A imprensa francesa vem fazendo uma cobertura pífia limitando-se, na maioria dos casos, a reproduzir os jornais brasileiros.
Leneide Duarte-Plon, de Paris* // www.cartamaior.com.br
Explicar a crise brasileira a franceses é uma tarefa titânica. O professor da Universidade Paris Diderot, Dominique Vidal, resumiu em uma frase a primeira dificuldade de tratar de um país que ocupa tão pouco espaço na mídia francesa : « Dilma Rousseff é a única personagem conhecida aqui. Quem conhece Aécio Neves, quem conhece Eduardo Cunha, a pessoa que dirige a Câmara onde é feito o processo de impeachment, e contra quem existe o maior número de denúncias de corrupção ? »
A complexidade da crise brasileira e o fato de existirem duas narrativas para analisá-la e descrevê-la pareceu a alguns professores universitários de Paris motivo suficiente para a organização do debate « Crise política no Brasil : revolta contra a corrupção ou golpe de Estado ? » ("La crise politique au Brésil : soulèvement contre la corruption ou coup d’Etat?").
A mesa-redonda desta quinta-feira atraiu um público grande e diversificado à École des Hautes Études en Sciences Sociales, no Boulevard Raspail. O deputado federal pelo PSOL, Jean Wyllys, de passagem por Paris a convite do governo francês, chegou de surpresa e foi imediatamente chamado à mesa de palestrantes.
Maud Chirio (Université Paris Est), Dominique Vidal (Université Paris Diderot) e Armelle Enders (Université Paris Sorbonne), além do estudante brasileiro em Paris, Antônio Gasparetto (Paris Sorbonne), do movimento « Unidos pela Democracia », tentaram decifrar a crise política brasileira, que aparece como um enigma mesmo para franceses bem informados.
Regular a mídia
Para Dominique Vidal, que defendeu a regulação da mídia e o funcionamento pleno da Justiça, a imprensa francesa não explica suficientemente as transformações do país depois dos dois governos de Lula. Ela não explica por que o PT é um partido de esquerda nem que no sistema brasileiro o presidente sem a maioria é obrigado a fazer acordos com aliados heteroclíticos. Ele ressaltou que quando a economia vai bem, o presidente é legitimado e acalma as forças opositoras. Quando a economia entra em crise, o governo é imediatamente deslegitimado pela oposição.
« Mas não sou pessimista. Gostaria que Dilma Rousseff pudesse terminar seu mandato. Mas se o PT tiver de deixar o poder, seria bom que voltasse com um projeto mais ambicioso. »
No entanto, para ele, falar de golpe pode ser um exagero porque tanto os defensores quanto os que combatem o impeachment o fazem em nome da Constituição. Por outro lado, Antônio Gasparetto explicou a ausência de fundamentos jurídicos para o pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
O que foi posteriormente veemente contestado por alguém no público que alinhou diversos argumentos pró-impeachment e em defesa do papel do judiciário na crise.
Corrupção sistêmica
Primeira unanimidade entre os palestrantes : a corrupção no Brasil é sistêmica e gangrena também a situação social.
Segunda unanimidade : a imprensa francesa vem fazendo uma cobertura pífia limitando-se, na maioria dos casos, a reproduzir os jornais brasileiros. Com raras exceção como o jornal online Mediapart e o jornal L’Humanité, os outros têm feito uma cobertura bastante medíocre : poucas informações e análises, pouca contextualização, além de fontes frequentemente comprometidas com a oposição ao governo.
Engajado na defesa dos direitos humanos, Jean Wyllys lembrou que passou o primeiro mandato de Dilma Rousseff fazendo oposição ao governo pela falta de comprometimento com os direitos das minorias indígenas e pela inércia no combate à violência aos pequenos agricultores. Agora, o deputado resolveu atuar plenamente na narrativa alternativa ao discurso único da imprensa brasileira. « Falta honestidade intelectual hoje no Brasil, onde a imprensa optou por uma narrativa distorcida dos fatos ».
Maud Chirio abriu o debate resumindo de maneira clara e neutra o quadro politico brasileiro, explicando como funciona o presidencialismo no país, com partidos politicos ideologicamente pouco definidos e como os governos precisam formar uma coalizão para governar.
Armelle Enders analisou o que está em jogo na campanha pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, começada logo depois de sua eleição em 2014, e a atual batalha juridical que se tornou essencialmente política. Ela resumiu o antipetismo visceral que reativa um anticomunismo anacrônico. No quadro atual, a margem de manobra da presidente Dilma é extremamente reduzida.
Enders ressaltou que a corrupção é o tema recorrente da classe política brasileira desde os anos 50 e que o grande mistério é a posição das classes populares que não parcipam em geral das manifestações de rua. « Com ou sem impeachment haverá acordos para uma reacomodação do sistema », resumiu.
Pacto de classes
Wyllys contou que Lula conseguira fazer um pacto de classes reunindo as elites a quem convenceu que não era caro cuidar dos pobres. Esse pacto permitiu que uma fatia mínima do bolo fosse redistribuída. Posteriormente, Dilma se beneficiou do capital político de Lula.
« Mas essas políticas que trouxeram milhões de brasileiros para o consumo foram comprometidas pela crise econômica. O PT havia deixado de fazer as reformas de base e esqueceu o ódio das elites por verem ocupados espaços considerados privilégio dessas classes. Não foram feitas as reformas agrária, política e fiscal. O pacto não eliminou o ódio das elites. O resultado veio nas eleições, que permitiram aumentar o espaço da oposição na Câmara e no Senado. »
Na avaliação de Wyllys, que frisou que nunca pertenceu ao PT e sempre fez oposição ao governo, a conspiração começou depois da eleição presidencial de 2014 e continua com atos que tentam anular o resultado dela.
“Existe claramente um golpe frio em curso para derrubar um governo democraticamente eleito. A Lava Jato se tornou um instrumento desse golpe, nas mãos de um juiz messiânico. O ódio e o fascismo se espalham através das redes sociais, vemos pessoas agredidas por usarem roupa vermelha. »
Leneide Duarte-Plon é co-autora, juntamente com Clarisse Meireles de Um homem torturado, nos passos de frei Tito de Alencar, Editora Civilização Brasileira
Créditos da foto: Facebook Jean Wyllys
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