Predomina a ideia de que o abrandamento do crescimento na China é o fator mais importante para explicar a queda nos preços das matérias primas. A realidade é bem mais complexa. Por Alejandro Nadal
Quase todas as análises sobre a economia mundial e a evolução da crise coincidem numa coisa: a recessão na China está a acelerar a queda nos preços das mercadorias básicas à escala mundial. A redução na procura mundial devido à crise de 2007-08 provocou uma queda nesses preços, mas hoje predomina a ideia de que o abrandamento do crescimento na China é o fator mais importante para explicar a queda nos preços das matérias primas. A realidade é bem mais complexa.
É verdade que a contração económica após a crise de 2007-2008 levou a uma redução nos preços das matérias primas e dos produtos básicos. Mas desde há muitos anos que se tem espalhado a crença de que a China é a principal fonte de procura de todo o tipo de produtos básicos, desde os agropecuários até minerais e outros produtos intermédios. As altíssimas taxas de crescimento do PIB na China têm sido vistas tradicionalmente como o motor da evolução dos preços destas matérias primas e produtos básicos.
Agora que os preços das commodities caíram, é muito tentador concluir que a causa se encontra na forte contração da economia chinesa. Efetivamente, sabemos que o PIB da China deixou de crescer às taxas vertiginosas de há uns anos. As fontes oficiais assinalam que o crescimento em 2015 foi de 6,9 por cento, mas ninguém leva a sério esse número. É muito mais provável que o crescimento em 2015 tenha sido de apenas 3 por cento, o que é uma catástrofe para uma economia como a chinesa. Mas mesmo esta correlação entre o comportamento do PIB da China e os preços das commodities é insuficiente para concluir que a evolução da economia chinesa é a causa principal do colapso dos preços dos produtos básicos.
O Banco Asiático de Desenvolvimento acaba de publicar um estudo sobre o impacto da recessão na China sobre os preços de produtos básicos. Um dos resultados é que a China foi quase auto-suficiente no caso de muitos produtos básicos. Além disso, a China não desempenha um papel determinante em muitos mercados de produtos básicos. Por exemplo, a economia chinesa apenas consome 12 por cento do petróleo mundial e só 5 por cento do gás natural que se produz em todo o mundo. A redução do ritmo de atividade na China não pode explicar a mudança nas cotações destes produtos (73 e 55 por cento nos preços do petróleo e gás natural, respetivamente). Além disso, a política económica na China mantém o objetivo de satisfazer 95 por cento do consumo doméstico de produtos agropecuários (com exceção da soja). Ainda que não tenha sido possível atingir essa meta, a produção interna no sector agropecuário é muito importante (só 2 por cento do arroz que se consome na China é importado).
Em resumo, nem toda a queda dos preços de produtos básicos no mundo está a ser provocada pela recessão na China. Algo mais deve estar a acontecer na economia mundial.
Além das pressões para exportar que provêm do excesso de capacidade instalada e da ânsia de consolidar posições no mercado, o setor financeiro também está a jogar um papel importante na redução de preços das matérias primas e commodities. Muitos fundos de cobertura ou hedge funds têm exercido pressão nos mercados financeiros para baixar mais esses preços.
A prática dos fundos de cobertura gira em torno da venda a curto prazo e da compra a longo prazo (quando se pensa que os preços vão continuar a crescer). Quando os mercados de futuros envolvem os produtores e os comerciantes, uma parte desta especulação pode fazer sentido. Mas quando os agentes já não estão relacionados com as operações substantivas de produção, transporte, comercialização e consumo, e quando só procuram obter ganhos através de operações de arbitragem e de vendas a curto prazo, tudo muda. Procurar explicar o movimento do mercado financeiro através de explicações tradicionais é enganoso.
A financiarização dos mercados de matérias primas e commodities aumentou a exposição de muitos agentes financeiros nos respetivos mercados. Isso levou-os a colocar maior pressão sobre o preço destes bens: apostando que os preços vão continuar a cair, decidem vender a curto prazo (isso leva a que a oferta cresça e o preço efetivamente caia). Isto está bem documentado nos casos do cobre e até do petróleo.
E quando os fundos de cobertura se convertem na figura dominante, o mercado deixa de ser um espaço económico, as operações já não têm que ver com fazer frente ao risco e só correspondem a especulação pura. O mercado converte-se num casino e, como bem dizia Keynes, a tarefa de investir produtivamente não é levada a cabo de maneira adequada.
Hoje o setor financeiro, e em especial os fundos de cobertura, continuam a desempenhar um papel fundamental na evolução da crise.
Artigo de Alejandro Nadal publicado em “La Jornada” em 23 de março de 2016
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