Luiz de Queiroz // http://jornalggn.com.br/
Jornal GGN - No julgamento da Ação Cautelar formulada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) que pediu o afastamento de Eduardo Cunha do cargo de deputado federal e da função de presidente da Câmara dos Deputados, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, decidiu pela suspensão do exercício do mandato do parlamentar. Em um relatório com 73 páginas, Teori abordou as suspeitas que pesam contra o deputado, as manobras utilizadas por ele e seus aliados para obstruir a justiça e impedir as investigações e o papel de cada um dos poderes, em especial do Judiciário, de intervir diante do abuso de poder.
O ministro do STF disse em sua decisão que o Ministério Público descreveu “minuciosamente” diversos fatos criminosos e praticados com desvio de finalidade por Eduardo Cunha, que utilizou sua função de presidente da Câmara “para fins ilícitos e, em especial, para obtenção de vantagens indevidas”.
De acordo com o requerimento assinado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Cunha estaria utilizando do cargo de deputado e da função de presidente da Câmara para evitar que “as investigações contra si tenham curso e cheguem a bom termo”, além de “reiterar as práticas delitivas, com o intuito de obter vantagens indevidas”. Por isso, a medida cautelar “absolutamente atípica e diferenciada” teria a função de “garantir a efetividade e a eficácia da aplicação das leis, sobretudo a penal, e garantir a ordem pública”.
Com base no requerimento da PGR, o relatório de Teori Zavascki cita diversas condutas supostamente criminosas ou de desvio de finalidade do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha.
Entre elas: a pressão exercida sobre Júlio Camargo para honrar o pagamento das propinas decorrentes de contratos da Petrobras; a elaboração de requerimentos no Congresso Nacional com o intuito inequívoco de realizar um ataque às empresas do Grupo Schahin; a convocação de depoimentos na CPI da Petrobras com a finalidade de constranger e intimidar; a contratação de uma empresa de investigação financeira para tentar descobrir algo que pudesse comprometer os acordos de delação premiada firmados no âmbito da Operação Lava Jato, com o pretexto de auxiliar na investigação dos trabalhos da CPI; a tramitação de projeto de lei para impedir que um colaborador corrija ou acrescente informações em depoimentos já prestados, exatamente como foi feito por Júlio Camargo ao se retratar e incriminar Eduardo Cunha como beneficiário de propina e outras vantagens indevidas; além de outras centenas de trocas de mensagens que indicam que projetos de lei de interesse das empreiteiras eram redigidos por elas próprias, sob supervisão de Cunha, que os apresentava, então, para o Congresso Nacional, diretamente ou por meio de algum dos seus aliados.
Diante desses indícios, Janot afirmou que “Eduardo Cunha transformou a Câmara dos Deputados em um balcão de negócios e o seu cargo de Deputado Federal em mercancia, reiterando as práticas delitivas”. Por isso, “reputa presente a necessidade de aplicação da medida cautelar que prevê a suspensão da função pública, quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais”.
Em sua decisão, Teori Zavascki disse que normalmente cabe ao Congresso Nacional a competência para decidir a respeito da perda do mandato político. De acordo com ele, a Constituição “entrega a cada uma das Casas Parlamentares a grave missão institucional de decidir sobre a cassação do título que investe deputados e senadores nos poderes inerentes à representação popular. Isso implica admitir – por mais excêntrico que possa parecer à consciência cívica em geral – que um mandato parlamentar pode vir a subsistir ainda quando o seu titular tenha tido seus direitos políticos suspensos pela Justiça, por decisão transitada em julgado”, explicou o ministro.
“O preceito trabalha com uma lógica de harmonia entre poderes, que não interdita o funcionamento de qualquer um deles. Pelo contrário, permite que cada um funcione dentro de suas respectivas competências. O Judiciário terá se pronunciado quanto à formação da culpa, enquanto o parlamento irá se manifestar sobre a cessação do mandato, cabendo a esta última instância justificar o seu entendimento sobre a subsistência de um vínculo de representatividade – já debilitado no seu substrato de legitimidade – diante dos apelos da opinião pública”, completou.
Mesmo assim, o ministro do Supremo entende que investigações e processos criminais contra parlamentares precisam transcorrer sem interferência do Legislativo, e o foro privilegiado é garantia suficiente de que a persecução penal obedece a interesses públicos. “Assim, a partir de quando um parlamentar passa a ser alvo de investigação por crime comum, perante o foro apropriado, também esses agentes políticos haverão de se sujeitar a afastamentos temporários da função, desde que existam elementos concretos, de particular gravidade, que revelem a indispensabilidade da medida para a hígida sequência dos trabalhos judiciários”.
Zavascki citou, então, o entendimento da ministra Carmen Lúcia sobre o assunto. “A Constituição não diferencia o parlamentar para privilegiá-lo. Distingue-o e torna-o imune ao processo judicial e até mesmo à prisão para que os princípios do Estado Democrático da República sejam cumpridos; jamais para que eles sejam desvirtuados. Afinal, o que se garante é a imunidade, não a impunidade. Essa é incompatível com a Democracia, com a República e com o próprio princípio do Estado de Direito”.
De acordo com denúncia do Ministério Público, o julgamento de Cunha na Câmara está prejudicado por “interferência constante, direta e explícita no andamento dos trabalhos do Conselho de Ética, que visam a julgar o requerido por suposta quebra de decoro parlamentar”.
O ministro Teori Zavascki concluiu, portanto, que o Supremo deve interferir no caso. “Não são apenas os produtos legislativos que estão submetidos ao controle judicial. Também o veículo da vontade popular – o mandato – está sujeito a controle. A forma preferencial para que isso ocorra, não há dúvida, é pelas mãos dos próprios parlamentares. Mas, em situações de excepcionalidade, em que existam indícios concretos a demonstrar riscos de quebra da respeitabilidade das instituições, é papel do STF atuar para cessá-los, garantindo que tenhamos uma república para os comuns, e não uma comuna de intocáveis. A medida postulada é, portanto, necessária, adequada e suficiente para neutralizar os riscos descritos pelo Procurador-Geral da República”.
No anexo, a íntegra da Ação Cautelar 4.070, de autoria do Ministério Público Federal, com relatoria do ministro Teori Zavascki
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