Patricia Faermann // http://jornalggn.com.br/
Jornal GGN - Entre as mais de 160 páginas de documentos apreendidos na residência do presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Barbosa Silva Junior, no Rio de Janeiro, um dos arquivos tenta relacionar a empreiteira com os bastidores reservados do Palácio do Planalto, a fim de buscar supostas relações com pagamentos de propina para as campanhas petistas.
Trata-se do item 09 dos "Autos de Apreensão Documentos N° 195/2016". Ainda que sem assinatura, o documento foi elaborado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e distribuído internamente entre membros do governo federal, como ministros, dirigentes do PT e assessores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É documento público, enviado inadvertidamente ao Estadão pelo ex-secretãrio da SECOM Sthomas Trauman.
É uma análise interna e autocrítica, dividido em três partes, denominadas "Onde estamos", "Como chegamos até aqui" e "Como virar o jogo". O documento admite que a comunicação do Planalto foi "errada e errática", até agora, mas alerta que é preciso tomar medidas diante da crise política, que "é maior do que isso", afirma o texto.
O arquivo circulou entre os políticos mais próximos à Dilma no dia 17 de março do último ano. Dois dias antes, ocorreu uma grande manifestação que, como interpreta a carta, teria provocado uma "goleada" nos governistas pela oposição, sejam nas ruas, ou nas redes sociais.
Em alerta, o documento cita uma pesquisa interna realizada, por telefone, pelo Ibope, a pedido do Planalto, em que 32% dos entrevistados disseram ter mudado de opinião negativamente sobre o governo, desde a campanha de outubro para a reeleição de Dilma até aquele momento. A esse cenário resume como um "caos político", onde "não será fácil virar o jogo".
Em outro trecho do texto, a Comunicação aponta falhas também da militância do PT: "Ironicamente, hoje são os eleitores de Dilma e Lula que estão acomodados com o celular na mão enquanto a oposição bate panela". "Dá para recuperar as redes, mas é preciso, antes, recuperar as ruas", afirma.
Na segunda parte, intitulada "Como chegamos até aqui", o comunicado critica o distanciamento, no início do governo Dilma, com os chamados "blogueiros progressistas". "O fim do diálogo com os blogs pela Secom gerou um isolamento do governo federal com as redes que só foi plenamente restabelecido durante a campanha eleitoral de 2014", mas "em 2015 o erro de 2011 foi repetido".
Também apontou como uma das justificativas para o isolamento do partido com as suas bases sociais a escolha do ministro Joaquim Levy para a Fazenda, com as consequentes medidas de ajuste fiscal a partir de novembro de 2014.
E critica discursos usados pelo próprio PT em momentos de crise: "Não adianta falar que a inflação está sob controle quando o eleitor vê o preço da gasolina subir 20% de novembro para cá ou sua conta de luz saltar em 33%. (...) Assim como um senador tucano (Antonio Anastasia, MG) na lista da Lava Jato não altera o fato de que o grosso do escândalo ocorreu na gestão do PT", diz.
Ao final, aponta que os eleitores da presidente Dilma estariam vivendo um "sentimento de abandono e traição" e que "é preciso aceitar a mágoa desses eleitores e reconquistá-los".
O documento cobra, ainda, a ação de parlamentares do PT que teriam deixado de defender o governo. Entre outras sugestões, aponta maior exposição da presidente Dilma, alterações na Comunicação Social, que afetariam a Voz do Brasil, a Agência Brasil e a EBC, além de outras instituições, e mais investimentos em São Paulo, onde se concentra a maior rejeição ao partido.
"Não podemos deixar que ocorra um novo tremor enquanto estamos cuidando dos vivos e salvando o que restou", conclui o artigo.
Seria, no mínimo, estranho um documento reservado do Planalto parar nas mãos de um executivo de uma empreiteira. Sem apurações ou questionamentos maiores, o presidente da Odebrecht Infraestrutura ter em sua residência a análise dirigida a somente membros do alto escalão do governo induz relações de proximidade da empreiteira, que poderiam ultrapassar o limite do público-privado.
Não fosse um detalhe: o vazamento para meios de comunicação, sendo o Estado de S. Paulo o primeiro a ter acesso. No mesmo dia em que foi distribuído aos petistas, o documento também já estava publicado por todos os jornais. Uma vez de porte da imprensa, a qualidade "interna" do arquivo se perdeu imediatamente.
Não à toa, no dia seguinte, 18 de março de 2015, o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que a opinião expressa naquela carta era pessoal, "de quem fez o documento". "Não vejo caos político", negou Cardozo. "Vejo uma situação em que o governo tem uma disposição ao diálogo, tem uma disposição de convergir, de buscar convergências com forças políticas. Vejo algumas forças políticas não muito propensas ao diálogo, mas é da vida democrática", posicionou-se o ministro, à época.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12