quarta-feira, 4 de maio de 2016

O impeachment dos desesperados

ALEX SOLNIK // http://www.brasil247.com/

Essas audiências de dez, doze horas de duração como a Câmara dos Deputados fez e como agora está fazendo o Senado, verdadeiras maratonas, são como aqueles filmes de dez, doze horas de duração: quem consegue assistir até o final sai do cinema atordoado e mais confuso do que entrou e sem condições de se lembrar de muita coisa do que viu.

O formato torna humanamente impossível acompanhar tudo na íntegra, nem mesmo os maiores interessados, que são os senadores, conseguem fazê-lo, pois não há interrupção nem na hora do almoço e por isso quem sai para almoçar perde trechos dos debates. É uma coisa de doido, um verdadeiro acinte do qual todos participam sem se queixar, nem mesmo os senadores governistas desconfiam de que é muito estranho passar o dia inteiro, das 10 da manhã até à meia-noite trancados numa sala, sem direito a um período de reflexão ao menos, submetidos a um regime de tantos minutos para a pergunta, tantos para a resposta e tantos para a tréplica.

Para quem não é senador, é pior ainda. Os repórteres sabem que nos jornais, ou sites ou blogs ou no rádio ou TV não haverá espaço para eles contarem tudo o que ouviram, e então são obrigados a escolher algumas intervenções, que nunca darão ideia de tudo o que aconteceu. Eles próprios, por mais competentes que sejam ficam atordoados, sem conseguirem transmitir fielmente o que ouvem.

O distinto público fica então a ver navios, a maioria está trabalhando e só vai se inteirar do assunto ao chegar em casa, pela TV ou no dia seguinte, pelo jornal e o que recebe como informação é uma reportagem parcial, de um ou dois minutos, totalmente insuficiente para ele fazer algum juízo de valor. Vai continuar tudo na mesma para ele.

Não sei quem foi que inventou isso, se foi Eduardo Cunha ou Temer ou Renan, nem se o STF aprovou, mas sei que a pressa é intencional, pois o imbróglio tem que terminar tal dia e Temer pede a toda hora que se ande depressa e que isso é altamente antidemocrático, está na cara, pois o certo seria conheceremos na íntegra o que os especialistas pensam a respeito de um assunto tão fundamental para o presente e o futuro do país.

Tenho impressão que o objetivo é aprovar esse impeachment delirante a toque de caixa, para que ninguém perceba o que ele realmente é, um golpe parlamentar muito mal disfarçado, pois não há crime algum da presidente da República. Uma vergonha para quem está entendendo e uma grande interrogação para a maioria desavisada que entende isso como uma luta pelo poder e acha que tudo bem, pois política é assim mesmo, quem pode mais, chora menos. E "vamo que vamo".

Golpes exigem rapidez e a comparação com 64 é inevitável: enquanto João Goulart ainda estava em território nacional, no dia Primeiro de Abril, o presidente do Senado Auro Moura Andrade, de pouco saudosa memória declarou que sua cadeira estava vaga e o novo presidente, Ranieri Mazzili foi empossado a jato. Tudo na calada noite, exatamente como hoje, tudo de forma atabalhoada para não dar tempo para pensar ou perceber o desastre anunciado.

Este é mais um sinal de que o que estamos assistindo é uma violação sequencial do que diz a constituição e um desrespeito a todos os brasileiros, que deveriam ser informados de todos os detalhes para saberem o que está acontecendo com o país e um grande absurdo, pois uma questão da maior relevância, que deveria ser conduzida com toda a serenidade e sem atropelos – pois a pressa é inimiga da perfeição – está se desenrolando como um filme que é exibido de forma acelerada, para esconder, intencionalmente, seu conteúdo grotesco.

Hoje, por exemplo, além de dois professores da UFRJ que demonstraram com maestria a inexistência de crime nas acusações feitas a Dilma, com exposições muito bem fundamentadas que não veremos nos jornais de amanhã, o ex-presidente da OAB, Marcelo Lavenère detalhou à exaustão as diferenças entre o que vemos hoje e o impeachment de Collor, em 1992, mas duvido que essa informação vai chegar a muitas pessoas que vão continuar repetindo: ah, mas no tempo do Collor o PT não falou que foi golpe e agora diz que é golpe.

É que no tempo do Collor o impeachment só foi apresentado aos deputados depois de uma série de fatos concretos – a começar por uma entrevista à "Veja" em que seu irmão, Pedro Collor, declarou que ele era sócio de uma quadrilha, cujo operador era PC Farias – que foram investigados por uma CPI durante três meses e todas aquelas acusações foram comprovadas. Provou-se os crimes do presidente. Não havia um vice mandando acelerar trabalhos ou formando seu ministério.

Não houve correria, ninguém estava ansioso para que ele saísse logo do Planalto, nada disso. Tudo foi feito com muito tempo e muito serenamente.

Outra diferença que Lavenère apontou é que nem ele – que foi um dos proponentes do impeachment de Collor – nem nenhum outro jurista recebeu um tostão de qualquer partido para redigi-lo ( e eram juristas renomados e não uma Janaína Pascoal que fez um frila de 45 mil para o PSDB) e nem o presidente da Câmara chantageou quando o recebeu, para obter alguma vantagem, colocou-o logo em discussão.

Naquela época, além disso, o impeachment, em vez de dividir o país, como acontece hoje, uniu-o, pois os crimes ficaram demonstrados tão claramente que ninguém ficou ao lado dele. Ninguém saiu de verde-amarelo na rua, como Collor pediu e sim de preto. Ninguém foi instrumentalizado, nenhuma Fiesp patrocinou a confecção de patos infláveis.

Por isso a passagem da faixa de Collor para seu vice não foi traumática, não houve protestos contra o novo presidente, muito ao contrário, enquanto a perspectiva, hoje, é de um "day after" imprevisível, tal é o conjunto de arbitrariedades cometido nessa louca jornada.

A constituição está sendo violada não só no conteúdo, mas na forma com que o debate está sendo conduzido: quanto mais depressa, melhor.

É o impeachment dos desesperados.

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