As expressões de Macri são conhecidas dos movimento de direitos humanos, acostumados a lidar com autoridades que resistem a respeitá-los.
Luis Bruschtein, para o Página/12 // www.cartamaior.com.br
O que o presidente Mauricio Macri diz é o de menos. Na prática, a verdade é que os julgamentos aos muitos repressores assassinos estão sendo demorados desde a sua chegada ao governo, e alguns deles estão sendo enviados a suas casas ou a chácaras de repouso. A verdade é que os processos aos cúmplices civis e aos empresários que se beneficiaram com a repressão foram interrompidos. Como também é certo que vemos um incremento notório dos abusos policiais, em exemplos típicos, como a repressão a um homem que protesta dentro de um trem, e até nos mais banais, como a intimidação a uma mulher que amamenta seu filho numa praça.
O discurso da nova aliança de direita PRO-Cambiemos é que tudo isso se faz pelo bem dos humildes. O aumento das tarifas de gás e eletricidade, segundo Macri, “foi o mais gradual possível”, embora tenham sido brutais, de até 3000% em alguns casos. “Tudo o que fazemos é pensando no trabalho das pessoas”, e lá se vão mais de 200 mil empregos formais perdidos, e pelo menos 600 mil informais, o que significa cerca de 800 mil pessoas desempregadas, 800 mil famílias que perderam fontes importantes de renda. “Sei que os trabalhadores estão enfrentando dificuldades”, afirma o mandatário, quando ignora que suas medidas levaram a uma queda de 12% do valor dos salários, enquanto os barões da soja são agraciados com devoluções de impostos e outros benefícios. Tirar dos trabalhadores para dar aos empresários e fazendeiros. Esta e a política econômica de Macri.
A nova linguagem tem como virtude a claridade da mensagem, ao mesmo tempo que faz o oposto daquilo que diz, e conta com a ajuda da imprensa hegemônica, que se esforça para dar credibilidade a essa demagogia, com jornalistas que o entrevistam de forma cúmplice, com perguntas e respostas teleguiadas. É possível que alguns ainda acreditem nele por mera conveniência. Porém, nas ruas, enquanto Macri ainda insiste em que lutará pela “pobreza zero”, as pessoas dizem que “governa para os ricos”.
É o idioma do mundo invertido, diria a poetisa María Elena Walsh. Como os republicanos do governo de Gerardo Morales na província de Jujuy, que atropelaram todos os princípios republicanos da forma mais despótica e absolutista, como vimos no caso da prisão da líder indígena Milagro Sala. Assim como o próprio Macrio atropelou os princípios de transparência econômica na função pública, quando os nomes dele e da maioria dos seus funcionários apareceram em reportagens sobre contas milionárias e não declaradas em offshores no exterior, e sobre a especulação contra o peso usando o dólar futuro.
Com relação aos direitos humanos, o governo mantém promessas públicas, mas não compromissos reais. Assim como faz com a promessa de “pobreza cero”, ou quando investe na imagem questionável de transparência. Quando fala de “guerra suja” ou de que não tem “a menor ideia” da quantidade de desaparecidos, o que quer na verdade é projetar que o tema não é importante. No mesmo dia em que um juiz ordenou a detenção de Hebe de Bonafini, o secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, entregava uma lista de documentos desclassificados da diplomacia desse país, relacionados com os direitos humanos na Argentina.
Macri não está à altura do reconhecimento internacional que o país tem pelos avanços que obteve no campo dos direitos humanos. A atitude de Kerry se deu em decorrência desses avanços. Já a ordem de detenção contra Bonafini expressou a filosofia que a aliança PRO-Cambiemos tem com respeito aos direitos humanos. O próprio Mauricio Macri, numa entrevista a um canal de Internet dos Estados Unidos, qualificou Hebe de Bonafini como “uma desvairada”, termo que se equipara rapidamente com “as loucas”, usado pela ditadura para denegrir as Mães da Praça de Maio.
Apesar de também ter dito que pretende manter os julgamentos aos repressores, o adjetivo contra Hebe e a ideia de “guerra suja” demonstram que ele é um entusiasta do movimento pelos direitos humanos. Sem contar que sua rede de apoio possui simpatias ideológicas históricas com os históricos detratores dos processos, aqueles que há anos tentam minimizar, subestimar e estigmatizar a luta dos que pedem por verdade, justiça e reparação. As expressões de Macri são conhecidas dos movimento de direitos humanos, acostumados a lidar com autoridades que resistem a respeitá-los e que, em suas declarações públicas, aparentam reconhecer a importância desses direitos, ao mesmo tempo que a relativizam na prática.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Casa Rosada
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