sexta-feira, 27 de maio de 2016

O Brasil vive um dos momentos mais dramáticos da sua história

Através do CLACSO fazemos um apelo a todos os participantes do XXXIV Congresso da LASA, para que fortaleçamos e amplifiquemos nossa luta.

Pablo Gentili - CLACSO // www.cartamaior.com.br

Um governo democraticamente eleito foi destituído por setores políticos derrotados nas eleições de outubro de 2014, em associação com alguns partidos até então aliados do PT, com a cumplicidade do vice-presidente, Michel Temer. O procedimento do impeachment está previsto na Constituição brasileira e requer a existência de um delito de responsabilidade por parte do presidente da República. Embora tenha se tentado impor a ideia de que a destituição de Dilma Rousseff se justificava por casos de corrupção que contaminam o sistema político brasileiro, nada de concreto foi demonstrado contra ela, nem contra sua gestão. O processo de impeachment se realizou através de uma operação que tentou transformar em delito a gestão do orçamento nacional do ano de 2015, baseada em decretos que foram idênticos aos realizados por todos os presidentes brasileiros desde os Anos 90. A manobra foi bastante evidente e ficou ainda mais exposta graças a recentes áudios divulgados pela imprensa, que mostram sem eufemismos como foi planejado e organizado este novo golpe que envergonha a América Latina e o mundo.
O governo de Michel Temer mal começou e já expressou com claridade os principais objetivos do seu mandato. Está se impondo no Brasil uma política que a cidadania não votou, e que impulsa um governo ilegítimo que conta com o maciço apoio dos principais monopólios da imprensa, de importantes setores do poder econômico, do Poder Judiciário e das forças de segurança públicas, particularmente, a Polícia Federal.

O mundo condena o golpe no Brasil. Nós acreditamos que este excepcional espaço acadêmico, de debate e deliberação teórica e política oferecido pela LASA, deve expressar sem vacilar sua fidelidade aos valores de defesa da democracia, onde quer que exista risco a ela. A melhor forma de festejar os 50 anos da Latin American Studies Association (LASA), e também os do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO), é fazendo o que sempre fizemos: nos manifestar a favor dos diretos humanos, da justiça e da soberania popular, fontes da democracia e da liberdade humana.

Seria uma incoerência com nosso passado, e uma enorme omissão, que dificilmente repararemos no futuro, se este Congresso se desenvolve sem que façamos escutar nossas vozes de protesto, de indignação e de rechaço ao enorme atentado que está se cometendo no Brasil contra a história democrática dos nossos povos.

Através do CLACSO fazemos um apelo a todos os participantes do XXXIV Congresso da LASA, para que fortaleçamos e amplifiquemos esta luta com nossas reflexões, análises, debates, intercâmbios e com nossa mobilização ativa.

Como forma de identificação, desenhamos camisetas que expressam nosso estado de luto pela democracia brasileira. Convidamos a todos a solicitá-las gratuitamente em nossos pontos de distribuição, e exibi-las durante o Congresso.

Convocamos a participar da Cerimônia de Abertura do Congresso usando estas camisetas, portando cartazes, bandeiras e tudo o que possa expressar nossa inconformidade com o golpe no Brasil. A cerimônia se realizará nesta sexta-feira 27 de maio, a partir das 7h PM, no Grand Ballroom West, e será o melhor espaço para mostrar o massivo repúdio dos membros da LASA contra este novo atentado contra a democracia latino-americana.

O CLACSO distribuirá as camisetas algumas horas antes do início do Congresso. NÃO DEIXEMOS DE ASSISTIR A CERIMÔNIA DE ABERTURA USANDO-AS.

Também os convidamos à concentração contra o golpe no Brasil, que realizaremos em nosso stand (Setor de Exposição de Livros), no sábado 28, a partir das 12h30 PM. Venham também com suas camisetas, seus cartazes e bandeiras.

Finalmente, queremos expressar nossa opinião sobre a inoportuna decisão convidar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a este Congresso.

A LASA deve fazer uma aberta discussão sobre os motivos de uma ideia desatinada, que terá um enorme custo político para a entidade, e que expressou um surpreendente grau de improvisação por parte da sua direção.

Cardoso não é um intelectual há já bastante tempo. Quando o foi, colaborou ativamente com o CLACSO, assim como o ex-presidente chileno Ricardo Lagos, que o acompanharia na conferência prevista. Como presidente do Brasil, ele impôs um dos planos de ajuste e de privatização mais severos da história democrática brasileira, destruindo algumas das principais conquistas alcançadas na Constituição Nacional de 1988.

Entretanto, a decisão convidar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao Congresso da LASA surpreende, principalmente, por ter sido ele um dos principais articuladores e instigadores do golpe que se produziu no Brasil recentemente.

Um fato gravíssimo, já que durante o seu mandato se realizaram os mesmos decretos de gestão do orçamento que, no caso de Dilma Rousseff, foram transformados em delito de responsabilidade para justificar o golpe contra a Constituição do Brasil. O discurso dúbio a respeito a ética pública expressa uma enorme hipocrisia e uma imensa injustiça que o ex-presidente Cardoso não fez outra coisa senão alimentar e promover.

É incompreensível o convite da LASA a Fernando Henrique Cardoso, e que depois tenha decidido mudar o nome de sua palestra, retirando da mesma a palavra “democracia”, substituindo-a por “vida pública”.

O que não parece incompreensível é que Fernando Henrique Cardoso, a poucas horas do Congresso, tenha cancelado sua participação. A direção da LASA deveria saber que, na América Latina, os golpistas se recusam a participar do debate público, se escondem e se resignam à clandestinidade prepotente oferecida pelos meios de comunicação, mas nunca enfrentam o intercâmbio respeitoso de ideias e o confronto democrático com aqueles que os denunciam por trair os valores que alguma vez prometeram defender. Como é possível que a direção da LASA não tenha sido capaz de imaginar que tudo isso aconteceria? Como explicará semelhante desatino aos seus milhares de associados?

Sabemos que a LASA superará este erro e emitirá uma resolução de condenação à destituição de Dilma Rousseff. Estaremos junto à direção da LASA, apoiando de maneira entusiasta esta decisão.

De qualquer forma, na sexta-feira 27 lotaremos a cerimônia de abertura, vestindo nossas camisetas, portando nossos cartazes e expressando o que este Congresso da LASA nunca deixaria de expressar, com ou sem a presença de Cardoso, nosso NÃO AO GOLPE NO BRASIL.

Uma saudação fraternal,

* Pablo Gentili, Secretário-executivo do CLACSO, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), ex-diretor da FLACSO Brasil e membro do Conselho Superior da FLACSO.

Tradução: Victor Farinelli


Créditos da foto: Roberto Stuckert Filho/ PR

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