quinta-feira, 10 de março de 2016

Jornais franceses e a cobertura da crise no Brasil

Segundo o Le Monde, o impedimento de Dilma não é garantia de estabilidade pois o país tem partidos que atendem prioritariamente a interesses pessoais.

Leneide Duarte-Plon, de Paris* // www.cartamaior.com.br


Em dezembro de 2009, a revista do jornal Le Monde, M, resolveu eleger pela primeira vez “o homem do ano”, como outras revistas no mundo já faziam.

O primeiro escolhido pela redação do “jornal de referência » francês foi o presidente Lula, “por seu percurso singular de ex-sindicalista, por sua vitória à frente de um país tão complexo quanto o Brasil, por sua preocupação com o desenvolvimento econômico, pela luta contra as desigualdades e a defesa do meio ambiente”. Nunca o ex-metalúrgico foi tão bem tratado na imprensa brasileira.
O presidente terminava seu mandato com 80% de aprovação e o Le Monde era um dos mais entusiasmados fãs do legado de Lula.

De alguns meses para cá Lula só aparece na imprensa francesa como um reflexo da crise que paralisa o Brasil, um país profundamente deprimido, mergulhado na recessão e numa interminável crise política. O Le Monde em editorial de 5 de março intitulado «A inquietante degringolada do Brasil » falava de um país em plena « deliquescência econômica, política e moral », sacudido por « um sistema de corrupção tentacular » que envolve todos os partidos políticos sem poupar nem mesmo o ex-presidente Lula.

Segundo o jornal, o impedimento de Dilma Rousseff não é garantia de estabilidade pois o país tem uma nebulosa de partidos politicos que atendem prioritariamente a interesses pessoais.

Porta-voz da direita reproduz o circo da mídia brasileira

Ler no jornal Le Figaro matérias que reproduzem mais ou menos o que escrevem os jornais e revistas brasileiros não surpreende. Afinal, Le Figaro é o porta-voz da direita francesa e pertence ao bilionário Serge Dassault, fabricante de armas e senador francês, acusado de se eleger comprando votos e distribuindo dinheiro em seu feudo eleitoral, Corbeil-Essonnes. O que não ameaça sua estabilidade financeira quando se sabe que o bilionário detém uma fortuna calculada em 17,5 bilhões de euros.

Mas mesmo jornais como Le Monde e Libération, lidos pela intelligentsia francesa surpreendem com coberturas que não informam claramente o leitor dos objetivos do verdadeiro circo jurídico-midiático que se formou no Brasil para destruir o PT e seus dois mais emblemáticos políticos, o ex-presidente Lula e a atual presidenta Dilma Rousseff.

Muito mais equilibrado, o jornal L’Humanité, próximo do Partido Comunista Francês, tem feito uma cobertura de fundo explicando a seus leitores o que chamou de « jogo sujo da mídia que representa a oligarquia do país ». Depois da condução coercitiva de Lula, o L’Humanité deu voz ao Instituto Lula, sem deixar de explicar ao leitor as acusações ainda não provadas contra o ex-presidente, cuja candidatura em 2018 « viria contrariar as ambições da oposição, que pretende privatizar o gigante petrolífero Petrobras. »

Em 2011, a prestigiosa Sciences Po (Institut de Sciences Politiques de Paris) concedeu ao ex-presidente o título de doutor honoris causa, que Lula recebeu aclamado pelos alunos e professores. Paradoxalmente, o ex-operário detém títulos de doutor honoris causa de universidades estrangeiras sem nunca ter frequentado uma e isso incomoda muito num país em que o diploma é cultuado como um troféu, até pouco tempo privilégio dos filhos da casa grande.

Ao agradecer o título, Lula estimulou os jovens a participarem da política para mudarem o mundo e disse que « o povo brasileiro é capaz de eleger governantes que querem governar para todos e não apenas para os 30% da população, como se fazia antes. »

Foi muito comentada à época a pergunta da jornalista do Globo ao diretor da Sciences Po na coletiva que ele deu alguns dias antes da entrega do título. Ela queria saber por que atribuir o diploma a Lula e não ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Outro perguntou por que distinguir alguém que chamou Kaddafi de « irmão » e que jamais leu um livro. Ousaram até mesmo a pergunta : « A distinção se insere na política da Sciences Po de discriminação positiva ? »

A casa grande agora quer cassar de qualquer forma a possibilidade da volta do operário ao Palácio do Planalto.

*Leneide Duarte-Plon é co-autora, juntamente com Clarisse Meireles de Um homem torturado, nos passos de frei Tito de Alencar, Editora Civilização Brasileira

Créditos da foto: reprodução

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