POR RAYMUNDO GOMES // Diario do Centro do Mundo
Caso se consume a derrubada de Dilma Rousseff – coisa que os meios de comunicação querem nos fazer crer que é mera questão de tempo – estarão apenas começando os problemas do novo Centrão. Para facilitar a tarefa dos novos poderosos, elaboramos um “check list” do dia seguinte do golpe.
1 – Livrar-se de Eduardo Cunha.
A mais evidente prova da hipocrisia dos golpistas é a consumação do impeachment de Dilma sob a condução de Eduardo Cunha, morto politicamente, mas ainda forte o suficiente para manter o caixão aberto. O PSDB, de início ambíguo em relação à continuidade de um encosto na presidência da Câmara, adotou em seguida um discurso em favor de sua saída, e por fim calou-se nos últimos dias diante da perspectiva de triunfo do impeachment. Uma vez derrubada Dilma, porém, Cunha vira um lastro que os tucanos não vão querer carregar, e do qual o PMDB não conseguirá se livrar tão facilmente. Esse será provavelmente o primeiro ponto de discórdia no seio da nova coalizão no poder.
2 – Dividir os espólios.
Depois de acusar o PT de trocar cargos e emendas parlamentares por votos, o novo regime terá que adotar as mesmas práticas ao assumir o governo – afinal, trata-se de um problema do sistema, e não deste ou daquele partido. Ficará evidente para a opinião pública a hipocrisia dos novos poderosos, quando inclusive alguns nomes dos governos petistas ocuparem postos na nova administração. Mesmo que Michel Temer opte pelo faz-de-conta de ministério de “notáveis”, os vitoriosos não tardarão a demandar sua cota de poder, seja no segundo, seja no primeiro escalão.
3 – Barrar a candidatura Lula.
Esta, talvez, seja a parte mais fácil do golpe em andamento. A Lei da Ficha Limpa, que tem sido amplamente usada por caciques políticos, nos âmbitos municipal e estadual, para afastar inimigos políticos, chegará desta vez ao nível nacional. A prioridade será levar às últimas consequências a investigação que pesa sobre o ex-presidente, barrando um candidato que, mesmo ferido por uma campanha diuturna, mostra nas pesquisas que dispõe de capital e carisma para, pelo menos, chegar ao segundo turno em 2018. Ainda que seja barrado pela Ficha Limpa, Lula poderia recorrer a um “poste”. O problema é que o PT sofre de uma cruel escassez de postes.
4 – Impedir que Marina chegue ao poder.
O sistema político brasileiro, apelidado “presidencialismo de coalizão”, tem resultado no triunfo de candidaturas carismáticas na eleição presidencial, enquanto nos pleitos legislativos prevalece a capilaridade das estruturas partidárias. Quando falamos em carisma, não estamos dizendo que Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff o possuíam; evidentemente, FHC foi eleito duas vezes pelo Plano Real, e Dilma, duas vezes por Lula. Mas na eleição presidencial impõe-se o nome; na legislativa, o partido. Demonstração disso é que PSDB nem PT conseguiram, apesar de terem vencido as seis últimas eleições presidenciais, obter no Parlamento sequer uma bancada próxima da maioria absoluta. Na eleição de 2018, o nome da vez é Marina Silva. Ela vem inteligentemente se mantendo à margem da crise, com esporádicas declarações que quase não a comprometem. O malfadado apoio a Aécio no segundo turno de 2014 já foi, provavelmente, esquecido pelo eleitor. Marina, porém, não é conveniente para os golpistas. Tem chance de boa penetração nas classes C, D e E, e entre a elite de esquerda desencantada com o PT já é desde 2010 a candidata favorita. Talvez a única forma de inviabilizá-la seja a implantação do parlamentarismo, mas como executar esse novo golpe sem escancarar a ojeriza à urna?
5 – Definir um candidato para 2018.
Um dos motivos pelos quais o golpe demorou a se consumar foi a demora para que se fechasse um acordo entre as elites – quem assumiria no lugar de Dilma? As forças golpistas acabaram se cristalizando em torno da solução provisória mais óbvia, Temer, mas ficou adiada a solução “definitiva”. Três candidatos se alinham no PSDB – Aécio, agora em dificuldade por conta da Lava Jato, e Serra e Alckmin, ainda piores de voto que o senador mineiro. Mas quem disse que os demais partidos vão aceitar um dos três? Com Temer no Planalto o PMDB já se assanha, e no horizonte é fácil prever, para 2018, uma divisão da coalizão golpista de 2016.
A decisão de Michel Temer de não renunciar à vice-presidência, ainda que compreensível dentro da lógica golpista, terá ainda por efeito decretar a morte do “presidencialismo de coalizão” (um nome mais apropriado talvez fosse “presidencialismo de cooptação”). O cálculo político para a montagem das chapas em 2018 passará a levar em conta a possibilidade de traição. Esta, que era uma hipótese remota nas dobradinhas Cardoso-Maciel em 1994/98, Lula-Alencar em 2002/06 e Dilma-Temer em 2010/14 passou a ser uma possibilidade plausível. O papel do vice ganhará relevo. Será delicado, por exemplo, montar uma chapa Serra-Renan em 2018, sem que parte do PSDB emita restrições à confiabilidade do PMDB. Quem derrubou um presidente pode derrubar outro.
6 – Dar um jeito na economia.
Até agora tem sido fácil colocar no governo Dilma a culpa por todos os males da economia. Afastada a presidente, porém, incumbirá àqueles que hoje são estilingue o papel de vidraça. Nos primeiros meses sempre será possível culpar a “herança maldita do PT”. Depois, pode-se recorrer ao álibi (bastante real) da conjuntura internacional. Em favor do futuro governo Temer, pode-se contar com a boa vontade do mercado. Seremos bombardeados com boas notícias sobre a “melhora dos indicadores”, sobre a “volta da confiança” etc. Mas o fim da chantagem do setor financeiro não significa a solução automática dos problemas. De início, o Centrão golpista não poderá se valer de algumas ferramentas que vem condenando, como a volta da CPMF. Mas como a coerência do discurso nunca foi a preocupação desse grupo, é provável que ela venha a ser proposta por aqueles mesmos que hoje a consideram inaceitável.
7 – Conter a Lava Jato.
Já vêm se esboçando os primeiros movimentos para contenção da “luta contra a corrupção”. Atingido seu objetivo fundamental, que era ferir de morte o governo, todos os envolvidos (juiz Moro, meios de comunicação, políticos) já começam a mostrar o devido respeito ao segredo de Justiça, a jogar o jogo conforme as regras previstas em lei. Pode-se prever uma acentuada redução no número de vazamentos para a mídia. Porém, como a Polícia Federal e o Ministério Público não são instituições monolíticas, também é de esperar que haja uma reação de alguns setores. É outro conflito latente que pode perturbar os planos do regime golpista.
8 – Vencer as eleições municipais.
A eleição deste ano será o primeiro teste de popularidade do eventual novo governo. Embora um pleito nacional permitisse enxergar com melhor clareza a divisão de forças, o resultado de alguns colégios – o de São Paulo, sobretudo, mas não exclusivamente – será influenciado pela conjuntura nacional, e certamente será analisado como julgamento da população.
9 – Convencer o mundo de que o Brasil ainda é uma democracia.
Embora o golpe conte com todo o apoio da grande mídia brasileira, não se pode dizer o mesmo dos meios de comunicação estrangeiros. Aqui e ali, alguns veículos independentes já apontaram para o público estrangeiro o que realmente está em jogo. Outros, como o New York Times, têm prestado um desserviço a seus leitores, pintando a crise do impeachment como uma batalha entre um povo engajado e um governo corrupto. Foi mais ou menos o mesmo no Golpe de 64 (a revista Time, na época, chegou a dizer que “nunca houve uma revolução tão popular”, dando como exemplo a comemoração nas ruas de… Copacabana). A batalha pela opinião pública internacional já está em curso: tanto Dilma quanto Aécio chamaram os correspondentes estrangeiros para propagar suas versões dos fatos. Com o tempo, porém, a verdade costuma triunfar na imprensa europeia e norte-americana. Não será fácil para Michel Temer construir no exterior uma imagem de democrata. Terá o apoio de alguns pares, como Mauricio Macri, na Argentina, mas talvez seja tratado por outros como pária. Não que isso o preocupe no momento.
10 – Convencer o eleitorado de que o impeachment não terá sido um golpe.
Se as brigas internas da coalizão forem escancaradas; se ficar evidente para a população que Dilma, Lula e o PT são mártires de uma perseguição golpista, e não de um movimento republicano pela ética; se as camadas mais pobres da população se derem conta de que o golpe não veio para o seu bem, a nova coalizão terá dificuldade em garantir a vitória eleitoral em 2018. Qual será o plano, desta vez? Perturbar a normalidade das eleições, por exemplo, acusando o PT de pregar a violência? Implantar o parlamentarismo para reduzir o risco de um presidente “indesejável”? Este será o teste final do êxito da conspiração atualmente em marcha
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