // http://www.revistaforum.com.br/
E eu disse: Basta de filosofia
A mim me bastava que o prefeito desse um jeito
Na cidade da Bahia
Esse feito afetaria toda a gente da terra
E nós veríamos nascer uma paz quente
(Caetano Veloso)

Há menos de um mês, na festa do Bonfim, uma das mais populares do calendário baiano, o atual Ministro da Cultura, Juca Ferreira, questionado por jornalistas, assumiu que poderia vir a ser candidato à prefeitura de Salvador pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Ao fazê-lo, Juca despertou uma série de reações em sua terra, a maioria delas favoráveis à sua entrada na disputa, e também a atenção dos artistas e ativistas da cultura brasileira que atribuem a ele a responsabilidade de devolver o brilho e a força ao ministério, uma vez que foi o artífice de sua expansão nos anos Lula.

Evidentemente que ao se colocar à disposição do partido, Juca revela uma vontade pessoal de voltar à sua cidade natal para governá-la. E é também notório que seu nome é
forte dentre as opções do PT para enfrentar o bem avaliado ACM Neto. Afinal, trata-se de um ministro que deixou um enorme legado nas políticas públicas de cultura durante o governo Lula e que, com Dilma, retornou ao ministério cercado de boas expectativas. No plano local, foi vereador em sua cidade por três legislaturas (eleito nessas ocasiões pelo Partido Verde), com forte entrada no voto popular e grande aceitação da classe média, o que faz dele um candidato viável.
Para este artigo, no entanto, importa menos o desfecho do processo de definição da candidatura petista em Salvador e mais o que o nome do Juca significa para pensarmos os rumos futuros da esquerda brasileira. Pragmaticamente, pode ser que as lideranças locais, incluindo aí o Ministro da Casa Civil e ex-governador, Jacques Wagner, e o atual governador, Rui Costa, optem por uma solução convencional e apontem, por exemplo, o nome do senador Walter Pinheiro, que é – importante ressaltar – um político raro, movido a princípios. Pode ser, no entanto, que queiram encarar uma necessária autocrítica e devolver o sonho à política. Para isso, Juca é o nome.
Sim, porque Juca representa exatamente a volta do sonho, da política programática, que não perdeu a capacidade de imaginar e criar. Representa o político que não tem medo de se assumir socialista e de evocar ideias radicais e essenciais que rompam novos horizontes.
No Ministério da Cultura, como fiel escudeiro de Gilberto Gil, contribuiu para a construção das mais ousadas e imaginativas políticas públicas de cultura do Brasil recente. Ao assumir a pasta, em 2008, revelou-se um negociador intransigente e corajoso, optando por aventurar-se em temas delicados, como a reforma do sistema de financiamento à cultura e da gestão de direitos autorais. E o fez sempre apostando na ampliação do diálogo e criando mecanismos inovadores de participação.
DE MUJICA A MÓJUCA!
Não à toa, por esses fatores, tem sido muito bem recebido e aceito entre as novas esquerdas, do Brasil e do mundo, que enxergam nele um tipo de liderança que promove uma ponte entre as construções iniciadas nos anos 1960 e aquelas que caracterizam o século 21. No último quinquênio, depois de uma passagem por Madri, em que pôde ver o nascimento dos Indignados do 15-M e com eles cooperar em 2011, retornou ao Brasil para se associar à mais aguardada gestão de esquerda de nosso país, a de Fernando Haddad como prefeito de São Paulo.
Estivemos juntos no governo nesse período e pude constatar como seu discurso em busca de mais democracia e em defesa do bem viver é essencial para os desafios vindouros. Ainda assim, em todos esses episódios supracitados, Juca esteve posicionado nas bordas do processo. Para muitos de nós, seria impossível analisar a experiência do Lulismo sem evidenciar em seu complexo mosaico o papel do Ministério da Cultura, de Gil e Juca. Para ativistas, artistas e pensadores do campo cultural essa contribuição é evidente. Mas a ideia do do-in antropológico, de massagear as forças vivas da cultura brasileira e tornar o ministério a cada de todos os cidadãos, não figura nas narrativas principais que foram construídas durante e pós o governo Lula.
Com Haddad, já foi possível ir mais longe, uma vez que o prefeito de São Paulo tem trabalhado diariamente para promover uma mudança cultural, sobretudo de mentalidades, numa metrópole que vive apenas para trabalhar e para entupir suas ruas de automóveis. Não à toa, como vaticinava Oswald de Andrade, por força dos foliões, mas com apoio de Juca e Haddad, devolveu-se à Pauliceia o Carnaval, que fazemos como reação àqueles que tentam policiar nossa alegria. Durante o segundo turno da campanha presidencial de 2014, Juca foi instado a articular atos reunindo não apenas o povo da cultura, mas as novas forças político-culturais do país, e o fez com maestria, contribuindo para reativar o desejo da militância pela continuidade de Dilma.
Com a candidatura em Salvador, para disputar a mais negra cidade do Brasil, a terra onde viveram nossos pioneiros poetas e que nos oferta a mais global música brasileira, Juca pode liderar um processo de renovação do programa das esquerdas, aplicando-o à uma metrópole. Mas mesmo que a candidatura não venha a ocorrer, ela já nos inspira a elaborar planos para um futuro que, por esse momento, parece cercado pelos altos muros do pragmatismo e da corrupção generalizada.
A propósito de Juca, poderíamos reunir toda uma franja que contribuiu com o Lulismo a partir dos movimentos sociais, nadando contra a correnteza da redenção ao capital. E associar esses grupos em luta a uma nova e emergente geração de militantes e ativistas de esquerda que não se reconhecem no pacto lulista – pelo que ele carrega de contradições inconciliáveis – mas que atuam pela construção de uma democracia real, verdadeira e que comece agora.
Para mim, refletir sobre uma possível candidatura Juca evoca a chance de seguirmos à esquerda, um passo adiante. De nos somarmos a um processo global que tem propiciado novos capítulos com a grande votação do Podemos na Espanha, a vitória do Syriza na Grécia e o crescimento do Senador Bernie Sanders nas prévias Democratas do EUA. Para isso, no entanto, precisamos de uma profunda autocrítica e a reparação dos erros cometidos, a defesa do legado de inclusão e combate à desigualdade dos anos Lula, e a proposição de novos rumos ousados para o futuro das nossas cidades e do país, trazendo para o epicentro da discussão as questões culturais, ambientais e de reconstrução política 

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