quinta-feira, 5 de maio de 2016

‘STF está no golpe, pela omissão’, diz Wadih Damous

Eduardo Moretti
Da RBA // 
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“As instituições brasileiras, o Judiciário, o Ministério Público, o Congresso Nacional, o aparato policial, o sistema brasileiro de Justiça, todos estão mergulhados no golpe até a medula.” O Supremo Tribunal Federal, no qual grande parcela da sociedade brasileira, até pouco tempo atrás, depositava esperanças no sentido da preservação dos mandamentos da Constituição, também se inclui nesse rol de instituições mergulhadas no golpe. “O STF está no golpe, pela omissão.”

A opinião é do agora ex-deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), suplente de Fabiano Horta, também do PT do Rio, que reassumiu hoje seu posto de titular após deixar o cargo de secretário de Desenvolvimento Econômico Solidário na prefeitura carioca.
Para Damous, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio e um dos quadros com maior conhecimento jurídico do PT, o governo Dilma Rousseff sofreu “um cerco poucas vezes visto no Brasil”, comparável ao que viveram Getúlio Vargas em 1954 e João Goulart em 1964. “O governo foi sabotado desde o resultado das eleições de 2014”, lembra.
No entanto, ele reconhece que não apenas com Dilma, mas desde Lula os governos petistas vêm errando na condução de temas ligados ao sistema judiciário do país. Com destaque para as nomeações dos ministros do STF. “De fato, o governo errou nas nomeações, desde Lula. Errou praticamente em todas as nomeações para o Supremo Tribunal Federal e para os tribunais em geral. Errou muito, errou a não mais poder”, afirma Damous.
Entre os atuais 11 ministros do STF, Dilma Rousseff indicou Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux, Rosa Weber e Teori Zavascki. Lula indicou Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, além do já aposentado Joaquim Barbosa, condutor do mensalão.
Wadih Damous diz considerar extremamente difícil, para o governo, a situação do processo de impeachment no Senado, embora, para ele, ainda não esteja consumado. Mas, seja em relação ao impedimento de Dilma, seja quanto aos direitos que, segundo ele, certamente serão eliminados num eventual governo Michel Temer, tudo depende das mobilizações. “Já que é assim, que o povo não tem por que acreditar mais nas instituições, então tem que acreditar nele mesmo”, diz. “Ou o povo brasileiro entende, percebe o que está se passando, ou, de fato, nós vamos mergulhar nas trevas sem prazo para voltar a ver luz no fim do túnel.”
Damous falou à RBA.
RBA – Pelo que se observa nos bastidores ou pelas falas de representantes do governo, pode-se dizer que o golpe já foi dado, que é fato consumado?
Wadih Damous – Olha, é uma situação extremamente difícil. Os indicativos apontam que a comissão do Senado vai admitir o pedido de impeachment e se estabeleceu, não sei tirado de onde, que, afastado por 180 dias, o presidente não volta. O Collor nesse caso não serve de parâmetro, e foi o único caso de impeachment que houve no Brasil. Não há nenhum precedente, de fato, neste sentido. Eu acho que o golpe ainda não foi consumado. Está numa boa dianteira, passou na Câmara, provavelmente a admissibilidade vai passar no Senado. Agora, entre a decisão da comissão do impeachment e a decisão do Plenário, vai ter muita água debaixo da ponte e muito povo na rua para questionar esse negócio.
Havia um consenso contra Collor. Ele não tinha partido, era um bonapartista, completamente isolado. As classes dominantes achavam que ele não servia mais, que ele não estava cumprindo o script. É um caso à parte. Neste caso, pelo menos metade do país não quer esse impeachment ou questiona o que está acontecendo, está com medo de um governo Michel Temer e Eduardo Cunha, que é o governo da corrupção, o governo do retrocesso, do fim dos direitos sociais, do fim dos programas sociais. Há muita rua para o povo percorrer. Então, não acho que esteja consumado.
RBA – Cada nova esperança depositada pela sociedade nas instituições é frustrada. O STF, por exemplo, não está se omitindo?
Wadih Damous – Eu diria a você que o STF está no golpe, pela omissão. Agora, já que é assim, que o povo não tem por que acreditar mais nas instituições, então tem que acreditar nele mesmo. Porque só quem pode hoje barrar esse golpe é a sociedade organizada, é o povo. São os movimentos populares, os movimentos sociais, é o povo na rua, é deixar claro que o golpe não vai passar em branco. É deixar claro que um governo Michel Temer e Eduardo Cunha não será considerado legítimo e, portanto, não vai ser respeitado como governo. É uma mensagem que a sociedade, o povo, os movimentos organizados têm que deixar claro para os golpistas: vocês não nos representam e vocês não vão governar. Se isso não ficar claro, aí, de fato, dificilmente o golpe vai ser barrado.
RBA – A esquerda tem o hábito de se considerar vítima de situações como a atual ou a de 1964, mas até que ponto vai a responsabilidade do governo, que teria facilitado o golpe com seus erros políticos e jurídicos nesses anos?
Wadih Damous –  Primeiramente, em favor do governo, nós podemos dizer que ele sofreu um cerco poucas vezes visto no Brasil. Talvez o paralelo seja Getúlio em 54 e João Goulart em 64. O governo foi sabotado. Desde o resultado das eleições de 2014 se fala em impeachment. Já se começou com o PSDB questionando as urnas eletrônicas, as pautas-bomba no Congresso Nacional e a ação predadora da grande imprensa, como sempre. Absolutamente golpista e exercendo um papel esmagador no sentido de forjar uma crise e tentar destruir e massacrar a reputação da presidente, a reputação do presidente Lula, o legado dos governos de Lula e Dilma. Isso tem que ser ressaltado. Nesse sentido, a esquerda, ou pelo menos o governo, são vítimas, sim.
Agora, por outro lado, isso não pode servir de justificativa para acobertar os nossos erros. O governo Dilma errou muito, errou por inação, errou na política econômica, errou por virar as costas aos setores que foram decisivos para a vitória em 2014, numa eleição praticamente perdida, que foi virada nos últimos dias graças à entrada em cena de segmentos sociais que até então vinham se mantendo equidistantes nas eleições. E infelizmente o governo Dilma virou as costas para esses segmentos, para os movimentos sociais, os movimentos organizados. A presidenta Dilma tem uma profunda dificuldade em exercer a política e fazer a política. É uma mulher absolutamente honesta. E, aliás, paradoxalmente, está pagando o preço por isso. Está sendo deposta por bandidos em nome de um suposto combate à corrupção.
RBA – Entre os erros não estariam as nomeações de oito ministros (entre os 11 atuais) ao STF por Lula e Dilma, ou Dilma ter começado o segundo mandato com um ministério tão fraco?
Wadih Damous – De fato, o governo errou nas nomeações, desde o Lula. Errou praticamente em todas as nomeações para o Supremo Tribunal Federal e para os tribunais em geral. Errou muito, errou a não mais poder. Mesmo nas últimas nomeações, continuou errando. Então o governo tem sua parcela de responsabilidade, sim, sem sombra de dúvida.
Mas também não vamos fazer autoflagelação e esquecer o que a direita fez esse tempo todo. Foi a sabotagem, foi essa articulação com a mídia e com o sistema brasileiro de Justiça, pelo menos com parte de segmentos do sistema, parte do Judiciário, parte do Ministério Público e parte da Polícia Federal. E aí fica muito difícil deter uma avalanche golpista como essa. Eu repito, quem pode deter a avalanche golpista é o povo. É o povo na rua.
RBA – Se, no início do segundo mandato, Dilma tivesse começado com um gabinete forte, por exemplo com um ministro da Justiça com autoridade, não poderia ter evitado que chegasse ao ponto em que chegou?
Wadih Damous – Pelo menos dificultaria o movimento golpista. Mas, enfim, eu não estou no governo, não fui nem sou ministro, não estou lá para ter a percepção que eles tiveram naquele momento. Mas, não é no governo Dilma, isso vem desde o governo Lula. Polícia Federal e Ministério Público ganharam uma autonomia exacerbada. E o próprio presidente Lula se iludiu com isso, achando que com o que ele chama de republicanismo, que fortalecer esses órgãos seria prova da imparcialidade do governo. Isso é ingenuidade. Não existe imparcialidade no aparelho do Estado.
Estamos pagando por isso e não é de agora. Seria uma injustiça com Dilma dizer que isso se concentra no governo dela. Não, isso é um padrão que veio do governo Lula. Nomear o primeiro da lista, reconduzir como obrigação. Não tem obrigação nenhuma em reconduzir, não tem obrigação nenhuma de botar o primeiro da lista. O procurador-geral da República não pode ser visto como chefe de corporação. Corporação não pode ditar os rumos das nomeações do presidente. Isso é um erro. Então, ambos erraram. Tanto Lula, quanto Dilma, nesse sentido. Erraram e erraram feio.
RBA – Num provável governo Temer, até que ponto os direitos e conquistas sociais estão ameaçados?
Wadih Damous – Ameaçados não. Você pode já contabilizar como eliminados. Esse é o compromisso que Temer tem com os que estão financiando política e financeiramente esse golpe.
RBA – Como os Estados Unidos?
Wadih Damous – Também. Provavelmente. Mas não são só os Estados Unidos. As classes dominantes brasileiras estão inteiramente mergulhadas nesse golpe. Ninguém está nisso de graça. Óbvio que compromissos foram assumidos, e nesse caso compromissos assumidos é entregar o pré-sal, eliminar direitos sociais, eliminar conquistas, acabar com programas sociais ou inviabilizá-los. Não vai ser ameaça. Vão acabar.
RBA – Nessa “época de trevas”, como disse a professora da USP Maria Cristina Castilho Costa, o sr. vê luz no fim do túnel?
Wadih Damous – A única luz no fim do túnel que eu vejo é o povo brasileiro reagir a essa situação. De fato, as instituições brasileiras, Poder Judiciário, Ministério Público, Congresso Nacional, o aparato policial, o sistema brasileiro de Justiça, todos eles estão mergulhados no golpe até a medula. Ou o povo brasileiro entende, percebe o que está se passando, ou, de fato, nós vamos mergulhar nas trevas sem prazo para voltar a ver luz no fim do túnel.

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