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Os protestos têm escalado na França e já duram três meses. Portos e aeroportos pararam. Os enfrentamentos com a polícia têm se tornado cada vez mais frequentes.
A explosão social da classe operária tem como eixo fundamental a luta contra a “Reforma Trabalhista” que o governo “socialista” de François Hollande tenta impor. As greves e paralisações já atingem setores industriais importantíssimos como, por exemplo, a paralisação de 16 das 19 usinas nucleares e o fechamento da grande maioria das refinarias e depósitos de combustível.
As lutas vêm se radicalizando, a exemplo do bloqueio e fechamento do porto de Le Havre na Normandia, atingiu fortemente o deslocamento pela ponte que conecta esse importantíssimo porto às cidades e outras localidades do país.
Quatro sindicatos convocaram, a partir desta terça-feira, dia 31 de maio, uma greve por tempo indeterminado no setor ferroviário. O objetivo é fazer com que essa greve dure, pelo menos, até o dia 10 de julho, data do final da Eurocopa em Paris, o que afetará determinantemente o Campeonato.
A partir da próxima quinta-feira, 02 de junho, começará a greve por tempo indeterminado dos trabalhadores do transporte público, metrô e ônibus, na região parisiense. Essa greve irá se somar as paralisações de pelo menos 24 horas dos portos. Um dia depois, na sexta-feira, terá início a greve de três dias dos pilotos civis. Porém, o sindicato da maioria dos pilotos já havia aprovado greve de larga duração.
Mesmo com essa ampla mobilização, o governo “socialista” diz que não recuará no objetivo de aplicar a Reforma Trabalhista que atinge a jornada de trabalho, hoje de 35 horas semanais, com a possibilidade de aumento para 48 e até 60 horas semanais de trabalho, de acordo com os interesses do patrão.
Por meio do componente número 2 do Código de Trabalho, relacionado com os acordos coletivos trabalhistas, o objetivo é eliminá-los.
Seguindo o modelo aplicado nos Estados Unidos se busca que os acordos realizados por empresa e até mesmo individualmente prevaleçam sobre os acordos da categoria, que no caso da França se trata de categorias nacionais. Esse foi um dos mecanismos que a Administração de Ronald Reagan e a primeira-ministra britânica Margareth Tatcher aplicaram a partir de meados da década de 1980 com o objetivo de desarticular o ascenso operário que avançava em cima do aprofundamento da crise capitalista. Esse modelo foi uma das bases do “neoliberalismo” imposto em escala mundial.
A BUROCRACIA SINDICAL SOB A PRESSÃO DOS TRABALHADORES
A CGT (Confederação Geral do Trabalho) era ligada ao PCF (Partido Comunista Francês), ela foi fundada em 1892 e teve um papel de destaque nas lutas operárias em várias situações, principalmente durante a greve geral de 1936. Mas a atuação burocrática a levou a se integrar completamente na “frente popular” e a partir daí foi se integrando cada vez mais no regime. Na década de 1990, a CGT declarou o afastamento oficial do PCF, mas continuou ligada a elementos do PCF e do PSF (Partido Socialista Francês).
A política de traições fez com que a CGT se transformasse numa central minoritária com o número de filiados tendo caído para 600 mil, que, aproximadamente, representa 2% dos operários. Nas negociações com o governo e com as centrais patronais, tem desempenhado um papel secundário. O papel protagonista tem ficado nas mãos da CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho), que é a maior das centrais e a mais ligada ao governo “socialista”.
No último período, conforme os ataques do governo “socialista” se intensificaram, começaram a aparecer setores dentro da CGT, principalmente ligados à juventude e imigrantes, que, em certa medida, saíram do controle da burocracia. Neste momento, o papel protagonista da CGT aparece pela canalização do impulso das mobilizações que em grande medida vem da base e que encontra expressão mais institucionalizada nessa central por ela estar encabeçada por uma burocracia mais fraca.
A pressão das bases tem como componente fundamental os enfrentamentos espontâneos com a polícia na rua apesar das ameaças dos ataques brutais e da própria Lei “Antiterrorista”.
Essa onda de ascenso do movimento operário na França mostra que conforme a crise capitalista se aprofunda e os ataques dos monopólios aumentam para manter os lucros, a classe operária, inevitavelmente, entra em movimento. Conforme isso acontece, os operários se valem das suas próprias organizações históricas, com a tendência a passar por cima da burocracia sindical que, em parte, se vê obrigada a “virar à esquerda” e, em parte, acaba sendo expulsa do movimento.
A luta contra a “Reforma Trabalhista”, na França, representa uma espécie de “espelho futuro” do que acontecerá também no Brasil e na maioria dos demais países. O refluxo do movimento operário em escala mundial imposto a partir da década de 1980, por meio das políticas “neoliberais” e a traição da burocracia operária, se encontra na etapa final.
O novo impulso dos ataques contra os trabalhadores, a “nova onda neoliberal”, tenta jogar o peso da crise contra os trabalhadores que se vêm encurralados, na perspectiva de perderem todos os direitos que ainda possuem e serem jogados numa situação muito precária. Em cima dessa situação objetiva, a tendência é que a classe operária se coloque em movimento na defesa da própria subsistência no próximo período.
A luta dos trabalhadores franceses representa apenas a ponta do iceberg que veremos se repetir em todos os países desenvolvidos. Trata-se da volta às barricadas contra o grande capital.
O QUE REPRESENTA O GOVERNO HOLLANDE?
O primeiro-ministro, Manuel Valls, declarou que o governo não permitirá que a Reforma Trabalhista seja derrotada nas ruas. Na década de 1990, o primeiro-ministro Alain Juppe teve que voltar atrás na reforma das aposentadorias após várias semanas de protestos nas ruas.
Devido ao aprofundamento da crise capitalista a nível mundial, os monopólios pressionam os governos de todo o mundo para aplicarem planos de “ajustes” no sentido de fazer com que a classe trabalhadora pague pela crise e mantenha as taxas de lucro. A Reforma Trabalhista, neste sentido, é o componente fundamental destes ataques.
O modelo a ser seguido, em primeiro lugar, é o que foi aplicado na Alemanha com a incorporação da República Democrática Alemã. Principalmente, a partir do início da década passada, a social-democracia alemã praticamente acabou com a maior parte dos direitos trabalhistas e conseguiu sustentar a situação por meio da proliferação dos empregos em cima do aumento da espoliação alemã sobre o restante da Europa, fundamentalmente da Europa Oriental.
François Hollande foi eleito como presidente da França, em dezembro de 2012, com a promessa de promover o crescimento e deter os “planos de austeridade”. Em junho de 2013, o PSF obteve a maioria parlamentar. Eram os monopólios jogando a carta da “frente popular”.
Hollande, inicialmente, tentou promover investimentos na infraestrutura sobre a emissão de títulos especulativos. A partir de, aproximadamente, 5 bilhões de euros, na ciranda financeira, a aposta do governo Hollande era transformá-los em, aproximadamente, 70 bilhões de euros. Após várias negociações realizadas com o governo alemão, encabeçado por Ângela Merkel, Hollande desistiu dessa política e se transformou em um dos paladinos dos chamados “planos de austeridade” na União Europeia, junto com a Alemanha.
O aprofundamento da crise capitalista na região começou a avançar a partir dos chamados PIIGS, acrônimo de “pigs” (que significa “porcos”, em inglês), em referência a Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, os países mais endividados da União Europeia.
Em julho de 2013, quando a Itália e Espanha, respectivamente, a terceira e a quarta maiores potências da Zona do Euro, viram disparar as taxas de juros dos títulos públicos, acima dos 7% anuais, ameaçando levar esses países ao colapso, o Banco Central Europeu assumiu 80% dos bancos europeus, passando por cima dos bancos centrais nacionais. Essa manobra, que tinha como objetivo salvar da bancarrota principalmente os bancos alemães e franceses, teve como efeito colateral o aumento do contágio da crise na direção do coração do capitalismo europeu.
O CORAÇÃO DO CAPITALISMO EUROPEU EM CRISE
A Alemanha entrou em recessão industrial e a crise política tem atingido o principal elemento da estabilidade alemã, a CDU (União Democrática-Cristã) e a própria chanceler Ângela Merkel. Mas tem sido na França onde a crise tem avançado com mais velocidade.
A carta da “frente popular” francesa, encabeçada pelo PSF, entrou em franca depressão. Com o objetivo de conter a crise econômica, no ano passado, Hollande nomeou como primeiro-ministro um elemento da ala mais direitista do PSF, Manuel Valls. Valls tem tentado dar andamento a várias das reformas “neoliberais” impostas pelos monopólios. A principal delas é justamente a “Reforma Trabalhista”.
No último período, a “direitização” do regime político francês tem ficado evidente, da mesma maneira que tem acontecido em escala mundial. A Frente Nacional, de Marine Le Penn, tem colhido importantes avanços eleitorais. O chefe da direita tradicional, Nicolás Sarkozy, fundou um novo partido chamado “Partido Republicano” na tentativa de criar uma organização nos moldes do Partido Republicano norte-americano, se livrando da concorrência da extrema-direita lidera por Jean-François Copé, que atuava como seu concorrente na antiga UMP (União pelo Movimento Popular).
A Frente Nacional tem marcado a pauta política no último período e ameaça passar para o segundo turno nas eleições nacionais que acontecerão em 2017, junto com o Partido Republicano, o que implicaria num claríssimo endurecimento do regime político. A “frente popular” poderá ficar no papel de mero coadjuvante. Várias das propostas principais da Frente Nacional foram encampadas por Sarkozy.
Os atentados terroristas em Paris, tiveram como consequência prática a aplicação da Lei “Antiterrorista” que tinha sido aprovada pela maioria “socialista” no parlamento e que enfrentava a resistência popular nas ruas.
OS PILARES DO REGIME FRANCÊS EM CRISE
Após a Segunda Guerra Mundial, a burguesia francesa teve os seguintes principais pilares políticos: 1) forte aliança com a Alemanha, na busca da estabilidade na Europa; 2) independência da política exterior, com objetivo de segurar o império colonial em decadência, o desenvolvimento de relações próprias com a União Soviética e a construção de um arsenal nuclear próprio.
Com Charles de Gaulle, a França abandonou o comando militar da OTAN e se opôs à entrada da Inglaterra na Comunidade Econômica Europeia; 3) A busca pela consolidação do regime político. A partir de 1958, com a derrota na Indochina e a crise na Argélia, de Gaulle encabeçou a mudança do regime parlamentar para o regime semi-presidencialista, na busca do endurecimento sobre a própria liderança.
Nas últimas duas décadas, esses pilares entraram em crise, principalmente na última década. Um dos fatores principais da crise se relaciona com a dependência do Banco Central Europeu, que é controlado, fundamentalmente, pela Alemanha, e que impede que o Banco Central francês possa emitir moeda.
As contradições entre as duas principais potências da Zona do Euro, a França e a Alemanha, tem aumentado conforme a crise capitalista tem se aprofundado.
A deterioração do regime político francês fica clara pela impossibilidade de manter um governo por mais de um período. De 1981 a 1995, o governo esteve encabeçado pelo “socialista” François Mitterrand. De 1995 a 2007, pelo direitista Jacques Girard. De 2007 a 2012, pelo também direitista Nicolás Sarkozy. E, finalmente, de 2012 a 2017, pelo “bombeiro” François Hollande. O aprofundamento da crise tem encurtado os ciclos do regime.
A Frente Nacional se fortalece com a “xenofobia” e a promessa de abandonar a União Europeia.
O imperialismo francês se converteu num imperialismo de segunda ordem, mas que faz parte das cinco principais potências mundiais. Isso somado à tradição de luta da classe operária francesa fazem com que este país seja um dos componentes fundamentais da crise capitalista mundial.
A França aceitou a liderança da Alemanha, principalmente a partir do colapso de 2008, mas tenta influenciar as decisões. Agora, Ângela Merkel se enfraqueceu e a Grã-Bretanha ameaça abandonar a União Europeia se novas concessões não forem feitas à Citi de Londres, um dos principais centros da especulação financeira mundial.
A Europa avança na direção da implosão da União Europeia, ao aumento das contradições com o imperialismo norte-americano e ao rompimento da “frente única” estabelecida desde o final da Segunda Guerra Mundial. É a política do salve-se quem puder onde, inclusive, vale a aproximação com o Novo Caminho da Seda chinês.
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