Morreu, em junho do ano passado, aos 93 anos de idade, o Drácula dos Dráculas do cinema. Christopher Lee fazia parte do imaginário de terror da minha geração.
Sedutor, Lee interpretava com a elegância de um Lord o conde da Transilvânia que assolou a Inglaterra, fruto da imaginação do irlandês Bram Stoker.
Quando se fala de Drácula, a gente (na minha geração, ao menos) lembra de Christopher Lee.
Durante as eleições de 2014, Michel Temer andou aqui pela querência sulina. Seu desprendimento foi tamanho, que, solidário, apoiou o candidato a governador que, por sua vez, apoiava Aécio.
Quem poderia agir assim com tanta compaixão?
Mesmo tendo sido eleito, algo não ficou bem resolvido para ele. Tempos depois, em missiva comovente, reclamaria de seu papel de vice-decorativo.
Com tantos problemas e a enorme crise emocional, decidiu-se por um ato de coragem. Era preciso romper com tudo aquilo que o angustiava e o corroía.
O plano era fenomenal, mas arriscado. Atear fogo no navio em movimento e saltar antes de ser queimado vivo. Organizou com o partido uma ampla discussão para, juntos, pularem fora. A contenda durou quase três minutos e a intenção ficou acordada.
Contariam até três e todos pulariam. O impacto seria fulminante. Não era pouca coisa, pois havia sete ministros, para se dizer o mínimo. Contaram Um.
Os parlamentares se olharam. Expectativa.
Neste momento, dizem alguns, Temer teria feito um improvisado discurso. “Salto do navio para entrar na história”. Houve aplausos e alguns “Muito bem, muito bem!”.
Os aplausos foram interrompidos pela contagem do Dois. Olharam-se e vislumbraram a vastidão do futuro, pois justamente ele, o futuro, os absolveria. Alguém, inadvertidamente, teria gritado “Je suis Fiesp”.
À contagem do Três, Temer fechou os olhos e viu-se com uma faixa verde e amarela no peito. Recordou toda humilhação causada por aquela mulher que não lhe dava carinho, atenção e respeito. Só cargos.
Aquele último segundo pareceu séculos. Havia chegado o momento da ruptura, da travessia. Uma ponte para o futuro.
Quando abriu os olhos, percebeu que alguns de seus partidários, que saltaram, agonizavam sem boias no mar revolto. O plano era só a intenção de pular fora, mas ficando. Tipo: indo, mas não indo.
Temer permaneceria a bordo, afinal, alguém tinha que estar ali para mudar o rumo do navio, da história e do mundo. E ele fora o escolhido.
Mas o tiro, ou o pulo, saiu pela culatra. Durante os três mais longos segundos da história política brasileira, alguém havia sabotado o motim. Mas quem seria capaz de transformar água em vinho, multiplicar os pães, acabar com a fome e articular com metade do partido de Temer?
Nesse instante, sentou-se no chão do tombadilho – aquele que Castro Alves dizia “que das luzernas avermelhava o brilho” – e chorou. O golpe chegara ao fim.
Adeus fama, adeus aliança com o PSDB, adeus amores, adeus.
Quando se pensa em Drácula, lembra-se de Christopher Lee, que, por alguma razão misteriosa, nos faz lembrar o Michel Temer.
Lee será lembrado como o Drácula de uma geração inteira e também como o ator impecável de outras duzentas produções cinematográficas, dentre as quais O Senhor dos Anéis e O Hobbit.
Temer poderia ser beneficiado por uma imagem discreta e bem mais honrosa. Algo mais digno, como, por exemplo, respeitar os 54 milhões de votos que recebeu sem os merecer.
Poderia também ter tentado salvar o navio ao invés de se aventurar a sabotá-lo.
A relação de Temer e Drácula está no que ambos representam. Sem perceber, acaba-se adquirindo simpatia por aquele que suga o nosso sangue para conseguir sobreviver. Mesmo que seja um morto-vivo. Não vive nem deixa viver.
A simpatia pela sandice de um golpe no Brasil talvez seja explicada pela psicologia ou, quem sabe, pela parapsicologia. O trabalhador endeusa o algoz que vai decepar a sua cabeça; seus diretos adquiridos, no mínimo.
Ao final, Drácula sempre é vencido pela tradicional estaca cravada no coração, uma bala de prata ou, simplesmente, a luz do sol que dissipa as trevas.
Quanto ao Temer, resta pouco mais que a imagem de menino chorão, que só não é chamado assim porque já passou da idade de ser chamado de menino.
Arrastado pela ilusão da vaidade, seu final melancólico lembra o de uma personagem de Shakespeare: o Rei Lear.
Lear tinha um Reino, era Rei, já se vê. Resolve dividi-lo entre as filhas: Goneril, Regana e Cordélia.
Goneril e Regana o bajulam; Cordélia não o faz, mas deixa evidente que cuidará de Lear, já velho.
Lear dá o Reino a Goneril e Regana, que então o desprezam e tripudiam. Cordélia, deserdada, o perdoa quando este se dá conta da burrada que fez e diz-lhe que viverá sem rancor. É tarde, porém, porque ela está condenada à morte e é executada.
O bobo da antiga corte – nenhuma semelhança com Moreira Franco – que acompanhava o velho e caído Rei, ao lancinado Lear:
– Tu não devias ter ficado velho antes de ter ficado sábio.
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