Por que Joe Biden, que exige celeridade da Venezuela na implementação de um referendo, não defende que os brasileiros possam escolher um novo governo?
Por Juan Manuel Karg *, para o Página/12 // www.cartamaior.com.br
O vice-presidente estadunidense Joe Biden se precipitou ao reconhecer o governo de fato de Michel Temer. Ao mesmo tempo em que adotava essa postura com relação às mudanças no Brasil, ele expunha sua opinião sobre o referendo na Venezuela, exigindo de Nicolás Maduro que o realize ainda em 2016, como pede a oposição do país – algo que parece improvável, já que o extenso processo de reunir assinaturas para o solicitar o referendo se iniciou tarde, apenas em abril.
Mas o que disse Biden, em termos concretos? “Os Estados Unidos seguirão trabalhando conjuntamente com o presidente Temer”, foi o que admitiu ele, em sua declaração, na que qualificou o impeachment como “uma das maiores processos de mudança política” da región nos últimos tempos. É evidente a satisfação que o resultado produziu no Departamento de Estado norte-americano o fato de que um assíduo informante de sua embaixada em Brasília – como Temer foi catalogado por alguns cabos desclassificados pelo Wikileaks – seja agora o presidente do maior país da região. Situação que não chama a atenção, visto que os Estados Unidos também reconheceu os governos tampões de Roberto Micheletti em Honduras e de Federico Franco no Paraguai, após os dois golpes, consumados em 2009 e em 2012 respectivamente. Portanto, seguem com a triste tradição e confirmam o dito popula latino de que “não há dois sem três”.
Porém, outro dado ajuda a expor melhor as duas caras do discurso de Biden: as pesquisas conhecidas no Brasil mostram que uma porcentagem enorme da população – 6 de 10, segundo o instituto Vox Populi – quer que sejam convocadas novas eleições presidenciais, pois considera o governo de Temer ilegítimo – ainda mais depois de anunciar que aplicará o programa político derrotado nas eleições de 2014. Nas massivas mobilizações vistas nesta última semana, a consigna das ruas foi “direitas já”, reivindicando a histórica demanda planteada pelas organizações sociais contra a ditadura, no início dos Anos 80. Ou seja, a sociedade civil está pedindo que as urnas decidam o destino político do país, nem mais nem menos.
É bastante eloquente o fato de Biden, que exige celeridade da Venezuela na implementação de um referendo revogatório, instrumento que não existe em nenhum outro país da América Latina, não tenha pressa em defender que os brasileiros possam escolher um governo de acordo às suas preferências. A postura contraditória tem uma explicação concreta: os interesses norte-americanos na região. Os Estados Unidos necessita tirar o chavismo do poder na Venezuela, assim terminaria de derrubar o ciclo de governos populares, cujo símbolo era a tríade Buenos Aires-Brasília-Caracas, dos três presidentes (Kirchner, Lula e Chávez) que disseram “NÃO” à ALCA em 2005. O desabastecimento induzido é parte desse mesmo plano, similar ao orquestrado contra o governo de Salvador Allende, no Chile do início dos Anos 70. A saída de Maduro do poder, pela via que seja, seria a chave para logo avançar sobre a Bolívia – e algo desse afã já se viu no assassinato do vice-ministro Illanes – e sobre o Equador – que enfrenta problemas internos nas forças armadas.
Poderão os movimentos populares oferecer resistências e alternativas – nas urnas e nas ruas – à restauração conservadora que avança sobre a região? Que rol terão os ex-presidentes que hoje, sem funções executivas, ainda contam com uma intenção de voto importante, pensando nas próximas presidenciais? São perguntas cujas respostas podem modificar a correlação de forças a nível regional. Se do lado das esquerdas há incertezas, que serão resolvidas ao longo do tempo, do lado dos aliados de Biden, suas declarações não deixam dúvidas: os Estados Unidos têm um discurso duplo com relação ao que acontece em nossos países, mas um único objetivo, que é encerrar o ciclo de governos progressistas latino-americanos.
* Cientista político da Universidade de Buenos Aires. Investigador do Centro Cultural da Cooperação.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: reproduçao
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