quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Brasil: país da impunidade ou de inimputáveis?, por Giselle Mathias

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Brasil: país da impunidade ou de inimputáveis?

Por Giselle Mathias

- Decisões judiciais antes se pautavam na norma, nos princípios, na doutrina, na hermenêutica jurídica e nas fontes do Direito. Não mais.

- Instituiu-se no Brasil o common law tupiniquim, que se reflete na interpretação deturpada sobre o que vem a ser o “livre convencimento do Juiz”.
- Somos o país que encarcera inocentes, que criminaliza a ação do inimigo mas institucionaliza e legitima a do amigo.

- Neste momento em que a face fascista do Judiciário se desnuda nas telas da televisão, temos a oportunidade de combatê-la e de democratizarmos o último bastião da ditadura. Por mais que tenhamos dificuldades hoje, nosso inimigo nunca esteve tão exposto.

O Brasil se vê como o país da impunidade, mas na verdade é a quarta população carcerária do mundo.

Não é estranho estarmos entre os cinco maiores países em números de presidiários e ainda assim termos a impunidade como um dos maiores problemas do judiciário brasileiro?

Como se explica essa contradição?

Somos a nação da impunidade ou punimos mal?

Acredito que punimos mal!

Punimos o pobre por sua condição, o negro por sua pele, a prostituta por ser mulher e mais uma vez as esquerdas e os movimentos sociais para golpear a democracia.

E se punimos mal é porque promovemos a impunidade daqueles que, como sociedade, acreditamos estarem acima da lei. Assim, a “sensação da impunidade” não é um mero sentimento, ela é real e traz enormes danos ao desenvolvimento psicossocial do Brasil enquanto Nação.

Mas, apesar desta sensação, desta realidade, podemos afirmar que em um período de nossa história chegamos a atingir um certo grau de “estabilidade jurídica”, tendo em vista a necessidade de fundamentação nas decisões judiciais. Fundamento que se pautava na norma, nos princípios, na doutrina, na hermenêutica jurídica e nas fontes do Direito, pelo menos era assim até o surgimento do common law tupiniquim.

A impunidade era representada pela versão sempre repetida, até os dias de hoje, de que:

“- o Brasil é o país da impunidade e esta decorre dos inúmeros recursos processuais, dos advogados e suas chicanas protelatórias que fazem os processos durarem por anos a fio.”

Mas será que é assim?

Não! Claro que não!

E não é assim, simplesmente, porque nós somos o país dos inimputáveis e não da ”impunidade”, somos o país que encarcera inocentes, que criminaliza a ação do inimigo mas institucionaliza e legitima a do amigo, em que quase metade da população carcerária é de presos preventivos, que na sua maioria encontram-se sem qualquer tipo de defesa, ou seja, estão simplesmente encarcerados e esquecidos.

As defensorias públicas, que foram criadas com o objetivo de atender a população mais carente, estão sucateadas pelo poder público e não conseguem atender a demanda. Poucos possuem recursos para arcar com advogados privados. E, assim, permanecem presos, muitas vezes sem investigação, sem denúncia, sem sentença e INOCENTES.

Violação de direitos, encarceramento e morte: essa é a ideologia, a realidade do sistema judicial brasileiro. É a verdade que cinicamente escondemos.

Temos aqui inúmeros inimputáveis, uns com recibo de depósito de 23 milhões de reais em propina no exterior, outro que confessa o recebimento de 10 milhões no Jaburu, tem aquele que foi delatado diversas vezes, sem esquecer a conta Tucano do Banestado, que nunca “veio ao caso”.

Mas a estes...

Tudo é permitido. E é permitido, não apenas por serem blindados pela mídia corporativa, familiar e golpista brasileira, mas por gozarem da inimputabilidade tácita instituída e exercida pelo Judiciário, Ministério Público e Polícia.

Esse é o país em que a Polícia Federal e o Ministério Público não investigam compras de imóveis muito abaixo do preço de mercado por altas figuras políticas, envolvidas em mega-escândalos privatistas, mas “investigam” e tentam criminalizar palestras realizadas e comprovadas. É o país em que o Ministério Público criminaliza atos legais daqueles que são considerados ”inimigos” e de um Poder Judiciário que condena criminalmente baseado em literatura jurídica e não em provas ou indícios. O mesmo que condena consultoria com contrato e declarada ao Fisco, mas finge que não vê aquela de 240 mil em espécie, sonegada e confessada.

Nossos problemas de impunidade estão mesmo no número de recursos? Nos advogados? Ou está na ideologia do Judiciário, remunerado por nossos impostos, que ignora as leis vigentes no país, que fundamenta a sentença de acordo com sua “consciência” e que age explicitamente em favor de seus comparsas da expropriação do patrimônio público? (Com bravíssimas exceções que lutam contra esse sistema vigente de IN-Justiça)

A impunidade no Brasil está mais ligada às questões internas de um poder autoritário e conservador do que ao exercício da advocacia ou das normas que deveriam reger o processo, porque elas não regem mais. Afinal, instituiu-se no Brasil o common law tupiniquim que se reflete na interpretação deturpada sobre o que vem a ser o “livre convencimento do Juiz”.

Assim, poderíamos chegar à conclusão de que em algum momento nós nos perdemos.

Mas não é o que me parece!

O judiciário brasileiro sempre esteve a serviço da escravidão, da retirada de direitos e da transmissão dos bens públicos aos poucos amigos que cultivam. Basta vermos as decisões sobre as áreas demarcadas da União que são em sua maioria em detrimento dos indígenas e das comunidades quilombolas. Decisões que beneficiam os grileiros de terra e, não fazendeiros, porque sequer possuem título de propriedade. Mas são os “amigos”, os iguais, os nobres, os endinheirados, os que devem ser atendidos pela (IN) Justiça brasileira “meritocrática”.

Portanto, acredito que, neste momento em que a face fascista do Judiciário se desnuda nas telas da televisão, através das ações megalomaníacas da “República de Curitiba”, considerando que os pobres, negros, indígenas, mulheres, gays e outras minorias deste país sempre a conheceram, temos a oportunidade de combatê-la e de democratizarmos o último bastião da ditadura.

Sim!

Democratizar!

Porque a guerra não está perdida e por mais que tenhamos dificuldades hoje, nosso inimigo nunca esteve tão exposto.
Giselle Mathias - advogada, especialista em Direito Público e membro da Frente Brasil de Juristas pela Democracia/DF

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