Os estrategistas econômicos do capital estão preocupados porque a política monetária não está sendo capaz de tirar a economia mundial da estagnação.
Por Michael Roberts * // www.cartamaior.com.br
A cada mês de agosto, os bancos centrais do mundo se reúnem em Jackson Hole, Wyoming, em meio às montanhas de Grand Teton, no meio-oeste dos Estados Unidos, para discutir o estado da economia mundial e o papel da política monetária e dos bancos centrais. Os chefes dos bancos centrais escutam os números apresentados pelos principais economistas “ortodoxos”, num simpósio de fim de semana. De uma forma geral, se trata de uma oportunidade para que o chefe da Reserva Federal dos Estados Unidos, o banco central hegemônico, faça um discurso delineando o que está sucedendo na economia estadunidense e a futura política monetária (e sua eficácia).
Neste mês de agosto foi a vez de Janet Yellen, a atual diretora da Fed. Os investidores globais e os gestores dos mercados financeiros sempre esperam com ansiedade a apresentação da Fed, saber o que seus diretores estão planejando. O problema imediato para os mercados é se a Reserva Federal retomará seu plano de elevar a taxa de juros “política” a um nível “normal”. A taxa política da Fed é a base para todas as outras taxas, como as taxas de empréstimos bancários para indivíduos e empresas, e também para as taxas internacionais, devido à posição predominante de Wall Street nas finanças globais.
A Fed, sob o comando de Janet Yellen, elevou sua taxa de juros em dezembro de 2015 pela primeira vez em nove anos. Supostamente, para iniciar o movimento de volta à “normalidade”, sobre a base de que a economia estadunidense se está recuperando rapidamente e voltando a uma tendência de crescimento econômico e pleno emprego. Yellen explicou que a economia dos Estados Unidos “está no bom caminho, de forma sustentável”. E “confiamos na economia dos Estados Unidos”. Entretanto, desde dezembro, a Fed cruzou os braços.
Por que? O retorno a uma tendência de crescimento não se materializou, e a inflação não aumentou. Na primeira metade de 2016, a economia dos Estados Unidos cresceu em termos reais (depois da inflação) menos de 1%, um terço da taxa “normal”. A economia voltou a uma dinâmica mais lenta, não se acelerou, como era o esperado.
Ao mesmo tempo, a inflação voltou a cair também.
Por isso, a Fed deu uma pausa em sua política de “normalização”. Se falou em reduzir a taxa política, e inclusive na introdução de taxas de juros “negativas”. Porém, os chefes da Fed se mostraram otimistas. Pouco antes do simpósio de Jackson Hole, o vice-presidente da Fed, Stanley Fischer, fez um discurso no qual afirmou que “a economia voltou quase ao pleno emprego, num tempo relativamente curto, depois da Grande Recessão, tendo em conta a experiência histórica depois de uma crise financeira”.
No discurso de Jackson Hole, Yellen reiterou sua confiança na sustentabilidade econômica da “recuperação” estadunidense, e deu a entender que a Fed logo retomará os aumentos da taxa política. Disse ela que “a sólida ampliação continuada do mercado de trabalho e nossas perspectivas para a atividade econômica e a inflação são argumentos a favor de um aumento na taxa dos fundos federais, que se fortaleceram nos últimos meses. Claro que nossas decisões sempre dependem do fato de os novos dados confirmem a perspectiva do Comitê, e em que grau isso se dará”. Yellen agregou que a economia dos Estados Unidos se “aproxima agora dos objetivos estatutários da Reserva Federal, de máximo emprego e estabilidade de preços”.
As medidas de carácter tradicional dos bancos centrais diante da crise financeira mundial se reduziam à manipulação da taxa básica de juros para o empréstimo ou fornecimento de dinheiro em espécie, ou créditos por períodos limitados aos bancos durante uma depressão. Porém, tal foi a profundidade e a gravidade do impacto da crise financeira global e da Grande Recessão nos bancos e na economia em general, que os bancos centrais han adotaram gradualmente mais medidas “não convencionais”, tais como a impressão de dinheiro para comprar bonos governamentais e corporativos dos bancos a preços altos, para proporcionar liquidez aos bancos, pensando que assim eles ajudaria a “economia real”, e também para oferecer uma “orientação aos mercados” e à indústria um compromisso de manter as mais baixas taxas de juros possíveis durante o maior período possível, para que a “confiança” para investir seja restaurada. A versão desta “orientação” por parte do Banco Central Europeu foi o anúncio do chefe do BCE, Mario Draghi, de que a instituição “fará tudo o que seja necessário” para fazer com que a economia da Zona Euro se ponha em movimento.
Sem dúvidas que, como a economia mundial continua se arrastrando, com um crescimento do PIB travado, com um desemprego que volta a cair muito lentamente e muitas economias em deflação (uma má notícia para os que possuem grandes dívidas), é evidente que a política monetária, convencional ou não, fracassou. No último ano, muitos reclamam por medidas mais radicais, e alguns bancos centrais já as adotaram. Por exemplo, as taxas de juros negativas, iniciativas vistas na Suécia, Suíça e Japão, e inclusive ideias mais ousadas, como a do “dinheiro helicóptero” (medida de ajuda financeira direta para as famílias), ou a supressão do papel-moeda, de modo que todo o dinheiro se mantenha nos bancos eletronicamente, para ser gasto (e não metido debaixo dos colchões). Esta última proposta é o último grito da ditadura dos bancos sobre os direitos das pessoas a ter seu dinheiro em efetivo.
Pouco antes do discurso de Yellen, o presidente da Fed de San Francisco, John Williams havia sugerido fixar objetivos maiores de inflação ou de crescimento nominal do PIB (para que os bancos centrais imprimam mais dinheiro). É interessante notar que todos os documentos apresentados no simpósio de Jackson Hole, por vários economistas e acadêmicos convencionais, giraram em torno de um tema básico: a atual política monetária não está funcionando, e temos que considerar medidas menos convencionais e radicais.
Os estrategistas econômicos do capital estão preocupados porque a política monetária não está sendo capaz de tirar a economia mundial (e a economia dos Estados Unidos) de sua “estagnação secular”. O fracasso da política monetária atual empurra os monetaristas, como o ex-presidente da Fed, Ben Bernanke, a propor mais do mesmo (corte das taxas) e mais de outras coisas (dinheiro helicóptero).
Yellen foi vagamente favorável à ideia de Williams, mas no fim das contas argumentou que não se necessitava nada mais. Confiar demais nessas ferramentas não tradicionais poderia ter “consequências imprevistas”, já que poderia estimular “o surgimento de riscos excessivos” à estabilidade financeira. Ela também considerou que a Fed não deve adotar novas medidas de política monetária “não convencional”, além das já adotadas desde o início da Grande Recessão, em 2008. Aliás, essas medidas poderiam piorar a situação econômica e financeira. “A política monetária não está bem equipada para fazer frente a problemas a longo prazo, como a desaceleração do crescimento da produtividade”, disse o vice-presidente da Fed, Stanley Fischer.
A resposta política alternativa dos keynesianos – como Paul Krugman, Larry Summers e a própria Yellen – é pedir um aumento do gasto público em infraestrutura e outros esforços, para combater a debilidade do crescimento, a debilidade do aumento da produtividade e o adiamento dos investimentos empresariais. O problema é que o setor capitalista não está investindo o suficiente para fazer com que a produtividade do trabalho cresça mais rápido, impulsando assim o PIB real.
Com relação ao PIB, o investimento anual empresarial dos Estados Unidos desde 2008 tem variado em quase um ponto percentual abaixo da média da década anterior, segundo os dados do governo. Isso gera um deficit de investimentos equivalente a um bilhão de dólares com relação com a tendência anterior. Não há indícios de uma mudança de tendência a curto prazo. Os investimentos fixos das empresas se reduziram em três quartos durante três trimestres consecutivos.
É evidente que a economia dos Estados Unidos (e também a do Reino Unido) precisa dos investimentos em novas infraestruturas e tecnologia, para reduzir custos e melhorar a eficiência. São dados da Sociedade Americana de Engenheiros Civis, que apenas tornou público aquilo que todos necessitavam saber.
Porém, seria suficiente o aumento do investimento público? Na maioria das principais economias capitalistas, o investimento empresarial em relação com o PIB se balança entre 13 e 15%, enquanto o investimento público fica entre 1 e3%, ou seja, cerca de sete vezes menor. Se os investimentos das empresas cai entre 1 e 2% do PIB, os investimentos públicos teriam que ser o dobro, para compensar. E isso supõe que os governos controlados pelas grandes empresas e pelas grandes finanças contemplariam uma duplicação do investimento público, o que significaria também um grande aumento de impostos, ou o aumento das taxas de juros dos empréstimos (em outras palavras, cercando a rentabilidade).
Como argumentado antes, o que importa numa economia capitalista é a rentabilidade do capital e a massa de benefícios gerados pelos trabalhadores assalariados. Se a rentabilidade do capital é baixa demais e o setor capitalista continua sendo dominante, o investimento e o crescimento econômico não se recuperará, seja qual seja a política monetária expansiva dos bancos centrais, ou o aumento do gasto público do governo.
Há mais provas sobre isso, trazidas pelos próprios economistas da Reserva Federal. Um estudo recente realizado por dois economistas da Fed consultou os diretores financeiros das grandes corporações e encontrou que a taxa interna de rentabilidade corporativa necessária para justificar os projetos de capital “se manteve próxima de 15% durante décadas”, e quase não se moveu desse patamar mesmo quando as taxas de juros mundiais caíam. Assim, se as empresas pensam que não se pode conseguir esses 15%, elas não investem, mesmo quando os juros permanecem próximos a zero, ou se passam a índices negativos, ou quando se a reação do governo é distribuir “dinheiro helicóptero”.
Não é por acaso que os estudos marxistas sobre a taxa de lucro empresarial nos Estados Unidos nos setores produtivos (ou seja, não financeiros), desde os Anos 80, confirmam um nível médio ao redor de 15%. As empresas estadunidenses esperam agora um 15%, mas não podem alcançar isso. Então, elas compram suas próprias ações ou aumentam os dividendos em vez de investir em novas tecnologias, equipamentos ou novas fábricas.
Uma vez mais, é a rentabilidade do capital o que importa, e a partir de ela, o investimento e o crescimento. Yellen e Fischer citam o aumento do emprego e do consumo, como razões para subir agora os tipos de juros. Mas estes são indicadores atrasados. Suas decisões dependem, em última instância, do que ocorre com o investimento empresarial, e logo com a rentabilidade.
As últimas cifras sobre os benefícios corporativos nos Estados Unidos na primeira metade de 2016 foram publicadas nesta semana e trazem uma notícia triste. Os lucros das empresas estadunidenses caíram 4,9% no segundo trimestre de 2016 em comparação com o mesmo período do ano passado. E depois dos impostos, os lucros baixaram 6,3%, também em comparação com o ano passado.
Os benefícios empresariais são o principal motor dos negócios. Quando os lucros crescem, o investimento empresarial se mantém igual, como a noite não muda nada com relação ao dia, segundo um antigo provérbio. E, novamente, há provas de que isto é assim. Emre Ergungor é um assessor econômico de alto nível no Departamento de Investigação do Banco da Reserva Federal de Cleveland. Trabalhou num modelo que poda prever as recessões econômicas. A maioria dos modelos existentes buscam antecipar as recessões a partir dos movimentos a curto e longo prazo das taxas de juros. Mas não são muito eficazes. Na atualidade, estes modelos estabelecem a probabilidade de uma nova recessão em 20%.
Mas o modelo de Ergungor põe em destaque um fato surpreendente: existe uma correlação muito importante entre o movimento dos lucros das empresas, o investimento e a produção industrial. Ergungor encontrou que “uma simples análise mostra que a correlação entre a evolução dos benefícios empresariais e o câmbio simultâneo da produção industrial é de 54%, mas que sobe a 66% se utilizada a evolução da produção industrial de um trimestre posterior. Do mesmo modo, a correlação entre a evolução dos lucros empresariais e do investimento privado interno bruto é de 57%, e sobe a 68% se usados os dados de um trimestre posterior ao do investimento. Mais formalmente, a prova da causalidade de Granger indica que a variação trimestral dos lucros determina a variação trimestral da produção com uma diferença de um trimestre, mas a evolução dos benefícios independe das mudanças nas cifras de produção. Uma relação similar se aplica à variação trimestral dos benefícios e dos investimentos. Portanto, as empresas parecem ajustar sua produção e seus investimentos depois de experimentar queda nos lucros”.
A diferença temporal entre os lucros e os investimentos é de uns três trimestres. Logo, Cleveland desenvolveu um novo modelo para prever recessões que inclui os benefícios empresariais e encontrou que “no começo de 2016, o modelo 3 entrega uma probabilidade de 81% de enfrentar uma recessão nos próximos 12 meses, enquanto o modelo 4 tem uma probabilidade de 73% para o mesmo caso. Portanto, ao considerar a diminuição dos lucros das empresas neste período a probabilidade de recessão aumentou em 8 puntos porcentuais. Na medida em que os diferenciais de crédito se reduzem no período, as probabilidades de recessão de ambos os modelos diminuem em cerca de 30%”. Cleveland adverte que seu modelo nem sempre é capaz de predizes uma recessão. Mas é um modelo muito melhor que os basados exclusivamente nas taxas de juros.
Tudo isso está escrito em detalhe, incluindo ainda mais evidências a favor da teoria econômica marxista e sua afirmação de que importante são os benefícios, tendo os investimentos como fato determinante, e não o preço ou a quantidade de dinheiro (monetarismo) ou o consumo e o emprego (keynesianismo). Assim, deve-se esperar que o investimento empresarial caia ainda mais nos próximos trimestres. Se a Fed decidir um mais um aumento nos tipos de juros em meio a este cenário, poderia desencadear uma nova recessão econômica, caso os mercados de valores caíam e o valor financeiro fictício das empresas ficar exposto à realidade dos seus benefícios.
* Michael Roberts é um reconhecido economista marxista britânico, que publica seus artigos no blog The Next Recession.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: reprodução
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12