A irrealidade e desfuncionalidade da pauta de julgamentos do Supremo - Foto: Carlos Humberto/SCO/STF
Por Fernando Leal // http://jota.uol.com.br/
FGV Direito Rio
Já temos a pauta da semana que vem no Supremo – a primeira do semestre. O espaço na pauta é escasso, o que faz com que ter um processo pautado na semana seja um objetivo difícil e valioso para muitos advogados e partes. Na prática do tribunal, contudo, a relação entre a pauta oficial e o que os ministros de fato decidirão tem sido um problema. O que é e para que serve, afinal, a pauta no STF?
A questão envolve pelo menos três ordens diferentes de problemas. Um deles antecede o próprio julgamento. O que pautar? Não há critérios claros e vinculantes, embora alguns ministros tentem estabelecer algumas diretrizes. O então presidente Nelson Jobim, já em 2005, encampou a criação de uma pauta “proativa”, e não “reativa”, incluindo uma priorização de temas que tivessem impacto em outras demandas dentro e fora da corte.
O problema se torna muito complexo, porém, em um tribunal marcado cada vez mais pela individualização. Já está claro que não há qualquer controle dos prazos e condições para relatores liberarem seus casos para julgamento, para que presidentes do tribunal os incluam em pautae muito menos para que ministros devolvam os pedidos de vista sobre casos em curso. Por caminhos diferentes, os ministros podem influenciar o momento de a corte enfrentar certa questão. Nesses casos, a questão “o que pautar?” se torna refém de opções individuais sobre “quando pautar?”. Motivações diversas podem acelerar ou retardar essas escolhas. O ministro Ayres Britto, por exemplo, ao ser perguntado sobre a decisão mais difícil que tomou sobre o caso Mensalão foi claro ao dizer: “[c]olocar em pauta o julgamento. Marcar o dia para começar”.
Esses são dilemas tipicamente institucionais na formação da pauta. Um terceiro tipo de problema, no entanto, pode tornar completamente inócua a definição de uma pauta de julgamentos. Está relacionado à própria condução da sessão. Para quem acompanha a prática do tribunal, de advogados que se deslocam – às vezes de muito longe – até Brasília a acadêmicos, passando por cidadãos interessados em certos temas, a viagem e a espera podem ser em vão. O problema aqui é de efetividade, quando chega a hora da sessão, das decisões – supostamente anunciadas na pauta – sobre o que julgar. A pauta é volátil. Com isso, ter um processo pautado pode significar, na prática, que ele sequer será mencionado na sessão, e sem qualquer explicação por parte do tribunal.
Só no primeiro semestre, para citar exemplo emblemático, a ADI 3.396, que trata da possibilidade de pessoas naturais serem admitidas como amici curiae, foi pautada dez vezes. E há outros casos. O MS 22.972/DF, em que se discute a chamada “PEC do parlamentarismo”, foi colocado em pauta três vezes. A ADI 2.404, quatro vezes. Em todos os casos o STF sequer começou o julgamento. A ADI 5.357, julgada no último dia 09 de junho, só foi enfrentada na sexta indicação. O debate em torno da imunidade do livro eletrônico, levado à corte em 2002, foi pautado três vezes e até hoje aguarda decisão.
Quando o assunto é organização da pauta, defini-la é só parte do problema. Ainda é preciso avançar muito. É verdade que o primeiro semestre do tribunal foi conturbado em função de discussões relacionadas à operação lava jato e ao processo de impeachment da presidente da República. No entanto, o silencioso “esquecimento” de processos pautados é, como prática recorrente, inaceitável. O Supremo precisa deixar mais claros os motivos a que recorre para privilegiar questões “novas” – não se tornando, assim, refém de contingências – e não priorizar na sessão seguinte o que não conseguiu decidir na véspera.
Em parte, é possível que o problema esteja em uma pauta ingenuamente ambiciosa, que prevê muito mais do que o STF é capaz de julgar ao longo de uma semana; às vezes, encarando o problema de outro ângulo, encontramos dezenas de processos sobre temas diferentes na mesma pauta. Seriam essas dificuldades de gestão ou produtos de estratégias deliberadas para tornar a pauta maleável? Há problemas em qualquer caso. Outra hipótese, por fim, diz respeito à duração das sessões, que deveriam ser estendidas para que a corte fosse capaz de dar conta de tudo. Com atrasos para início, antecipação de término e pausas, não é raro que uma sessão dure apenas três horas, o que sem dúvida afeta o ritmo decisório de uma corte que se reúne três vezes por semana. Há, na verdade, a impressão de que o tempo de duração das sessões vem diminuindo ao longo do tempo.
Em qualquer cenário, o fato é que a questão “o que pautar?” não pode ser tratada como se fosse independente da questão “o que é realmente possível decidir?”. Lidar com esses problemas depende de decisões e procedimentos. O processo decisório do STF não cria – e frustra – expectativas somente quanto ao resultado das questões que enfrenta, mas também quanto às estratégias de coordenação e regras de organização que institui ou deixa de instituir para o desenvolvimento de sua rotina. Nesse caso, abrem-se inclusive as portas para a disciplina do assunto pela via legislativa.
A dança da pauta – essa revisão em tempo real e sem qualquer explicação do que será debatido nas sessões – é mais um mecanismo que amplia, aparentemente sem limites, a liberdade do tribunal de julgar o que quiser, quando quiser. Os efeitos perversos são evidentes. A maleabilidade de uma pauta meramente indicativa – e não vinculante – impõe custos muitas vezes evitáveis para partes, advogados e todos os interessados nas decisões da corte.
Embora a escassez do tempo e o volume de processos contribuam aqui, não são os únicos vilões. Não agem sozinhos. Sem a definição mais clara de um procedimento que una, de forma realista, a liberação de um processo para julgamento, sua inclusão na pauta e seu julgamento de fato, restará, como em tantos outros aspectos, a imagem de um Supremo que decide o que fazer e quando fazer em função de critérios completamente desconhecidos.
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